Professora da SEEDF que adquiriu coronavírus conta como a Itália lida com a pandemia

Camila Cynara Lima de Almeida, professora de Língua Portuguesa da rede pública de ensino do Distrito Federal, que está trabalhando na Universidade de Bolonha desde o segundo semestre do ano passado, foi vítima do coronavírus no início da pandemia na Itália. Em entrevista exclusiva para o site do Sinpro-DF, ela conta que, por desconhecimento e por ter tido sintomas mais brandos, acabou achando que era uma “gripezinha” e viajou para a Espanha. No passeio, transmitiu o covid-19 aos amigos.

“Assim como todos os italianos, eu subestimei a gravidade da doença e considero que isso foi um vacilo que a Itália deu. Todos tinham a ideia de que a doença não ia chegar com tanta força, que não era um vírus tão letal. Ninguém se deu conta do quanto poderia ser fatal para alguns grupos já que ninguém tinha anticorpos contra ele. Foi aquela coisa assim de a gente ouvir falar e tudo parecer tão distante. Pensaram que uma pessoa ou outra iria morrer, mas ninguém imaginava que a Itália enterraria mais de 12 mil pessoas por causa do coronavírus. Enterraria entre aspas porque não está enterrando”, lamenta.

CONTAMINAÇÃO
Camila não sabe precisar como pegou o SARS-CoV2. “Mas imagino que tenha sido dentro do trem, voltando de Florença para Bolonha. O trem tinha Bérgamo como destino. De 3 a 4 dias depois dessa viagem, comecei a me sentir mal. Tive sintomas brandos, que confundi com outras coisas. Primeiramente, pensei ser uma sinusite, depois uma gripe. Mas, quando o tempo passou, comecei a perceber que alguns dos sintomas não eram compatíveis com os sintomas de uma sinusite. Tive febre, dor no peito e fui ao médico”, relata.

Naquele período, ela se tratava em casa, de acordo com o que ia aparecendo. “Por exemplo, dava faringite, eu usava uma pastilha para garganta. Nariz entupido, usava spray. Mas comecei a sentir dor no peito e, no quarto dia, vendo que não melhorava, decidi por uma consulta ambulatorial”.  A médica, no entanto, receitou paracetamol e a aconselhou a seguir em frente, não desmarcar a viagem de férias para a Espanha e nem deixar de fazer o que estava programado para os próximos dias.

“Acabei viajando, mesmo me sentindo meio mal ainda, e encontrei dois amigos. Alguns dias depois, um deles apresentou os mesmos sintomas e fez o teste. Deu positivo para o coronavírus. Foi assim que a gente se deu conta de que era, de fato, coronavírus”, declara.

DISTANTE DE NÓS
A professora ficou doente no início do agravamento da situação na Itália, quando o país registrava apenas 29 mortos. “A gente sempre tem a sensação de que essas coisas estão mais distantes de nós. No período em que tive a doença, a Itália ainda não estava fazendo testes e, portanto, não era possível a médica precisar se o que eu estava sentindo era viral ou não”.

Camila entende que, com as informações que se tem hoje sobre a pandemia, é importante todo mundo ter responsabilidade. Considera que a médica foi um pouco irresponsável, mas, por outra parte, justifica a atitude dela por ter sido bem no início do problema e também pelo fato de que o isolamento não costuma ser a orientação padrão da medicina para viroses.

“Naquele momento, o coronavírus era subestimado por todos. Não havia uma única pessoa que eu conversasse aqui na Itália que tivesse uma preocupação real sobre o que isso ia significar. Hoje, entendemos que é fundamental os jovens terem responsabilidade no convívio social. Importante lembrar que os jovens não estão imunes. Eles passam pela doença, às vezes, com sintomas brandos, como eu, e até assintomáticos, mas, às vezes, tem letalidade juvenil”, alerta.

Segundo ela, é sabido que o vírus se espalha numa velocidade considerável e é estimada a existência de um número muito maior de contaminados do que os já testados. “O que se deve fazer é manter os protocolos de higiene e isolamento social: é importante haver a proteção à saúde, não sair às ruas, lavar as mãos várias vezes ao dia com água e sabão e como recomenda o método correto de lavá-las; se precisar de sair, usar máscara, luvas e não pôr as mãos no rosto; e, diante de uma suspeita, colocar-se em autoisolamento”, aconselha.

EDUCAÇÃO ON-LINE
Camila leciona em Bolonha, cidade situada em Emília-Romanha, segunda região mais afetada pelo coronavírus no país. Bolonha é a quarta cidade com mais casos na região. Ela diz que lá se tem conseguido controlar um pouco melhor a situação nos hospitais do que na Lombardia porque, como o número de doentes é bastante menor do que na região vizinha, as UTI não estão tão cheias e muita gente está fazendo tratamento domiciliar.

As aulas foram as primeiras atividades suspensas. Isso ocorreu no dia 22 de fevereiro, no dia seguinte após o país registrar o primeiro óbito por coronavírus. Naquele dia, o governo decidiu que seria prudente tomar algumas medidas sanitárias em algumas regiões. Houve críticas porque geraria pânico. “A Universidade de Bolonha suspendeu imediatamente as aulas presenciais. Depois de uma semana, começamos a usar o aplicativo Microsoft Teams para aulas sincrônicas, 100% on-line”, informa.

Na primeira semana, os estudantes ficaram sem aula, mas, da segunda em diante, as escolas reiniciaram on-line. No dia 9 de março, Giuseppe Conte, primeiro-ministro italiano, decretou a quarentena geral e obrigatória em todo o país. Naquele dia, muitas escolas começaram a considerar a adotação de atividades on-line para que os estudantes não ficassem completamente desassistidos. “Acredito que este semestre vai acabar on-line porque, mesmo que termine a quarentena, o governo irá tomar algumas medidas para continuar minimizando o contágio”, afirma a professora.

