Pais fazem campanha para que escola particular do DF adote livro sobre diversidade

Uma escola particular do Distrito Federal deixará de adotar uma obra infantil que trata sobre as diferentes configurações da família no ano que vem. A mudança causou a reação de alguns pais, que começaram um movimento nas redes sociais para que a escola volte atrás e mantenha o livro na lista de 2016.
A autora, Gisele Gama Andrade, explica que já escrevia sobre educação quando começou a desenvolver obras para crianças. “Decidi escrever os livros infantis por acaso, porque adotei uma criança de um ano e sete meses e ela começou a demonstrar que, na escola, havia algumas questões de inclusão que mereciam ser vistas”, relata. Ela criou, então, a personagem Sara mesmo nome de sua filha adotiva , que dá voz a várias questões sobre cidadania. Ao todo, são 17 títulos publicados.
A polêmica começou este ano, quando o colégio Maristinha passou a adotar um dos livros da coleção Sara e sua turma, A família de Sara, que trata das diversas composições das famílias: com apenas um pai ou uma mãe, ou com dois pais e duas mães etc. “O livro foi escrito pelo fato de a Sara não ter pai. Eu a adotei sozinha, depois de divorciada, e todo ano ela tinha sintomas físicos de mal estar na festa do Dia dos Pais, independentemente da escola em que ela estudava”, diz.

Arquivo pessoal

“É um livrinho que fala sobre uma criança que tem sentimento de tristeza numa semana que devia ser festiva”, explica Gisele. Sara chorava e contava que os coleguinhas riam dela pelo fato de ela não ter um pai. No livro, a solução dada ao problema é realizar na escola a festa do amor, ou seja, em homenagem a qualquer pessoa que exerça o papel de cuidado na vida da criança, independentemente de ser pai, mãe, avó, tio ou até um professor. “Eu não estou discutindo o que a escola pensa sobre essa família. Estou discutindo que a criança precisa ser olhada na sua essência”, avalia a autora.
Em abril, o pai de um dos alunos contestou a adoção do livro por parte da escola, dizendo, segundo Gisele, que a obra descontrói a noção de família. O Maristinha manteve a posição e não deixou de adotar o livro. No entanto, a obra foi tirada da relação de livros de 2016, o que provocou uma reação contrária dos pais dos outros alunos: eles pedem que a obra continue a ser usado em sala de aula e alguns até criaram uma campanha a favor de A família de Sara nas redes sociais (leia depoimento abaixo).
A hashtag #VoltaSara é usada em redes sociais por pais de alunos e por outros apoiadores como tentativa de estimular a escola a manter o livro no ano que vem. A própria Sara, filha de Gisele, que hoje tem 15 anos e estuda em outra escola da rede Marista, gravou um vídeo em apoio à obra (assista abaixo).
A autora disponibilizou a obra completa no blog www.saraesuaturma.com, para acesso gratuito. Para ela, o debate em torno da adoção do livro abre a possibilidade de uma discussão maior sobre como as escolas tratam os diversos tipos de família. “A escola deve levar para dentro dos espaços dela todo o tipo de discussão que acontece no mundo. Cabe à família construir os valores a partir disso”, opina.
O colégio Maristinha informou que o livro foi adotado nas turmas do 2º ano e que, no início do segundo semestre, algumas famílias procuraram a escola para debater o conteúdo do livro. A escola esclareceu que, anualmente, a lista de livros paradidáticos é alterada, tendo em vista o grande número de lançamentos do mercado. Especificamente nas turmas do 2º ano, que utilizaram o livro em 2015, mais da metade dos livros serão substituídos. Ainda segundo a escola, o livro é mais um instrumento de suporte e a não adoção dele não significa que o tema deixará de ser abordado.
Confira a íntegra do depoimento de Patricia Lino, um das mães que apoia a adoção do livro, publicado em uma rede social:
“O Marista, em sintonia com ensinamentos que aprendemos de Cristo e com o chamado do Papa Francisco de que haja amor entre as pessoas, seja na família, na convivência em sociedade, no respeito ao próximo, incluiu em sua lista para o ano letivo “A Família de Sara”, que trabalha a questão das famílias no entendimento do que de fato existe na sociedade. Alguns pais reagiram à iniciativa porque entendem que existe um modelo de família admitido, e somente ele deve ser ensinado. Infelizmente, o Marista recuou na proposta pedagógica e retirou o livro da lista.

Assim como todos devemos respeitar a liberdade religiosa e as escolhas por determinada convicção ou fé, temos, também, a laicidade do Estado, que oferece garantias de liberdade e além de religião, de filosofias, de opiniões. O fundamental é que somos uma sociedade que busca a paz e que as pessoas possam conviver em igualdade. A cultura da paz, da igualdade, do respeito ao próximo pode ser chamada de utopia. Tomo, então, emprestadas as palavras de Eduardo Galeano: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” A escola tem o compromisso de fazer nossos filhos caminharem. Tem o propósito de deixar para eles a mensagem maior, o legado maior que poderíamos dar a eles: amor. Quem ama, respeita. Quem ama, protege. Quem ama, constrói. Quem ama, faz do mundo um lugar melhor. Dentre tantos educadores que poderia citar escolho Paulo Freire, cujo ensinamento maior é que educação é para conscientizar o aluno. Compreende a alegria de aprender e a capacidade de desenvolvimento por conhecimentos, por percepções e pela própria sensibilidade. Destaca o pensamento crítico. A família não está e nem nunca esteve ameaçada. Sempre existiu e existirá. Ela é a base de tudo, e lamento saber que o Marista não acolhe todas as famílias. À direção da escola e à coordenação pedagógica reitero meu interesse de que meus filhos aprendam a conviver em sociedade, edificando, construindo um Brasil mais justo e que respeite diferenças, quaisquer que sejam. Mais amor, menos violência. Mais amor, mais respeito por todos!

#‎voltasara”
(Do Correio Braziliense)