"O golpe das emendas e 2018", por Guilherme Boulos
Na quarta-feira 2, em sessão na qual a maioria da Câmara dos Deputados mais uma vez revelou seu descompasso com o Brasil, Michel Temer conseguiu engavetar a denúncia da Procuradoria-Geral da República e permanecer no cargo.
Sua principal tática foi apostar nas negociações de varejo com cada deputado e com as bancadas de interesse. Foram inúmeros jantares e reuniões para negociar cargos e mudanças na legislação ambiental, para atender, entre outros, aos ruralistas.
Governadores e prefeitos, que têm influência nas bancadas de suas regiões, foram atendidos com a liberação de recursos para obras paradas e com a sinalização de aumento dos royalties que recebem das atividades de mineração.
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Somente nas horas que antecederam a votação da denúncia na Comissão de Constituição e Justiça, o Palácio do Planalto autorizou o repasse de 11,7 bilhões de reais para apoio a obras municipais e estaduais. A operação central foi, no entanto, a liberação de emendas parlamentares aos deputados.
Milagrosamente, o dinheiro, até então escasso, apareceu. Entre junho e julho, foram liberados 4,1 bilhões de reais entre emendas pagas e empenhadas. Valor quase 40 vezes maior do que o total gasto até maio, antes do caso JBS, equivalente a 102,5 milhões.
O maior beneficiado foi o partido de Temer, o PMDB, o que revelou a necessidade de conter rebeliões domésticas. O autor do relatório que absolveu Temer, o deputado Paulo Abi-Ackel, do PSDB, conseguiu liberar 5,1 milhões de reais em emendas.
Enquanto Temer e sua equipe econômica saem a público a pregar a austeridade e a necessidade de cortes para “salvar a economia”, deixando à míngua os investimentos sociais no País, a enxurrada de verbas para as emendas parlamentares mostra que não há ajuste essencial quando o assunto é salvar a própria pele.
Pouco se fala, porém, que os interesses dos parlamentares e do próprio bloco de poder ligado ao governo Temer vão muito além da votação ocorrida na quarta 2. As volumosas emendas parlamentares têm impacto direto na sobrevivência política do grupo que tomou de assalto o comando do Brasil.
Ao receber alguns milhões, os deputados apoiadores de Temer não apenas garantem sua permanência na Presidência, mas saem na frente em relação à disputa eleitoral de 2018.
Os recursos das emendas parlamentares são revertidos em obras nas bases eleitorais, o que por si só garante maior visibilidade do deputado em sua região de origem. Em um cenário no qual há incertezas sobre o processo de financiamento eleitoral, isso pode ser decisivo para posicionar melhor um candidato na disputa.
Sem falar, é claro, na possibilidade de os recursos investidos em obras serem revertidos ao deputado “patrocinador” por meio de caixa 2 durante o período de campanha, mecanismo-padrão, como se sabe, das obras públicas nacionais.
Caso levemos em conta que a proposta de reforma política, em discussão na Câmara, ao que tudo indica, pode aprovar o chamado “distritão”, método pelo qual os deputados mais votados são eleitos por ordem sem levar em consideração a votação do partido, é bem provável que tenhamos um resultado que privilegie os atuais deputados agraciados com as emendas.
Assim, o desgaste da imagem pública por votar pela proteção de um presidente amplamente rejeitado e visto como corrupto seria compensado pelos benefícios como o clientelismo eleitoral decorrente das obras financiadas pelas emendas.
Caso essa lógica prevaleça, independentemente do resultado das eleições presidenciais, a maior chance é de que a Câmara continue comandada pelo bloco golpista e marcadamente corrupto, apesar de todo o desgaste dessas figuras na opinião pública.
Em um momento no qual as obras públicas estão paradas e a crise social se aprofunda, qualquer melhora local tem maior chance de ser vista como sinal de eficiência do deputado-padrinho, podendo estimular um voto pragmático com nariz tapado. Em um cenário de terra arrasada, deputado que tem emenda é rei.
Ou seja, se, por um lado, o golpe das emendas afunda ainda mais a credibilidade do Congresso, por outro pode propiciar a preservação de muitas figuras da legislatura mais desmoralizada da história nacional.
Nesse jogo, Temer salvou, por ora, seu pescoço. Resta saber se as emendas serão suficientes para enfrentar a próxima denúncia ou se os parlamentares da base vão inflacionar o preço de seu apoio.
(da Carta Capital)