PEC 32/2020 e a aposentadoria dos servidores

A PEC 32/2020 que trata da Reforma Administrativa altera, entre outras coisas, as formas de contratação de trabalhadores para executar os serviços públicos; abre espaço para a sua privatização; enfraquece a estabilidade do servidor e, com isso, trará impactos para os servidores já aposentados e para aqueles que ainda irão se aposentar.

Os servidores aposentados serão impactados pela Reforma Administrativa. Aqueles que se aposentaram com benefício vinculado ao valor da ativa enfrentarão dificuldades para obterem reajustes diante da possibilidade de extinção de seus cargos e da substituição dos cargos efetivos por formas atípicas de contratação[1] (que podem, inclusive, ser precárias). A eventual preponderância desses tipos de contratação pode levar a um desequilíbrio nas contribuições entre ativos e inativos, o que pode criar dificuldades para o sistema de previdência honrar o pagamento das aposentadorias e pensões, além de implicar em possível aumento nas contribuições previdenciárias, permitido pela reforma da previdência de 2019.

Para os servidores da ativa, a proposta apresentada pelo governo Bolsonaro – cujo núcleo foi mantido no substitutivo aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados – insere mecanismos distorcidos, que podem impactar na progressão e promoção do servidor e consequentemente no valor do benefício; e amplia as possibilidades para a perda do cargo, o que pode dificultar e/ou impossibilitar a sua aposentadoria pelo regime de previdência do servidor.

 

 

SERVIDORES APOSENTADOS

 

Parâmetros para reajuste

Os servidores públicos que ingressaram até o ano de 2003, possuem direito à aposentadoria com integralidade e paridade, o que significa que ao se aposentarem recebem como valor do

benefício o mesmo valor da sua última remuneração (integralidade) e têm seus reajustes vinculados aos servidores da ativa (paridade).

O problema é que a PEC 32 estabelece novas formas de contratação para a execução dos serviços públicos para a maioria[1] das carreiras/cargos via Instrumentos de Cooperação e Contrato por Tempo Determinado.

Essas formas de contratação podem fazer com que o concurso público se torne exceção o que, a médio e longo prazo, vai fragilizar a maioria dos cargos na administração pública. Com isso o movimento sindical perde força de mobilização para realizar as campanhas salariais e as negociações coletivas, o que resulta em maior dificuldade para a obtenção de reajustes para os servidores da ativa e, consequentemente, para os aposentados com direito à paridade.

Além disso, a inserção no texto substitutivo da PEC 32/2020 da possibilidade de perda do cargo por extinção em razão do reconhecimento de que se tornou desnecessário ou obsoleto faz com que não exista mais a carreira/cargo e, consequentemente, pode fazer com que não haja servidores na ativa para basear qualquer tipo de reajuste salarial para os inativos.

 

Regime de repartição simples

Mesmo com a Reforma da Previdência (EC 103/2019), foi mantido o regime de repartição simples (pacto de gerações) para o financiamento dos regimes previdenciários, ou seja, a contribuição previdenciária dos servidores ativos financia os pagamentos dos atuais aposentados e pensionistas.

Como já destacado anteriormente, a possibilidade da ampliação da contratação temporária e/ou instrumentos de cooperação para a execução dos serviços, diminuirá os concursos e consequentemente o ingresso de ativos nos Regimes Próprios de Previdência Social.

Essas novas formas de contratação podem impactar o sistema de financiamento colocando em risco o pagamento das atuais aposentadorias. Além disso, a EC 103/2019 vincula a possibilidade de déficit a uma série de medidas que impactarão na contribuição dos aposentados: a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá[2] incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo. Para a União no caso dessa medida ser insuficiente para equacionar o déficit atuarial, é facultada a instituição de contribuição extraordinária em conjunto com outras medidas para equacionamento do déficit, o que pode servir de parâmetro para que estados e municípios adotem a mesma contribuição.

SERVIDORES DA ATIVA

 

Impactos no valor do benefício previdenciário

Desde o início do debate sobre a Reforma Administrativa, a posição do governo Bolsonaro é dificultar a ascensão dos servidores nas suas respectivas carreiras. No texto original da PEC uma dessas tentativas estava presente no vínculo de experiência, que inseriria o contrato por no mínimo um ou dois anos (a depender do cargo) executando os serviços públicos ainda sem aprovação no concurso. O efeito disso, é que aqueles que viessem a ingressar no serviço público poderiam ficar trabalhando vários anos sem o ingresso oficial na carreira e, consequentemente, sem contar esse tempo para critérios de progressão/promoção.

Apesar do substitutivo da PEC ter retirado esse tipo de vínculo com a administração pública, manteve pontos e inseriu outros que ainda reforçam a tentativa de restringir os critérios para a evolução na carreira.

