O legado de Chico Mendes 30 anos depois de sua morte

Em 22 de dezembro de 1988, sete dias depois de completar 44 anos, o seringueiro e ativista ambiental Chico Mendes foi assassinado por um tiro de escopeta em frente à sua casa, na cidade de Xapuri, no Acre.
Naquele dia, o ativista estava acompanhado por dois policiais responsáveis por sua segurança — que, de dentro de casa, não conseguiram evitar o crime. Ameaçado meses antes, Mendes foi morto pelo fazendeiro Darly Alves da Silva e seu filho, que planejavam transformar numa grande propriedade o território que o ativista defendia. Nascido num seringal no Acre, Chico Mendes era seringueiro desde os 12 anos e, nos anos 1970, chamou a atenção de fazendeiros por sua atuação no sindicalismo e por liderar manifestações pela preservação da Amazônia — em um momento em que, a fim de se expandir a agropecuária, o desmatamento começava a avançar na floresta.
Quem foi Chico Mendes
Criado em família de seringueiros, Chico Mendes começou a trabalhar para substituir o pai no sustento da casa. Segundo relatos, ele era bom na lida com o látex das árvores e chegou a ser premiado o seringueiro mais produtivo no lugar onde vivia. Insatisfeito com as condições de trabalho — marcadas, segundo ele, pela exploração de grandes proprietários —, iniciou a vida sindical em 1975. Dois anos depois, fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri.
Em 1985, liderou o 1º Encontro Nacional de Seringueiros, no qual foi criado o Conselho Nacional dos Seringueiros, principal referência da categoria. Do encontro também saiu a ideia de “União dos Povos da Floresta”, que deveria unir interesses comuns de quem vivia na região amazônica.
Como sindicalista, Mendes passou a organizar manifestações de seringueiros para impedir o desmatamento, que afetava seus modos de vida. Uma de suas táticas de ação ficou conhecida como “empate”, forma de manifestação em que seringueiros se colocavam à frente de uma área a ser devastada. Como contraproposta, ele defendia a criação de reservas extrativistas, áreas protegidas e utilizadas de forma sustentável para o trabalho dos povos da floresta. Diz-se que Chico Mendes foi um dos precursores do ambientalismo no Brasil e da ideia de direitos socioambientais — que relacionam a proteção ambiental com o bem-estar da sociedade.
Em 1977, ele recebeu o Prêmio Global de Preservação Ambiental da ONU (Organização das Nações Unidas). Observado por ativistas e conhecido por sua liderança local, sobretudo por extrativistas, indígenas e outras populações da floresta, Mendes lançou-se à carreira política em 1977, quando foi eleito vereador em Xapuri pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Dois anos depois, usou o mandato para promover um foro de debate entre lideranças sindicais, populares e religiosas na câmara municipal. Foi acusado de subversão pela ditadura militar (1964-1985) e teve problemas no próprio partido, que não tinha em sua agenda a causa ambiental.
Em 1980, participou da fundação do PT (Partido dos Trabalhadores) e chegou a se candidatar a deputado duas vezes, mas não se elegeu. Depois, chegou a participar de debates da Assembleia Nacional Constituinte referentes ao meio ambiente, junto com outros militantes. Uma de suas companheiras na época foi a política e ex-ministra Marina Silva.A morte de Chico Mendes, cujos executores acreditavam ser “uma pessoa qualquer”, segundo uma testemunha do crime, lançou o nome do seringueiro ao conhecimento nacional. Seu ativismo foi incorporado por figuras públicas como Marina Silva e reconhecido com a popularização da agenda socioambiental, que viria décadas depois. Um de seus principais legados são a criação das reservas extrativistas e de outras categorias de Unidades de Conservação, territórios “com características naturais relevantes” de responsabilidade do poder público e administrados pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente fundada em 2007.
Atualmente, as UCs ocupam 18% do território brasileiro, e 73% de sua área está na floresta amazônica. Apesar de avanços, 30 depois da morte de Chico Mendes o Brasil não superou problemas como a violência contra ativistas ambientais e o caráter predatório do desmatamento, que, depois de quase dez anos de declínio, suprimiu 7.900 km² da floresta amazônica neste ano. O extrativismo também não tem sido a principal atividade econômica na Reserva Extrativista Chico Mendes, nos limites de Xapuri, onde a renda tem sido mais fácil com a criação de gado, segundo moradores disseram à Folha de S.Paulo. Para defensores do modelo, a ideia de Chico Mendes ainda é uma das melhores formas de proteger a floresta.
Fonte: Jornal Nexo