POR QUE NÃO SE RESPEITA A PROFESSORA E O PROFESSOR O QUANTO SE RESPEITA A JUÍZA E O JUIZ?

Um dia desses uma amiga, gestora em uma escola pública, me contou que recorrentemente há pais e outros parentes de estudantes que insistem em entrar sem camisa na escola, fato que ela não permite e orienta que voltem em casa, se vistam para serem bem recebidos na escola. Não raro, revoltam-se furiosos contra a medida e, quando não persistem na atitude, retiram-se da escola coléricos com ela. Essa professora é digna dos meus aplausos mais veementes.

É sabido que historicamente não há equivalência no respeito que a sociedade dá a professores e a outras profissões, como a de juízes. Você já viu alguém tratando de forma desrespeitosa um juiz ou juíza? Você conhece caso de alguém dizendo ao juiz ou a juíza como devem atuar? E a nós?

Convocaram-me para compor o tribunal do júri da minha cidade por um mês. Éramos trinta pessoas representativas de diversas classes sociais, profissões, etnias, gênero e idades. Um fator nos fez igual: o rigoroso respeito e reverência ao juiz, ao espaço físico e simbólico do tribunal de justiça, começando com a roupa que nos vestíamos. Mais que cordial, o tratamento era de deferência, de reverências absolutas. Mesmo nos momentos que antecediam as sessões, só nos dirigíamos ao juiz se quando solicitados e com a formalidade e os pronomes de tratamento que a situação exigia. Qualquer pedido de informação era dirigido aos demais funcionários do tribunal. Aliás, a suntuosidade do prédio e suas instalações já são intimidatórias. São lembretes de como lá se comportar. A escola pública nem precisava disso tudo, um tantinho já seria o suficiente para que lá se entrasse com um pouquinho de cerimônia, um tantinho de respeito, já que ambos são equipamentos públicos igualmente importantes para a sociedade. Eu, como professor há 33 anos, sempre me indago com muita indignação porque não se trata a escola, professores e professoras da mesma forma que se trata juízes e tribunais.

Me pautarei neste exemplo. A falta de equivalência no respeito dado a professores e juízes sabemos que se origina de múltiplos e complexos fatores culturais, sociais e históricos. Algumas das principais razões para essa disparidade são as percepções que se tem dos papéis de cada uma destas profissões na sociedade. A função do juiz é vista como essencial para a manutenção da ordem e da justiça. Juízes são responsáveis por tomar decisões legais importantes que afetam a vida das pessoas e garantem o cumprimento da lei. A importância do papel do professor é subestimada, apesar de ser fundamental para o desenvolvimento do país. A magistratura é associada a um alto prestígio social. O magistério não tem o mesmo prestígio. Agora vejam: magistratura e magistério vêm da mesma raiz etimológica primária, do latim: magister, que significa mestre, chefe, funcionário do poder público investido de autoridade. Daí vem as derivações: magistratura passa a denominar a carreira pública cuja atribuição constitucional é administrar a Justiça no exercício do Poder Judiciário. E magistério, é o ofício do professor.

Fato relevante é que juízes recebem salários mais altos e têm benefícios que professores não tem. Isso acaba indicando o nível de valorização que a sociedade atribui a essas profissões. Juízes são vistos como figuras de autoridade e poder, enquanto professores são associados a um papel mais submisso ou de menor importância. Embora professores desempenhem um papel crucial na formação dos indivíduos, suas decisões não têm impacto tão imediato e visível como as decisões dos juízes. A desobediência ou desrespeito a um juiz resulta em sérias consequências legais. Por outro lado, o desrespeito ao professor não tem consequências graves, o que leva a um comportamento menos respeitoso. Para se promover um maior respeito pelos professores e valorizar nossa função na sociedade, o poder público precisa para ontem potencializar os recursos destinados à escola pública, resolver a sobrecarga de trabalho que afeta a qualidade social do ensino, impactando a imagem do professor perante os alunos e a comunidade, aprimorar as condições de trabalho, de remuneração e reconhecer publicamente as contribuições essenciais dos professores da escola pública para o crescimento e progresso da sociedade. E nós, de nossa parte, pararmos de nos diminuirmos ainda mais perante a sociedade. Não raro, presencio colegas se afirmando “sofressores, sofressoras”, caricaturando sua profissão com piadas grotescas. E se isso não fosse o bastante, ainda temos muitos gestores, colegas da mesma categoria, adotando atitudes antiéticas e desumanas contra seus pares. E nem temos um código de ética, como profissionais do direito, jornalistas, médicos, enfermeiros.

