Pesquisa mostra que Brasil falha na recuperação da aprendizagem após Covid-19

Um estudo da Universidade de Stanford revela que o Brasil está ficando para trás na recomposição da aprendizagem perdida durante a pandemia da Covid-19. Entre os desafios apontados pelas redes de ensino do país para o planejamento e a implementação de estratégias de recomposição/recuperação da aprendizagem está, principalmente, a falta de condições logísticas e de infraestrutura. Isso inclui dificuldades de transporte escolar dos(as) estudantes e alimentação para a realização de atividades presenciais no contraturno, e falta de conectividade para realizar essas atividades remotas. Outros desafios de planejamento incluem a participação das famílias e a motivação de estudantes e professores(as).

Segundo o estudo, o Brasil não está seguindo várias das melhores práticas internacionais para recompor o que foi perdido durante a crise sanitária, exemplo de programas de tutoria ou que levem em conta o processo socioemocional do(a) aluno(a), e pode ficar ainda atrás até mesmo de seus pares. De acordo com o levantamento, temas urgentes como alfabetização de crianças mais velhas e evasão escolar não estão sendo pensados de maneira coordenada em nível nacional.

O Brasil foi um dos países que passaram mais tempo com escolas fechadas devido à pandemia e dados de proficiência do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2021, comparados aos de 2019, mostram que o retrocesso foi tão grande em língua portuguesa e em matemática a ponto de o progresso obtido nos últimos anos ter sido totalmente eliminado durante o período de ensino remoto. Relatório divulgado por agências da ONU (Organização das Nações Unidas) e pela Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) revelaram que 5,5 milhões de crianças e adolescentes tiveram o direito à educação negado em 2020 no Brasil por causa da crise sanitária.

Durante todo período de pandemia e no pós-Covid o Sinpro-DF denunciou uma série de problemas enfrentados por estudantes, professores(as), orientadores(as) educacionais e pela comunidade escolar, que vão desde a falta de equipamentos em casa ou de acesso à internet, à falta de energia para o estudo virtual. Todas estas barreiras dificultaram ainda mais o processo de recuperação da aprendizagem, mesmo diante de toda reivindicação e luta do sindicato junto ao Governo do Distrito Federal e do então governo Bolsonaro.

Em reportagem publicada nesta quinta-feira (03) o jornal Valor Econômico ressalta que o Brasil ignora boas práticas de ensino para repor perdas após Covid-19. Confira abaixo a matéria na íntegra:

 

Brasil ignora boas práticas de ensino para repor perdas após covid-19

 

A falta de priorização e coordenação de políticas educacionais voltadas para a recomposição da aprendizagem perdida durante a pandemia está deixando o Brasil para trás, com potencial de comprometer oportunidades educacionais de toda uma geração impactada pela covid-19, segundo estudo da Universidade de Stanford.

A pesquisa mostra que o Brasil não está seguindo várias das melhores práticas internacionais para recompor o que foi perdido durante a crise sanitária, como programas de tutoria ou que levem em conta o processo socioemocional do aluno, e pode ficar ainda atrás até mesmo de seus pares.

De acordo com o levantamento, temas urgentes pós-pandemia, como alfabetização de crianças mais velhas e evasão escolar, não estão sendo pensados de maneira coordenada em nível nacional.

O estudo “Policy Review: Melhores práticas para recompor aprendizagens”, do Lemann Center da Stanford Graduate School of Education, lembra que o Brasil foi um dos países que passaram mais tempo com escolas fechadas devido à pandemia e que dados de proficiência do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2021, comparados aos de 2019, mostram que o retrocesso foi tão grande em língua portuguesa e em matemática a ponto de o progresso obtido nos últimos anos ter “sido totalmente eliminado durante o período de ensino remoto”.

A pesquisa utiliza dados dos últimos anos dos ensinos fundamental e médio no Estado de São Paulo para mostrar que o ensino remoto foi responsável por perda de aprendizagem de 60% em língua portuguesa e 80% em matemática, na comparação com o que os alunos teriam aprendido com aulas presenciais.

Na Alemanha esse percentual chegou a 45% em matemática e leitura no ensino médio, na China e nos EUA a 55%, na Colômbia, 60%, e na Coreia do Sul, 10%. “Diante dos índices alarmantes de proficiência que já eram observados antes da pandemia e que se tornaram ainda mais dramáticos depois dela, as escolas responderam de forma muito heterogênea, em muitos casos sem orientações detalhadas das secretarias estaduais e na completa ausência do Ministério da Educação”, afirma o estudo de autoria de Guilherme Lichand e Carlos Alberto Doria, com assistência da pesquisadora Junia Neves.

Os pesquisadores usam também dados do suplemento do censo escolar de 2021 para ter ideia aproximada das ações adotadas pelas escolas de cada rede, como aulas de reforço e expansão do ensino em tempo integral, que acabaram deixando de fora medidas relevantes como tutoria intensiva e comunicação com alunos e familiares.

