Por que saímos às ruas para defender o SUS
O Sistema Único de Saúde, o SUS, está sofrendo ameaça de desmonte com a instalação do governo golpista. Os 180 milhões de brasileiros, a população de menor renda, que mais necessita e usa o sistema de assistência à saúde pública e gratuita, são os maiores ameaçados de prejuízos à sua qualidade de vida.
Ao contrário do que vinha ocorrendo antes do golpe, o presidente interino Temer está retirando os trabalhadores dos orçamentos da União. Os cortes de investimentos, sob alegação de ajustes nas contas deficitárias, atingem somente as políticas públicas voltadas aos trabalhadores e aos segmentos mais pobres. O governo ilegítimo de Temer e seus aliados golpistas estão administrando os recursos públicos apenas para os interesses da minoria rica do país e do capital estrangeiro.
Não bastasse isso, está repassando a responsabilidade do Estado para outros setores privados. A política neoliberal adotada por Temer quer transferir o serviço de saúde pública para Organizações Sociais (OSs), terceirizando a gestão e abrindo caminho para a privatização do serviço público de saúde.
“Saúde é um direito de todo cidadão brasileiro, de toda a classe trabalhadora. Saúde não é mercadoria. Saúde é um direito de cidadania”, adverte a enfermeira Maria Arindelita Neves, representante do segmento dos trabalhadores no Conselho Nacional de Saúde e vice-presidente da Associação Brasileira de Enfermagem-seção DF (ABEn). Assim, ela traduz o que pensam todos os militantes da saúde pública e os movimentos sindicais e sociais, que defendem não só a manutenção como também a destinação de mais investimentos ao Sistema Único de Saúde. Para ela e para todos que marcham nesta quarta (6) na Esplanada do Ministérios em defesa do SUS, é fundamental preservar, como determina a Constituição, acesso integral, universal e gratuito em assistência à saúde a todos os cidadãos como política pública de Estado.
Maria Arindelita Neves de Arruda é servidora da Secretaria do Estado da Saúde do Distrito Federal. Tem uma vida dedicada à saúde pública, inclusive com cargos de assessoramento no governo federal. Participa como uma das lideranças da Frente Popular em Defesa do SUS do DF, que lançou recentemente, em 24 de junho, seu manifesto público. Nesta entrevista, ela diz por que devemos lutar com afinco em defesa do SUS, como instrumento de diminuição das desigualdades e de ampliação da justiça social, e como o sistema vem sendo atacado, com risco de desmantelamento.
Por que o SUS é importante?
O Sistema Único de Saúde foi instituído pela Constituição de 1988 para concretizar um direito à cidadania. É uma política de inclusão, de democratização do acesso à saúde. Antes do SUS havia uma grande massa de trabalhadores que, por não ter Carteira de Trabalho assinada e estar fora do mercado formal, não tinha direito à assistência em saúde. Com o SUS, todo cidadão brasileiro tem acesso integral, universal e gratuito a serviços de saúde. É um dos maiores sistemas de saúde públicos do mundo. Por meio dele, cerca de 180 milhões de brasileiros conseguem ter consultas, exames, internações, vacinações.
Por que o SUS está sob ameaça?
A gente vê hoje uma política de redução no financiamento da saúde pública, uma não definição de financiamento para que o SUS se concretize nos moldes estabelecidos pela Constituição. Não bastasse isso, a gente vê outras ameaças que visam descaracterizar o sistema e não preparar o Estado para assumir a política de assistência à saúde. Aí que surgem estas questões das chamadas Organizações Sociais e de terceirização da gestão do sistema de saúde por meio dessas OSs. É por isso que a gente precisa fazer o combate dessa postura e defender o SUS. Existe ameaça maior do que perder um direito? O Estado vir com essa história de OSs para gerir a saúde é deixar o Estado não se organizar para cumprir seu papel. Somos contra isso. Não cabe às OSs organizar nem fazer a gestão da saúde pública. A OS é a negação do que está na Constituição.
O que são as OSs e por que são ameaça ao SUS?