Professores enfrentam desafios e dificuldades em seu trabalho, que os juízes não têm. Além dos baixos salários e a falta de infraestrutura dos espaços escolares, somos assombrados pela violência escolar, indisciplina, desinteresse e evasão dos estudantes. Esses fatores afetam a motivação, a autoridade e a autoestima do professor, que nem sempre conta com o apoio da família, da comunidade ou do poder publico para o enfrentamento a tais desafios. Já o juiz, além do status social elevado, remuneração atrativa, carreira prestigiada tem uma função de poder. Tem um código de ética que define seus deveres e responsabilidades, bem como a linguagem e o comportamento adequados. O juiz é visto como um representante da lei e da ordem, que deve ser respeitado e obedecido. Ah, e todos são doutores sem, necessariamente, terem cursado um doutorado. E o magistério?

O respeito ao juiz é uma norma social imposta pela lei. O juiz tem o poder de julgar, condenar ou absolver as pessoas. Há vários fatores que influenciam o respeito ao professor e ao juiz, profissões distintas e igualmente importantes e isto temos que bradar, fazermos campanha para que sejamos valorizados e reconhecidos pela sociedade da mesma forma, pois ambos temos um papel fundamental na construção de um país melhor.

Outros fatores dos quais não posso deixar de falar são a influência dos meios de comunicação: a forma como somos retratados nos meios de comunicação e nas redes sociais desempenham significativo papel no modo como somos percebidos pela sociedade. Estereótipos negativos e caricaturas em memes e shows de humor de gosto duvidoso afetam nossa imagem; a falta de envolvimento efetivo das famílias na educação dos filhos e a falta de apoio da comunidade à escola também contribui para a falta de respeito ao professor. Males dos quais o poder judiciário não padece.

Somos desrespeitados todos os dias. Não me chegam notícias disso quanto a profissionais da magistratura e não é para haver mesmo. Todas as profissões precisam ser respeitadas. Resumirei o que considero pontos fulcrais deste problema social, que devem ser priorizados para que a distância entre estas duas profissões seja ao menos relativizadas. Lembro-lhe que esta minha análise comparativa focou a carreira da magistratura como exemplo, em razão do impacto que passei na experiência da convocação para compor o tribunal do júri da minha cidade. Poderia ter escolhido a medicina (de onde saem doutores, sem doutorado), a engenharia, a veterinária, que segundo pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) feita pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), publicada no Jornal Estado de Minhas nesta semana, são as três profissões com maior prestígio social no Brasil, nesta ordem. Então, vamos às cinco situações desrespeitosas que vivemos cotidianamente e que precisamos combater de forma tenaz:

A desvalorização salarial é um desrespeito: a remuneração do magistério não condiz com a importância do trabalho educacional e social desempenhado, o que implica no desrespeito à profissão. Um Juiz de Direito Substituto do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios tem salário inicial de R$ 32 mil, somados à diversos benefícios adicionais, chega a R$ 40 mil no início da carreira. Um professor no Distrito Federal, no fim de carreira, com doutorado e 40 horas de jornada semanal, não recebe mais que R$ 10 mil.

A falta de reconhecimento efetivo do poder público e, por tabela, da sociedade é um desrespeito: não somos reconhecidos pelo trabalho árduo e pelo impacto positivo que temos na formação da sociedade. Precisamos, de nossa parte, termos orgulho da nossa profissão, pois o reconhecimento à magistratura é indiscutível.

Agressões à nossa categoria, claro, são desrespeitos. Somos recorrentemente vítimas de violências físicas e simbólicas por parte de estudantes, famílias, gestões das escolas e poderes públicos. No campo das violências simbólicas o assédio moral é uma modalidade expoente. Em um fórum isso teria severas consequências.

A falta de recursos e infraestrutura adequada nas escolas é um desrespeito, pois dificulta nosso trabalho e afeta o aprendizado dos alunos. Dos recursos e das estruturas dos fóruns nem preciso falar.

As interferências no nosso trabalho são desrespeitos. Enfrentamos críticas e interferências constantes da sociedade, das famílias, da mídia e de outros setores, que se arvoram em determinar nosso trabalho, desconsiderando o quanto estudamos para estar ali, que o que fazemos é com embasamentos teórico-metodológicos. Atitudes que levam ao sentimento de desvalorização e desrespeito ao nosso trabalho. Você tem notícias de desvairado que tenha olhado no olho do juiz e determinado o que ele deve fazer?

Sabemos que não se muda um cenário destes com um decreto, tampouco apenas com nossa vontade. As mudanças históricas requerem paciência histórica e luta constante. Poder público, sindicato, categoria, sociedade, mídias, precisam ressaltar todos os dias que professores desempenham papel fundamental e insubstituível na sociedade, que somos essenciais para o desenvolvimento intelectual, emocional e social dos estudantes. Somente construindo o respeito e o reconhecimento merecido e adequado, será possível construirmos uma educação de qualidade social e uma sociedade mais justa e igualitária.

Então, por que não se respeita o professor o quanto se respeita o juiz?

 

Prof. Simão de Miranda, Pós-Doutor em Educação. (Youtube|Instagram: simaodemiranda)