O Pai-Nosso na escola pública: pode ou não pode?

Por Simão de Miranda (*)

Afinal, pode-se ou não rezar o pai-nosso com as crianças na escola?

Eu poderia responder sem rodeios: Não! Nunquinha! Nem pensar! Pai-nosso e nenhum outro culto.

Mas aí, poderiam redarguir:

– Ora, mas o pai-nosso é oração universal!

Pois bem, responderei de forma cordial, gentil e amorosa, convidando a você professora, professor a pensarmos juntos dois pontos fulcrais:

1º ponto: A escola pública é laica porque o estado é laico! A escola pública é aparelho do estado. A laicidade está garantida na Constituição Federal, pelo menos em dois lugares: no inciso VI do artigo 5º que estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença e no artigo 18 que determina que toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. O laicismo é uma doutrina indicadora de que a religião não pode influenciar o Estado. Esta separação entre Igreja e Estado se potencializou com a Revolução Francesa (1789 – 1799). No estado laico não se apoia, nem se discrimina nenhuma religião. A laicidade do estado brasileiro está garantida desde a Constituição Federal de 1891. Você sabia que a palavra “laico”, sinônimo de “leigo”, origina-se do grego laos e refere-se a povo em sua totalidade, à população, sem exceção?

– Ora, querido professor Simão, a introdução da Constituição de 1988 invoca Deus!

– É verdade, amada professora, apreciado professor! O preâmbulo da Constituição de 1988 invoca Deus, mas não nos outorga o direito de rezar o pai nosso na escola. Vamos ver o que está escrito? Está assim “promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa Do Brasil”. Juristas já pacificaram esta discussão por pelo menos duas teses:

1ª tese: o texto do preâmbulo se situa na área política, e não na jurídica da carta magna;

2ª tese: o preâmbulo não possui força normativa. O STF já ratificou que este caso não afeta a laicidade do Estado brasileiro, não quer dizer de forma alguma que o Brasil é teísta. Significa que oficialmente se reconhece um ser superior de todas as religiões ou de repente de nenhuma.

Portanto, gente querida da educação, na sua individualidade, você tem todo o direito, inclusive constitucional, a professar sua fé em qualquer lugar. Mas não de promovê-la coletivamente no espaço da escola, e muito menos se valer de sua posição hierárquica enquanto professor(a), gestor(a), para impor sua fé pessoal aos estudantes. O estado não pode promover religião e você está a serviço do estado.

2º ponto: o pai nosso não é oração universal nem dentro do cristianismo, enquanto prece.

Ou seja, estimadíssimos colegas da educação pública, envolver os estudantes em qualquer culto religiosos no espaço público escolar, além de afronta à legislação, é ofensa inadmissível aos não praticantes daquele culto.

O fato de sermos um país majoritariamente cristão, não nos autoriza a desrespeitarmos estudantes de famílias não-cristas, como as praticantes de credos de matrizes africanas, ateus ou agnósticos. Insistir nesta prática é uma via de acesso para o racismo religioso. Esta prática intimidatória, abusiva, ilegal e desrespeitosa, alimenta as exclusões tão duramente combatidas pela sociedade. Nenhum agente educativo pode impor sua fé pessoal, isso é vilipendiar a liberdade de credo dos demais.

Então, minha gente, embora a escola tenha herdado lá dos seus primórdios os princípios da fé cristã na chegada dos jesuítas e nos planos de estudos da Cia de Jesus, elaborados por santo Inácio de Loyola e, ainda mais, tendo Cabral mandado rezar logo uma missa assim que pisou nas nossas terras, passa da hora e faz tempo que passa da hora de honrarmos nossos compromissos por uma sociedade justa e verdadeiramente inclusiva.

Concordo plenamente com a professora Roseli Fischman, autora do livro Estado Laico, Educação, Tolerância e Cidadania (São Paulo: Factash, 2012), “A escola é o primeiro contato da criança com o Estado e precisa garantir acolhimento e respeito, sem impor conteúdo de fé, seja ele qual for”.

A laicidade do estado e, portanto, da escola é condição inegociável para a cidadania. A escola pública conta conosco, profissionais da educação. Sigamos esperançando.

 

(*) Por Simão de Miranda, Pós-Doutor em Educação, professor e escritor.

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