PROFESSOR Marcelo Mariani, PRESENTE!

Carta aberta ao professor Marcelo Mariani, vítima da Covid-19 que nos deixou ontem (27), após uma longa e  belíssima caminhada no ambiente escolar. 

Marcelo Mariani foi diretor do Sinpro-DF na gestão 1998-2001 e, dentre suas atividades sindicais, era responsável pelas visitas às escolas de Samambaia. Atualmente, ele era candidato nas eleições municipais ao cargo de prefeito de Cotegipe, Bahia.

Abaixo, uma singela homenagem de um grande amigo e companheiro de luta, professor do CED 02  de Sobradinho-DF, Wsiel.

“E sucedeu que, terminados os dias de sua missão, voltou para sua casa.” Lucas 1:23. 

“Tive o privilégio de trabalhar com o Marcelo Mariani de 1994 à 1997, na Escola Classe 511 de Samambaia . Ele foi vice diretor no período de 1996 à 1997. A escola era feita de troncos de árvores. A infraestrutura era muito precária e  instalações elétricas além de não funcionar a contento, era um perigo constante de acidentes. Para usar os banheiros, tinha que encher um balde com água para “dar descarga”.  Tinha muitas goteiras quando chovia. Enfim, estrutura totalmente inviável para o funcionamento de uma escola. No período em que Marcelo esteve na direção com a prof.  Andrea (Diretora), foram realizados abaixo-assinados, passeatas e outras mobilizações com toda a comunidade escolar. 

Estas ações garantiram que a Escola Classe 511, uma das “escolas de toras” no DF, fosse totalmente demolida para ser construída uma nova com a infraestrutura adequada. A partir  de 1998 muitas “escola de toras”, “escolas de latão”, “escolas de premoldados”… escolas que eram verdadeiros “campos minados”, passam a ser demolidas para dar lugar a edificações condizentes com espaço para educação. Lembro que estas escolas precárias, que podiam causar até mesmo uma tragédia coletiva, eram também conhecidas como “escola do Roriz”.  

No período em que Marcelo e  Andrea estiveram na direção também acabou-se com o “turno da fome”. É bom relembrar que nos anos 90 era muito comum as escolas funcionarem com 3 turnos no diurno. Logo o 2⁰ turno, que funciona das 11h às 14h30, passou ser chamado de “turno da fome”. Houve também avanços pedagógicos. Foi desenvolvido, apresentado e aprovado pela SEEDF, um projeto visando melhoria nas ações pedagógicas e buscando diminuir significativamente os índices negativos (baixo rendimento escolar, reprovação, evasão…). A escola classe 511 foi pioneira na “carga ampliada” oferecendo 5 horas de aulas para os alunos desde 1997, e garantindo 15 horas de coordenação para os professores. A lei da “carga ampliada” só foi aprovada depois sendo  estendido os mesmos direitos para todos.

Com a aprovação de 5 horas de aula, os alunos passaram a ter direito de 2 lanches por turno. Era servido um logo no início e outro aproximadamente 3 horas depois. Isto garantia que o aluno tivesse melhores condições para suportar 5 horas de aula com melhor rendimento e aproveitamento escolar. Lamento muito que duas refeições por turnos tenha ocorrido por um período muito curto, talvez uns 4 anos. Pouquíssimas escolas no DF tiveram esse benefício. Imagino que muitos professores nem fazia ideia que isto possa ter ocorrido. Temos que resgatar este item “duas refeições por turno” em nossas reivindicações.

Samambaia foi criada oficialmente em 1989. Era cidade de “lotação”, enquanto as outras cidades mais antigas ao redor eram de “remoção”. Com isto o corpo de professores(as) era composto em sua maioria por  colegas que tinham acabado de tomar posse do concurso. Marcelo sempre fez um trabalho na escola de orientação e formação de uma consciência política com a categoria. Defendia a implementação da coordenação de 15 horas semanais para que o professor(a) tivesse melhores condições de se preparar para as aulas, e diminuir o volume de trabalho que se levava para casa. Isto foi conquistado anos depois.