O estudo compila algumas das iniciativas isoladas implementadas por cada Estado, como o Pacto pela Aprendizagem no Ceará, a ampliação do Alfabetizar pra Valer em Sergipe, o Plano de Recomposição das Aprendizagens em Minas Gerais, a regulamentação do Índice de Desenvolvimento da Aprendizagem de Mato Grosso do Sul, a complementação do programa gaúcho Avaliar é Tri com o Aprende Mais, e o Programa Emergencial de Educação Pós-Pandemia, do Serviço Social da Indústria de São Paulo (Sesi-SP) aliado à consolidação da alfabetização de alunos até o 5º ano e ao aprimoramento de proficiência em português e matemática para professores.

A conclusão da pesquisa, finalizada em julho, é que “cada Estado adotou estratégias e programas de acordo o que foi considerado prioridade e sujeito às restrições de recursos humanos e financeiros”. “A grande variação entre modelos sugere falta de clareza sobre melhores práticas, bem como a falta de coordenação nacional para adoção em escala das políticas com maior chance de garantir o sucesso das ações de recomposição”.

O estudo constata que há enorme heterogeneidade entre os programas e ações para recomposição adotados por Estados e municípios, deixando de fora estratégias efetivas de recomposição. A principal mensagem é que o sucesso da recomposição das aprendizagens depende da combinação de priorização curricular, material didático alinhado, formação de professores, avaliações frequentes e acompanhamento pedagógico.

Grandes desafios do cenário atual, como garantir aprendizagem em turmas heterogêneas, alfabetizar crianças fora da idade certa, desenhar programas de tutoria efetivos e lidar com crianças que perderam o vínculo com a escola exigem ampla discussão e liderança do Ministério da Educação e secretarias de Educação. “Parece que todo mundo quer deixar a pandemia para trás, até seus legados malditos. Não vemos nenhuma secretaria estadual ou municipal falando recorrentemente de recuperar o que foi perdido”, afirma Lichand. “De maneira generalizada, a pandemia ampliou a defasagem escolar e deixou o vínculo com a escola enfraquecido.”

O especialista observa que, antes da pandemia, apenas cerca de 30% dos alunos concluíam o ensino médio com proficiência mínima em língua portuguesa e cerca de 5% em matemática. A evasão, por sua vez, era de cerca de 10% entre o fim do fundamental e o começo do médio, chegando a 17% dentre alunos com dois ou mais anos de atraso na idade escolar. Esses dois fenômenos, de defasagem elevada e desengajamento com a escola, foram aprofundados durante a pandemia, diz.

Durante a crise sanitária, lembra a pesquisa, alguns países centraram esforços em um ensino on-line de maior qualidade, com avaliação externa ou capacitação de professores, mais investimentos em tecnologia, programas de tutoria, aulas de verão, telementoria e estratégias de comunicação socioemocional para acolher alunos e familiares. “Embora nem todas as intervenções tenham sido avaliadas de forma rigorosa, os estudos disponíveis sugerem que essas estratégias mitigaram parcialmente os efeitos da pandemia sobre perdas de aprendizagem”, afirma.

No pós-pandemia, medidas como aumentar a carga horária e ajustar o currículo se somaram a políticas como tutoria intensiva, com duração de 30 a 45 minutos, três a cinco vezes por semana. Um deles, o Teaching at the Right Level (TaRL), de ampliação da carga horária, foi implementado em mais de cem escolas municipais brasileiras. Contudo, alerta o estudo, não se trata de uma ação para a rede inteira, mas focada nos alunos que mais precisam.

“Não é que ninguém esteja fazendo [as melhores práticas internacionais], mas estamos falando de uma falta de coordenação nacional de um esforço para recompor aprendizagens”, diz Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). “O MEC ter se mostrado ausente [no período anterior a 2023] foi muito danoso para aprendizagem. O Brasil ficou cerca de dois anos com escolas parcialmente ou totalmente fechadas, então o esforço para repor [o que foi perdido] foi insuficiente.”

Na avaliação de Costin, a gestão que assumiu o MEC no início do ano deu dois passos importantes para recuperar o que foi perdido: o programa Criança Alfabetizada e o Escola em Tempo Integral. “Ter essa escola em tempo integral pode nos [ajudar] a endereçar esse grave problema de recomposição”, diz. “Mas é preciso colocar esse problema como urgente e prioritário na agenda. Alguns governos estaduais estão ajudando seus municípios, mas ainda falta.”

Ivan Gontijo, gerente de políticas educacionais do Todos Pela Educação, argumenta que a pandemia deixou um legado de quatro grandes problemas na educação: aprofundou lacunas de aprendizagem, aumentou desigualdades, uma vez que os mais vulneráveis não tinham acesso ao ensino remoto, impactou negativamente a saúde mental de estudantes e professores, e fez crescer o risco de abandono e evasão.

Nesse cenário, avalia, as iniciativas do MEC para mitigar esses efeitos e recuperar o que foi perdido ficaram aquém do necessário. “A estratégia de recomposição foi muito tímida no Brasil, voltada para os anos de retomada das aulas. Tanto o MEC quanto as redes de ensino falam pouco sobre recomposição de aprendizagem, quando evidências mostram que para se recompor o que foi perdido são necessários anos de esforços”, diz Gontijo. “Alguns países têm colocado isso como prioritário em suas políticas educacionais, mas no caso brasileiro as estratégias foram dispersas, frágeis e limitadas.” O foco deveria se estender e englobar 2023 e também os próximos anos.

Fonte: Valor Econômico

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