Pesquisa mostra que militarização fragmenta gestão democrática

A curiosidade de entender quais os desdobramentos da militarização de uma escola pública na gestão democrática levou o professor Afrânio de Sousa Barros a pesquisar cientificamente o tema. De acordo com o estudo, que será submetido à defesa de mestrado, a gestão militarizada fragmenta a gestão democrática, sobretudo quanto à questão disciplinar.

Professor Afrânio conta que o interesse em pesquisar o tema veio por identificação, já que foi gestor eleito, tendo participado ativamente da construção da Lei da Gestão Democrática (Lei 4.751/2012). No estudo de caso, ele utilizou a abordagem qualitativa, com a realização de entrevistas e observação dos processos escolares. Como método de compreensão, foi feita análise de conteúdo, como a própria Lei da Gestão Democrática, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Projeto Político Pedagógico da escola.

O trabalho se centrou em três questionamentos: quais as concepções de gestão expressas pelos diretores, tanto civil quanto militar; como os gestores atuam no Projeto Político Pedagógico da escola; e qual a influência da gestão militarizada sobre a gestão democrática.

Entre os desafios do professor-pesquisador, esteve o próprio acesso ao espaço escolar. Segundo ele, a escola pública militarizada é “um espaço que nem sempre é fácil conseguir investigar”. Na primeira tentativa, a burocracia apresentada pelo gestor militar emperrou o processo de pesquisa. Foi necessário trocar de unidade escolar para que o estudo pudesse ser realizado.

Nas entrevistas e nos processos de observação, professor Afrânio constatou que o militar tem visão hierarquizada, verticalizada de gestão. “Há uma visão gerencialista da parte deles. Dessa forma, se enfatiza a disciplina por meio dessa relação verticalizada de gestão”, conta, e comenta: “o estudante não aperta a mão do militar, ele bate continência”.

Segundo ele, durante o processo de pesquisa, ainda foi possível observar que, quando o tema é disciplina, “há um código elaborado de comunicação”, e “o comportamento do quartel é transferido para o ambiente escolar”. Professor Afrânio diz que comandos como “sentido”, “sentado” e “descansar” já foram absorvidos pelos estudantes.

Dessa forma, a pesquisa do professor Afrânio diagnostica que a “militarização rompe, tira da gestão pedagógica a questão disciplinar”. “Não há mais a possibilidade de construir junto normas, de pactuar e de, inclusive, utilizar as situações de indisciplina no interior da escola para, dentro de um processo democrático e educativo, levar o estudante a refletir sobre sua atitude. A militarização rompe, fragmenta a gestão democrática”, conclui.

O pesquisador explica que “a disciplina não está separada da dimensão pedagógica”. “Nós, educadores, entendemos que é necessário pactuar a disciplina com os estudantes. São os chamados ‘combinados’. Temos que pactuar com os sujeitos que estão no processo educativo o que pode e o que não pode. É algo construído junto, como parte de um processo formativo, democrático; um processo de escuta, e que leva à participação de todos os atores”, reflete.

“Entendemos que o processo de formação humana é muito mais amplo e complexo. Ele leva à criticidade, a entender o ser humano como um ser social, único, com suas complexidades e individualidades, que devem ser respeitadas e promovidas no processo de formação”, analisa o professor Afrânio Barros.

A pesquisa do docente, intitulada “Militarização de uma escola pública do DF e seus desdobramentos na gestão democrática”, será defendida nesta quinta-feira (15/12), às 14h, na Sala de Atos da Faculdade de Educação da UnB. A apresentação poderá ser acompanhada também virtualmente, pelo endereço http://conferenciaweb.rnp.br/webconf/sala-de-reuniao-01-do-nte, senha: 8e80f1cc.