PNE: Ainda não é hora de comemorar
Graças à forte mobilização da sociedade civil, somada ao esforço dos parlamentares da Comissão de Educação, o texto global do PNE (Plano Nacional de Educação) foi aprovado no plenário da Câmara dos Deputados no dia 28 de maio de 2014.
Não foi fácil. A força de agenda das MPs (Medidas Provisórias) quase inviabilizou a votação do plano decenal. Em uma estratégia vitoriosa e inédita, foi aprovado por unanimidade na CCJC (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) da Câmara um requerimento do deputado Glauber Braga (PSB-RJ), relatado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS), que sobrepõe os planos decenais ao trancamento de pauta causado pelas MPs. As MPs são instrumentos legislativos oriundos da ditadura militar que permitem ao Poder Executivo pautar o Congresso Nacional.
Ao ir a plenário, o PNE foi aprovado por unanimidade. Parlamentares e a sociedade civil comemoraram. A matéria tramita a 1.260 dias no Legislativo e foi grande o esforço para levar o texto à apreciação dos 513 deputados. Portanto, é justa a festa e é justificável a vibração, mas faltam duas votações de destaques. E elas são essenciais.
O primeiro destaque é meritório. De autoria do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), ele solicita a supressão de um dispositivo que permite contabilizar os gastos com programas como o Fies (Financiamento Estudantil), Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) e Prouni (Programa Universidade para Todos), além do conveniamento de matrículas em creches e pré-escolas, na meta de investimento equivalente a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para a educação pública.
A primeira incoerência é óbvia: essas matrículas são privadas, não públicas. Portanto, não podem ser contabilizadas. A segunda é que o Fies é empréstimo, ou seja, trata-se de uma operação contábil totalmente distinta de investimento. A terceira é que a meta de financiamento equivalente a 10% do PIB foi calculada com base no justo princípio de que o dinheiro público deve ser investido em educação pública.
Como as matrículas privadas na educação superior e na educação técnica de nível médio são, via de regra, de baixa qualidade, sua expansão é mais fácil. Consequentemente, a tendência é que o setor privado educacional abocanhe de 1,5% a 2% do PIB. Em resumo, na prática, a meta de 10% do PIB para educação pública pode se transformar em uma meta 8% do PIB caso o destaque não seja vitorioso.
Diferentemente, o outro destaque, assinado pelo deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), busca suprimir a Estratégia 20.10, que garante, por meio de uma lei específica a ser aprovada, a participação da União (Governo Federal) na complementação de recursos para Estados e Municípios que não conseguirem atingir os valores do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) e do CAQ (Custo Aluno-Qualidade).
Esse princípio, inclusive, é demandado pelo texto constitucional, conforme dispõe o parágrafo primeiro do artigo 211. Ele afirma que cabe ao Governo Federal assessorar técnica e financeira os entes sub-nacionais para a garantia de um padrão mínimo de qualidade, materializado no PNE pelo CAQi.
Embora seja patrocinado por setores do Governo Federal, é praticamente unânime e acertada a rejeição ao destaque. A Estratégia 20.10, proposta pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, foi amplamente debatida pela comunidade educacional e por pesquisadores, sendo aclamada nas conferências nacionais de educação básica (Coneb-2008) e de educação (Conae-2010), além de ter sido reiterada nas etapas municipais e estaduais da Conae-2014. Ademais, foi aprovada duas vezes por unanimidade na Comissão Especial que analisou o PNE na Câmara dos Deputados, após intensos debates técnicos.
A manutenção da Estratégia 20.10 também consta da Agenda Municipalista positiva da CNM (Confederação Nacional dos Munícipios) e é defendida pela CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), FNCE (Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação), Uncme (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação), Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) e mais de uma centena de entidades e movimentos.
O dia 28 de maio foi memorável, mas a tramitação do PNE não foi concluída e pode se arrastar. Apenas após o resultado final, quando forem apreciados os destaques, é que será possível avaliar e comemorar as conquistas. O que se sabe até aqui é que a sociedade civil tem se saído vencedora. Isso ocorre por ela ser capaz de se articular com parlamentares de todos os partidos, tanto da base do governo como da oposição.
Por Daniel Cara
(Do Uol)