Defendia a gestão democrática, onde a comunidade escolar deveria escolher os gestores da escola através de eleição. Foi aprovada uma lei neste sentido em 1997, e no mesmo ano teve eleição. Defendia implementação do “auxílio-creche”, por entender que a nossa categoria era formada majoritariamente por mulheres, e estas precisam deixar seus filhos em segurança enquantos estavam no trabalho para desempenhar melhor suas funções. Defendia uma reestruturação no plano de carreira do magistério do DF, para corrigir várias distorções que se tinha, dentro a mais gritante era o “complemento do salário mínimo” que era realidade não somente no DF, mas do Brasil como um todo.

Vários lugares do nosso país onde professores(as) recebiam menos que um salário mínimo, e nem complemento tinha, que era algo inconstitucional. Por isso defendia a criação de Fundo Nacional para financiamento de Educação no Brasil. Aqui no DF os professores(as) deixaram de receber o “complemento do salário mínimo” só na reestruturação de carreira de 2003, salvo engano. 

No Brasil foi criado o FUNDEF (Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental). Anos depois ampliou as modalidade de educação atendidas, sendo reestruturado como FUNDEB (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica). Eram políticas de governo e temporária. Agora em agosto de 2020 o Congresso Nacional aprovou a PEC do FUNDEB, que o torna “política de estado”, ou seja, tem caráter permanente.

Através do FUNDEF/FUNDEB foram implementadas várias políticas educacionais importantes para o povo brasileiro: Livro didático para todos, lanche para todos, educação especial, educação profissionalizante, transporte escolar, creches, formação continuada dos docentes, dentre outras. Mas é importante lembrar que com FUNDEF/FUNDEB foi possível eliminar uma tremenda injustiça com os profissionais da educação no Brasil. Em 2008 foi criado o “Piso Nacional do Magistério”, e não temos mais professores no Brasil recebendo menos que um salário mínimo. Luta constante do Marcelo.

Ele  foi um defensor da nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) de 1996, que dentre vários avanços da educação se destaca a obrigatoriedade por parte do Estado de oferecer educação pública universal de qualidade nas modalidade de Creche, Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Antes a obrigatoriedade era apenas para o ensino fundamental. O Ensino Fundamental é ampliado de 8 para 9 anos, e as crianças passam a ser alfabetizadas a partir dos 6 anos de idade.

Marcelo também defendia a criação das Gratificações de alfabetização e do Ensino Especial. Ele argumentava que os profissionais dessas áreas tinham uma formação e dedicação diferenciada, por isso precisavam ser recompensados. Ainda nos anos 90, foram implementadas as duas gratificações. Participei da direção da Escola Classe 511 de Samambaia, como Assistente administrativo na gestão de 1998 e 1999. Colhi muitos frutos bons do que Andrea e Marcelo deixaram. Inclusive fomos nós que recebemos a escola nova no 2º semestre de 1998.

Marcelo esteve diretor do Sinpro-DF, como um bravo lutador pela categoria no período de 1998 à 2001. Trabalhei como ele novamente no Centro de Ensino Médio 304 de Samambaia em 2002. Foi um excelente professor de Arte. Foi prefeito em Cotegipe – BA, sua cidade natal que tanto se orgulhava. Foi acima de tudo um grande companheiro e amigo, mais um que a COVID-19 nos toma.

Foi através do Marcelo que a palavra “conjuntura” passou a ter sentido e significância para mim. Em sua conversas ele sempre fazia uma análise da realidade, que na maioria das vezes era preocupante, mas também nos levava a reagir nos dando confiança dizendo que nós éramos os agentes das mudanças que esperávamos. 

A conjuntura de 2020, é extremamente preocupante. E voz do Marcelo continuará ecoando fortemente, dizendo para que ninguém se intimide. Mas que haja união de forças de cada um de forma ordenada para enfrentar os ataques que os profissionais da educação, e povo sofrido brasileiro sempre tiveram. Não percam a esperança. Acreditem em vocês, acreditem na educação e por seguinte acreditem num Brasil melhor.

Sou cristão, protestante, agora renovado, mas nos anos 90 eu era pentecostal. Marcelo sempre respeitou minha fé. Dizia que eu deveria ser um agente de transformação de consciência na minha comunidade de fé”. 

Quanto ao legado que ele deixa, nem é preciso falar…

Deixo para familiares e amigos em memória do Prof. Marcelo Mariani, a música “Conjuntura” do grupo evangélico “Céu na Boca”, que expressa em sua letra um pouco da mensagem que ele (Marcelo) nos transmitia.  – Texto de autoria do professor do CED 02  de Sobradinho-DF, Wsiel.

Marcelo, presente!