Ela observa que toda a educação italiana é pública e até as crianças e adolescentes do ensino básico estão com “aula” on-line. “Em conversa com os estudantes para os quais dou aulas, que são de nível superior, eles relatam que essa é uma situação nova na Itália e tudo está sendo testado no campo da educação. No ensino básico, por exemplo, não são aulas propriamente ditas. São mais professores enviando atividades para fazer on-line, vídeos, tarefas, páginas de livro etc.” Não é uma substituição da escola e da aula presencial”.

Camila destaca que, em Milão, várias escolas estão experimentando o Zoom, um aplicativo para videoconferência, e muitos professores não estão conseguindo se adaptar e nem adaptar seus conteúdos ao esquema on-line. “Professores com mais habilidade estão ensinando outros. Está sendo um processo, mas, dentro do ensino básico, não é uma substituição das aulas presenciais. Supõe-se que haverá um retorno à escola. Mas não se sabe ainda se o ano de 2020 está perdido em termos escolares, assim como há outras dezenas de dúvidas já que o país vive uma situação atípica”.

REDE PÚBLICA DE ENSINO DO DF
No Distrito Federal, o governo Ibaneis Rocha (MDB) estuda a possibilidade de adotar a teleaula na rede pública de ensino. Todavia, diferentemente da Itália, cujo sistema educacional é totalmente público e a situação social e econômica da população é muito melhor do que a nossa, o Brasil e o Distrito Federal não têm condições de instituir o modelo on-line e nem de contabilizá-lo como dias letivos por causa da falta de acessibilidade de uma parte considerável dos(as) estudantes da escola pública.

O Sinpro-DF tem se preocupado com os debates e os anúncios do governo sobre esse tema. E tem alertado sobre vários problemas sociais e pedagógicos que envolvem a escola pública, como, por exemplo, a falta de acessibilidade de boa parte dos(as) estudantes e das condições técnicas para se manterem conectados(as), mesmo por meio de TV aberta.

Na última reunião com o Sinpro-DF, o Governo do Distrito Federal (GDF) informou que iniciará as teleaulas no dia 6 de abril com estudantes do Ensino Médio. No entendimento do sindicato, é importante o governo manter o contato deles, neste momento de pandemia, com as atividades escolares, mesmo que seja por meio de teleaulas. No entanto, esse contato não deve ser considerado para efeito de dias letivos.

“O contato pela Internet e pela TV não pode ser considerado dias letivos porque há risco de acentuar ainda mais o abismo social e educacional existente, até porque muitos estudantes terão dificuldades para acompanhar o conteúdo e outros nem sequer conseguirão acompanhá-los”, explica a diretoria colegiada do Sinpro-DF.

OS LEMANNS E A AULA ON-LINE
Diferentemente dos objetivos da rede pública de ensino, a rede privada tem a preocupação de manter as aulas funcionando para motivar os pais a continuarem pagando as mensalidades. Em entrevista à CBN Brasília, no dia 28 de março, Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann – uma das maiores empresas de educação privada do Brasil e do mundo –, afirmou que já estão sendo estudadas medidas para que todos os estudantes do Brasil tenham acesso ao conteúdo com igualdade.

Não basta fornecer aulas para as escolas privadas. A Fundação Lemann e as demais empresas privadas querem explorar o nicho mercadológico da Educação a Distância (EaD) na rede pública. Na entrevista, Mizne ressaltou que as equipes da iniciativa privada que auxiliam o Ministério da Educação (MEC) trabalham para tentar fazer com que todos os estudantes do Brasil não percam o ano letivo. Ele informou que a fundação coordena, em parceira com o MEC, com o Conselho Nacional de Secretários de Educação e com Dirigentes Municipais de Educação, além de outros setores, a elaboração de propostas para instituir a teleaula e impedir a perda do ano letivo.

Na entrevista, ele disse que vários estados lançaram o método de teleaula e aplicativos com o conteúdo escolar, os quais serão difundidos nos próximos dias para os estudantes poderem usá-los no seu aparelho de celular 3G ou 4G. Na entrevista, o repórter perguntou como será resolvido o problema da defasagem de crianças e adolescentes pobres que não têm acesso a essas aulas e nem a essa tecnologia.

O repórter destacou que há um imenso percentual de estudantes com dificuldades até para se alimentar, que se deslocam quilômetros para ir à escola, que não têm Internet nem celular em casa. Na resposta, Mizne disse que o esforço da coalizão organizada pela Fundação Lemann e o MEC é o de colocar um canal de TV em cada estado transmitindo aulas para quem tem acesso e lamentou a sina de quem não tem: “Mas, claro, vai ter um pedaço do Brasil que, infelizmente, não vai dar para chegar”.

FOCO DA REDE PÚBLICA É LEVAR EDUCAÇÃO A TODOS
Nesse encontro do MEC, secretários de Educação e organizações privadas da área consultaram o Conselho de Educação a fim de legitimar, numa visão mercadológica, a EaD como dia letivo para que a iniciativa privada possa prestar o serviço e, ao mesmo tempo, justificar o pagamento de mensalidades pelos pais.

“Na rede pública, no entanto, o foco é outro. Temos outros princípios e diferentes objetivos. Não se trata de uma visão mercadológica da educação, e sim a preocupação com o serviço público bem prestado e o cuidado com o direito social à educação pública, gratuita e de qualidade, acessível a todos(as) sem distinção de renda. A preocupação é oferecer, em condições de igualdade, o conteúdo acadêmico e assegurar a inclusão educacional e social dos estudantes da escola pública. É aí que a EaD para a educação básica não se encaixa”, finaliza a diretoria do Sinpro-DF.