Professoras da SEEDF ganham prêmio com projeto sobre igualdade de gênero

Duas professoras da rede pública de ensino do Distrito Federal receberam o prêmio “Igualdade de Gênero na Educação Básica”.  Aldenora Macedo e Jaqueline Barbosa, professoras da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal (SEEDF), afastadas da sala de aula para doutorado, foram premiadas, nessa terça-feira (23), pela ONG Ação Educativa, pelo projeto intitulado “Juntes: relações saudáveis na adolescência”.

Elas concorreram com 272 participantes de todo o País e selecionadas entre as dez melhores. O prêmio foi um leitor digital e uma bolsa de estudos no Centro de Formação Educação Popular, Cultura e Direitos Humanos da Ação Educativa. O “Juntes” é uma proposta interdisciplinar com temáticas de gênero e de diversidade que usa uma metodologia interativa na qual profissionais da educação e estudantes atuam juntos em várias atividades e foi escolhido por ser um dos mais criativos e engajados.

No ano passado, elas concorreram ao Edital Público Igualdade de Gênero na Educação Básica, divulgado pelo site Gênero e Educação. A ONG Ação Educativa, com apoio do Fundo Malala e de mais 50 instituições, criou o edital, destinado a possibilitar aos profissionais da educação em todo o Brasil a inclusão de temáticas sobre igualdade de gênero na Educação Básica. Sem fins lucrativos, o projeto integra uma rede de organizações parceiras que lutam e defendem a educação de qualidade, os direitos das crianças e dos adolescentes, das mulheres, da população negra e da população LGBTQIA+.

Professora efetiva da SEEDF, Aldenora Macedo é graduada em pedagogia, doutoranda em educação pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, em Gestão Escolar, em Direitos Humanos da Criança e Adolescente e, também, em Educação para a Diversidade, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Jaqueline Barbosa também é professora efetiva da SEEDF, doutoranda em educação na UFG, mesma instituição em que obteve o título de Mestra em Educação. É especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade de Brasília (UnB). Sua formação inicial é pedagogia, cursada na Universidade de São Paulo (USP).

Em entrevista especial para o site do Sinpro-DF, elas explicam o que é o projeto e comentam sobre a alegria e a importância de serem finalistas no edital com o “Juntes”. Confira a seguir.

 

O QUE É O PROJETO “JUNTES”?

 ALDENORA MACEDO: É uma proposta interdisciplinar de atuação. Sua metodologia de execução é interativa com o uso de explanação, rodas de conversa, tempestade de ideias, audição de músicas e apresentação de vídeos. Todas contam com a participação ativa das/os estudantes, partindo sempre do conhecimento prévio acerca das temáticas propostas, que podem ser realizadas por profissionais do quadro docente, atuantes em sala de aula ou não, das diferentes disciplinas.

QUAL OBJETIVO DO PROJETO?

ALDENORA MACEDO: O objetivo central é o de promover reflexões sobre o racismo estrutural contra pessoas negras e indígenas, as desigualdades de gênero e o extermínio de pessoas em razão de suas sexualidades para promover o reconhecimento e a valorização das diferentes identidades de crianças e adolescentes no ambiente escolar e na sociedade. Assim, o que a gente espera no fim do projeto é que as(os) estudantes possam compreender a diversidade como intrínseca à sociedade e como as questões de gênero perpassam as relações de poder e impulsionam violências. Também visa a conhecer alguns aspectos importantes da diversidade étnica e cultural, reconhecer o machismo como uma problemática social e que atinge também meninos e homens, identificar relacionamentos abusivos e os tipos de violência contra meninas e mulheres.

EXPLIQUE A ESCOLHA DO NOME “JUNTES”?

 ALDENORA MACEDO: Nomeamos nosso projeto de “Juntes” porque essa expressão remete à ideia de inclusão, no sentido amplo e integral da palavra inclusão, uma vez que damos destaque às diferentes questões importantes à constituição das identidades. Simboliza também nossa abordagem interseccional. Grafamos “Juntes” com E para marcarmos nossa posição como pesquisadoras de gênero e diversidade que valorizam as lutas para uma sociedade plural. O uso do termo busca demonstrar ainda nosso entendimento de que a língua é uma construção social e, por isso, deve estar sempre se modificando para acompanhar as transformações culturais das sociedades. A linguagem neutra ou inclusiva não se restringe a uma questão gramatical, trata-se de uma atitude de rompimento com uma linguagem universal e excludente.

QUANTO TEMPO FOI NECESSÁRIO PARA A CONSTRUÇÃO DO “JUNTES” E QUEM É O PÚBLICO-ALVO?

