Parem de falar de Paulo Freire!!!

Por Vânia Rego[1]

Nesses tempos em que muitos se consideram aptos a falar de tudo e sobre todos, tem sido comum ler impropérios sobre Paulo Reglus Neves Freire.

Falam mal por terem lido a obra e conhecerem a vida dele e por isso discordam do seu pensamento ou postura, enquanto estava entre nós? Não!

Ah! Vale lembrar que ele já faleceu, pois em uma audiência pública da Câmara Legislativa, na qual eu era convidada para o debate, uma senhora disse-me, no chat, que se ele gostasse do Brasil, não estaria morando na Suíça. Enfim… só para que tenham ideia do nível de desconhecimento.

Posso arriscar que a grande, mas grande maioria dos “antiFreire” nunca chegou a ler a orelha de um livro dele ou se deteve a explorar sua biografia. São os intelectuais de redes sociais.

E é para eles que peço: PAREM DE FALAR DE PAULO FREIRE!

É feio falar de quem não conhecemos e reproduzir impressões falsas, rasas, ignorantes. Quando se é professor ou se pretende ser, mais ainda. Denota falta de conhecimento e já vou explicando os motivos:

Paulo Freire não desenvolveu um método de escolarização para toda educação. Paulo Freire desenvolveu um método para alfabetização de jovens, adultos e idosos. E também não é esse o único motivo de ele ter sido alçado a Patrono da Educação Brasileira ou ser mundialmente reconhecido.

Paulo Freire não levou o Brasil a ter os piores resultados em educação – quem fala isso não sabe a partir de quando está falando e nunca abriu nem os indicadores da Educação Básica, que tiveram seus primeiros resultados divulgados de 2005 para cá. Caso tenham curiosidade verão até que progredimos muito em Língua Portuguesa e Matemática em tais indicadores. Sugiro uma pesquisa rápida na página do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) acerca do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)  para Anos Iniciais do Ensino e Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. [2]

Paulo Freire não é atacado pela direita ou esquerda que conhece sua obra. Os que o atacam fazem parte daquela mistura de extrema direita fundamentalista religiosa com a turma do fundão da quinta série, que ficava esperando a cola e zoando de quem gostava de ler ou estudar. Acho que dá para entender…

Então, por qual motivo esse pernambucano, de Jaboatão dos Guararapes, que nasceu em 19 de setembro de 1921 é tão comentado e continua a viver e pulsar em tanta gente?

Freire foi alguém que abordou questões preciosas para quem compreende a educação como direito e, não, como privilégio de poucos; para aqueles que o ato de educar é ação emancipadora e transformadora de indivíduos do mundo do qual fazem parte.  Ele nos instiga a pensar acerca da educação como ação problematizadora; da necessidade de negar a concepção bancária da educação; do caráter dialógico entre os sujeitos educativos; da impossibilidade de uma educação pautada numa neutralidade política; de como oprimidos e opressores necessitam se libertar – o oprimido da opressão e da reprodução dela e os opressores da opressão que praticam, a fim de que o mundo possa ser o grande espaço de existência digna. E nos traz a grande tríade de que a educação cumpre seu papel por meio da CONSCIENTIZAÇÃO, que ocorre na AÇÃO DIALÓGICA e gera TRANSFORMAÇÃO.

Ao contrário do que muitos pensam, a formação de Paulo Freire é ampla e seu pensamento tem uma base muito sólida no Existencialismo de Martin Heidegger, na Fenomenologia de Edmundo Husserl, no Personalismo Cristão de Pierre Furter e São Gregório de Nissa, além de Camilo Torres, no Hegelianismo, de Hegel e no Materialismo Histórico, de Karl Marx.

Lembro-me de que quando o conheci pessoalmente, em 1996, ele nos dizia que sempre houve muita “implicância” com o que ele escrevia e falava, pois os comunistas implicavam que ele era muito cristão e os cristãos, que ele era muito comunista. Mas de uma coisa tive certeza no encontro com ele: levava os princípios cristãos “ao pé da letra”, defendendo que o pão precisa ser dividido (entenda-se por pão, tudo o que qualifica a vida, a existência). Por isso educação era, para ele, direito!

Paulo Freire foi fonte inspiradora e bebeu na fonte de vários intelectuais de muitas partes do mundo, ao longo da sua trajetória acadêmica e de militante da educação libertadora e emancipadora.

Freire não é um teórico apenas. Foi para a prática quando coordenou a Campanha Nacional de Alfabetização, antes do golpe militar de 1964 instaurar a ditadura no Brasil. Contribuiu para o processo de alfabetização de vários países, entre eles, o Chile, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe e outros tantos em processo de libertação da condição de colonizado.

Foi capaz de inspirar movimentos sociais, estudantes, acadêmicos, religiosos, sindicalistas, intelectuais a se interessarem pela causa da alfabetização do nosso povo e da educação, toda ela, como vetor de desenvolvimento humano, social e econômico.

Seus livros são lidos em várias línguas e em várias partes do mundo, nas diversas áreas das ciências sociais, não por preguiçosos do pensar, mas por esperançosos de que é possível educar de forma a contribuir para a construção de um mundo melhor.

Eu li toda a obra dele e não pretendo aqui, resenhá-la ou escrever um artigo acadêmico sobre ela. Mas é deprimente ver os famosos intelectuais de redes sociais ridicularizarem frases soltas de sua bibliografia. Entendo que são os mesmos que pegam versículos aleatórios do Antigo Testamento, sem contexto, para apregoar o ódio e o preconceito. Fazem parte do mesmo caldeirão que tem bestializado qualquer possibilidade de diálogo fundamentado.

É no encantamento pelos saberes constituídos pela humanidade e na rigorosidade metódica/metodológica, que seguidores do pensamento freireano não se cansam de estudar e lutar por uma educação de qualidade social. Não nos furtamos ao debate, mas não podemos fazê-lo com quem, sequer, tem capacidade argumentativa.

Nesse sentido, peço encarecidamente: querem falar de Paulo Freire, ao menos LEIAM-NO!

Caso contrário, PAREM DE FALAR DE PAULO FREIRE!

 


[1] Vânia Rego é mestra em Educação pela UnB; professora aposentada da SEEDF; sócia-fundadora do Centro de Educação Paulo Freire de Ceilândia -CEPAFRE.

 

[2] Verão que com os investimentos que tivemos ao longo dos governos Lula e Dilma, avançamos bastante, o que pode retroceder com todo o desmonte que estamos acompanhando no momento, em função de cortes e abandono de programas educacionais importantes para o desenvolvimento do nosso país. Poderemos até fazer um apanhado dessas políticas públicas em outro momento.