Como no Brasil não havia até um a certa época políticas públicas em várias áreas sociais, surgiram as entidades filantrópicas que ocupavam o papel do Estado onde ele não estava presente. Só que as filantrópicas sempre viveram de dinheiro público. Com a proliferação dessas entidades, o Congresso passou discutir a necessidade de regulação dessas filantrópicas, já que viviam de recursos públicos. Daí surgiram as chamadas OSs (Organizações Sociais) ou as OSCIPS (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Só que foi desvirtuada a ideia. Em vez do Estado assumir seu papel, a gente vê que as OS não só a ocupavam espaço deixado pela omissão do Estado, mas passaram a fazer parte do Estado, assumindo a gestão de equipamentos públicos. Isso que não queremos. Ou seja, as OSs foram instituídas para superar um problema. Só que, assim, aprofundaram o problema. A justificativa era garantir mais controle do Estado sobre entidades com títulos de beneficentes, mas que na verdade eram particulares que viviam com dinheiro público. O que aconteceu é que, ao invés de o Estado controlar o que existia, as OSs passaram o executar, por dinheiro, as atribuições do Estado. A ameaça com isso é o Estado nunca se organizar para cumprir seu dever Constitucional. A ameaça é o SUS deixar de ser uma política de Estado.
O que deve ser feito para combater essas ameaças?
Denunciar das diversas formas possíveis, em especial junto aos Conselhos de Saúde, mobilizar os usuários para que pressionem parlamentares, ou recorrer à justiça quando não houver sensibilidade parlamentar.
Como já acontece em algumas localidades, o governo do DF também está interessado em repassar gestão da saúde às OSs. É justificável?
As alegações são frágeis, como agilidade para compras, para nomeação de pessoal, algo que mais parece uma declaração de falta de capacidade para gestão. Aí está o perigo: se realmente não tem capacidade de gestão, se não consegue uma gestão colegiada nos serviços próprios, como fazer gestão com terceiros.
É importante os movimentos sociais estarem na defesa do SUS?
É fundamental mobilizar a comunidade de uma forma geral, suprapartidariamente, para defender um direito que foi conquistado na Constituição de 1988 e está correndo o risco de desaparecer. Os movimentos sociais são representados por trabalhadores conscientes e que lutam para despertar a consciência do direito de cidadania em todos. Despertam também a consciência que somente num Estado Democrático e de Direitos, com oportunidades para todos, poderemos ter desenvolvimento pleno de nossa capacidade humana. Eu penso que sem os movimentos sociais e as suas articulações com as entidades das classes trabalhadoras não vamos cumprir nossa Constituição, não resgataremos o que rasgaram e, com certeza, vamos perder mais.
Qual será o impacto sobre a população a entrada das Organizações Sociais na saúde?
A insegurança. Os serviços ficam dependendo do gestor de plantão. Como é sabido e vivido, há mudança de gestores na saúde por inúmeras razões e isto vai com certeza acontecer. Então, encerra-se contrato, encerra-se serviço e, ao invés de melhorar, vai piorar, vai fechar serviço. A população precisa defender o SUS como política pública, gerida pelo Estado, Se não está bom, que procure saber o que realmente está acontecendo. É isto que queremos que aconteça, que a comunidade assuma que o serviço público pertence a ela.
E qual impacto sobre os trabalhadores atuantes na saúde?
Esses são os mais impactados. O acesso ao cargo deixa de ser por concurso público e passa a ser por seleção de quem está ali no comando. Como sabemos, para quem quer lucro, a primeira coisa que o setor privado faz é baixar os salários. As categorias com menores poderes reivindicatórios vão certamente sofrer muito e sem possibilidade de reinvindicação, pois a qualquer passo que não agrade ao gestor de plantão poderá perder o trabalho. Haverá muita rotatividade de mão de obra.
Depois do lançamento do manifesto Frente Popular em Defesa do SUS, quais serão os próximos passos?
Agregar mais movimentos populares. Mobilizar os Conselhos Regionais onde os usuários possam participar mais efetivamente, ratificando o manifesto da Frente Popular em Defesa do SUS/DF. Temos também, uma forte aposta na constituição de uma Frente Mista com Sindicatos e parlamentares do Distrito Federal para encaminhar as demandas do movimento. Vamos nos agregando aos poderes que defendem os princípios Constitucionais do SUS. Nós queremos fazer parte da Frente Democracia e Saúde e trazer o povo para exercer seu papel político.
Qual foi a importância do lançamento do manifesto?
O manifesto é nossa carta de princípios para todas as pessoas e entidades que querem fazer algo para defender o SUS e ainda não sabiam como fazer. Agora sabem que há a Frente Popular em Defesa do SUS no Distrito Federal e que podem se juntar para ser mais forte.
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Veja em vídeo entrevista de Arindelita Neves