Entre os pontos mantidos estão a vedação à concessão de progressão ou promoção baseadas exclusivamente em tempo de serviço aos ocupantes[1] de cargos e aos titulares de empregos ou de funções públicas da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O problema principal dessa medida é que os servidores públicos, de maneira geral, estão com dificuldades em negociar reajustes devido às restrições impostas pela LC 173/2020[2] e/ou pelo Regime de Recuperação Fiscal[3], além do que as únicas alterações nos seus vencimentos se deram nos anos passados por meio das modificações nas tabelas salariais vinculadas justamente ao tempo de serviço.

Além disso, o texto do substitutivo aprovado na Comissão Especial estabelece que é competência privativa da União legislar sobre normas gerais que tratem de progressão e promoção funcionais, o que pode trazer modificações nos planos de carreira dos servidores de maneira geral (incluindo estados e municípios) inserindo a lógica do governo Bolsonaro de dificultar a ascensão dos servidores.

Novo ponto inserido que também impacta na ascensão nas carreiras públicas é que a avaliação de desempenho obrigatória também será critério para fins de promoção ou progressão na carreira. Da forma como está prevista no substitutivo – sem regras claras e objetivas, até o momento, sobre como se dará esse processo – essa avaliação pode criar dificuldades para alguns servidores públicos, isso porque a participação do cidadão, por exemplo, pode não considerar a estrutura oferecida para a prestação dos serviços, como também, criar discrepâncias para alguns servidores que atuam diretamente na linha de frente do atendimento ao público, comparado com aqueles servidores que não realizam o atendimento direto. 

Deve-se considerar, também, a constitucionalização da possibilidade de redução de até 25% da jornada de trabalho com a redução proporcional da remuneração, o que pode impactar no valor da sua contribuição previdenciária e, consequentemente, no cálculo do valor do seu benefício.

 

Perda do cargo e dificuldade/impossibilidade de se aposentar

Outro aspecto fundamental que pode impactar na aposentadoria dos atuais servidores é a ampliação das possibilidades para a perda do cargo. São mudanças sensíveis no texto constitucional que afetam a permanência do servidor e, consequentemente, a sua vida laboral até obter os requisitos para a aposentadoria.

A primeira alteração é a inserção da possibilidade da perda do cargo por decisão judicial colegiada, ou seja, sem todas as possibilidades de recurso. Essa mudança significa que os servidores perderão acesso às instâncias recursais na justiça, o que inviabilizará a reversão de decisões incorretas das instâncias inferiores, fazendo com que possa haver perda de cargos de forma injusta.

Há também a retirada do texto constitucional do dispositivo que prevê a regulamentação da avaliação de desempenho por Lei Complementar.  O novo texto prevê a perda do cargo em decorrência de avaliação de desempenho insuficiente considerando a competência privativa da União para legislar sobre o tema.

Caso o cargo seja considerado desnecessário ou obsoleto, o futuro[1] servidor estável perderá o seu cargo, tendo direito à indenização de um mês de remuneração para cada ano de serviço. Por fim também poderá perder o cargo caso os limites de despesas com pessoal previstos na LRF sejam ultrapassados e outras medidas[2] não forem suficientes.

Em todos os casos a facilitação da perda do cargo resultará na maior dificuldade, ou mesmo na impossibilidade de que o servidor consiga se aposentar, pois haverá uma ruptura na relação de trabalho desses servidores.

Para facilitar o entendimento das mudanças previstas segue o texto constitucional vigente e sua comparação com as alterações da PEC.

Quadro 1 – Comparativo entre as normas vigentes e o texto do Substitutivo à Proposta de Emenda Constitucional 32/2020

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A PEC 32/2020, se aprovada, impactará os servidores que já estão aposentados, os atuais servidores da ativa e, também, aqueles que ingressarem futuramente no serviço público. Em resumo, os servidores aposentados que possuem paridade dos rendimentos serão prejudicados com a perda do poder de barganha dos sindicatos em negociações coletivas oriunda das novas formas de contratação no serviço público. A vedação à concessão de progressão ou promoção baseadas exclusivamente em tempo de serviço reduzirá o valor das aposentadorias futuras. As novas formas de contratação poderão desproteger os futuros ingressantes no serviço público no que se refere à possibilidade de aposentadoria. A ampliação de perda do cargo por meio de decisão colegiada, da avaliação de desempenho sem critérios objetivos, da extinção de cargos e do atingimento do limite de despesa de pessoal estabelecido pela LRF resultará na impossibilidade de que o servidor consiga se aposentar.

É preciso que todo o conjunto de servidores – ativos e aposentados – entenda que a reforma administrativa, além de alterar suas carreiras, o dia a dia do trabalho, suas chances de reivindicar melhorias salariais, irá também, influenciar nas condições das suas aposentadorias. Assim como foi com a Reforma da Previdência, essas alterações na Constituição são um ataque a toda classe trabalhadora.

Artigo elaborado por Ana Paula Mondadore, Carolina Gagliano, Tamara Siemann Lopes e Thiago Rodarte – Técnicos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)