ALDENORA MACEDO: Somos professoras da SEEDF há mais de 10 anos e, desde sempre, trabalhamos com uma educação na e para a diversidade. Sendo assim, as atividades propostas no projeto são por nós implantadas em todo esse tempo. O projeto sistematiza todas essas ações e experiências em sala de aula com as questões de gênero e diversidade. Eu, por exemplo, quando atuei na Subsecretaria de Educação Básica, implantei muitas atividades que compõem o projeto Juntes não só com estudantes, mas também com professoras/es e demais profissionais das diferentes Coordenações Regionais de Ensino (CRE). Também realizamos oficinas com estudantes universitárias. Assim, podemos afirmar que muitas pessoas foram alcançadas pelo projeto e que os resultados foram bons. Esperamos, agora, com o prêmio, que esse alcance seja multiplicado.

QUAL A IMPORTÂNCIA PEDAGÓGICA TRABALHADA NA PROPOSTA?

ALDENORA MACEDO: A nossa metodologia é interativa, envolve estudantes e aplicadoras em todo momento. As atividades podem ser realizadas por profissionais atuantes em sala de aula ou não. O importante é ter sensibilidade com os temas e algum conhecimento que permita uma boa discussão e explicações que se façam necessárias. Pedagogicamente, é um projeto que está em acordo com a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de maior importância, sobretudo no que diz respeito aos temas contemporâneos transversais da BNCC, que hoje passaram a ser 15, distribuídos em seis macroáreas, dentre as quais destacamos o multiculturalismo, a cidadania e o civismo. O projeto é interdisciplinar e pode ser trabalhado de forma mais abrangente e flexível. É dividido em duas grandes etapas compostas por encontros que podem ser adaptados às diferentes realidades e público. Assim, o projeto pode ser implantado completo ou em partes, a depender da disposição pela unidade escolar.

QUAL A IMPORTÂNCIA DO PROJETO TER SIDO SELECIONADO PELA AÇÃO EDUCATIVA?

JAQUELINE BARBOSA: Achamos interessante que nosso projeto tenha sido selecionado porque ele é resultado de muito tempo de dedicação a uma formação teórica. Desde 2012, estamos envolvidas com cursos de extensão, especialização, mestrado e doutorado na área, mas o grande diferencial foi ter tido a oportunidade de trabalhar com o tema em sala de aula, aprimorar estratégias, descobrir o que funcionava ou não, na prática. Teoria e prática, então, andaram juntas na proposição do projeto, o que o diferencia de outras propostas que não tenham esse lastro no dia a dia da escola.

QUAL A RELAÇÃO DA ESCOLHA DESSA TEMÁTICA COM A  CONSTRUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE?

JAQUELINE BARBOSA: É de amplo conhecimento que enfrentamos, já há algum tempo, investidas antidemocráticas e conservadoras contra pautas progressistas. Temas como racismo, gênero e diversidade, que, a duras penas e com atuação determinante dos movimentos sociais foram incorporados aos documentos norteadores e legislações educacionais, têm sofrido ataques políticos disseminados de maneira tendenciosa pelos meios de comunicação e nas mídias sociais. Tendo em mente esse contexto, então, nosso projeto, ao proporcionar momentos de reflexão que desnaturalizam desigualdades sociais, configura-se como mais um mecanismo de resistência na busca pelo direito à educação de qualidade, contribuindo para a construção de uma sociedade, verdadeiramente, justa e democrática.

DESTACANDO O CONTEXTO DE PANDEMIA, QUAL A IMPORTÂNCIA DESSAS TEMÁTICAS NO ISOLAMENTO?

ALDENORA MACEDO: Diversas pesquisas mostram que o isolamento social é um propulsor das violências no ambiente doméstico contra crianças e mulheres porque essas passam a estar confinadas com seus agressores. Meninas e mulheres estão ainda mais sobrecarregadas físicas e emocionalmente, pois as exigências de cuidado que a pandemia do novo coronavírus cobra recai sobre elas. A pandemia desvelou também as diferenças socioeconômicas e, com isso, escancarou o racismo e as desigualdades. As pessoas negras e indígenas encontram-se em um contexto de vulnerabilização ainda maior. E, se antes a diversidade sexual já era motivo para a exclusão, na pandemia, esse quadro se agravou. Sabemos que as minorias políticas são sempre as mais atingidas pelas crises. Então, o que queremos dizer com tudo isso? Afirmar que essa discussão precisa continuar, ainda mais em momentos como este. É preciso entender como gênero, raça, etnia e sexualidade estruturam as muitas desigualdades. Para tanto, destacamos que o projeto pode ser implantado no ensino remoto, da mesma forma em que está acontecendo as aulas regulares.

Também são enormes os desafios e complexidades para a realização de debates sobre gênero e diversidade na escola, mas é essencial que, a despeito do difícil momento político que vivemos, este trabalho continue sendo realizado em nome de uma educação que, realmente, alcance e acolha a todas as pessoas. O prêmio, nesse sentido, traz um respaldo, uma vez que o próprio edital menciona a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em favor da pauta. Há o envolvimento do Fundo Malala e de outras instituições importantes. Então, foi criado, com ele, um clima de apoio às professoras e aos professores que desejem abordar o tema. É de fato, uma vitória para nossa educação pública.

Para acessar e conhecer o projeto, clique aqui.

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