Novembro: o mês da consciência negra no Brasil

Songs of Freedom (Canções da Liberdade) de Michael Aboya. Melhor foto do ano, segundo Agora Awards

 

 

O mito da democracia racial ainda impede que o Brasil conheça e reconheça seus heróis e heroínas negras. Mais do que isso, embaça a visão do racismo que mantém o Brasil com um dos maiores índices de violência contra a população negra do mundo. O Atlas da Violência produzido pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lançado em junho de 2019, mostra que o perfil das vítimas da violência no Brasil é Homem jovem, solteiro, negro, com até sete anos de estudo e que esteja na rua nos meses mais quentes do ano entre 18h e 22h.

O levantamento indicou que 75,4% das vítimas pelas polícias brasileiras eram negros. Para identificar o perfil das vítimas da letalidade policial no Brasil, o Fórum investigou 7.952 registros de intervenções policiais terminados em morte no período de 2017 e 2018. Exatamente a imagem desenhada pelo cartunista Carlos Latuff, destruída pelo deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP) quando estava na exposição placa sobre genocídio negro. O painel de Latuff fazia parte da exposição na Câmara dos Deputados em comemoração ao Dia da Consciência Negra (20).

Enquanto no Brasil um parlamentar eleito democraticamente vandaliza um quadro de uma exposição que mostra a realidade cruel da nação, o nigeriano Michael Aboya recebe o maior prêmio mundial de fotografia do Agora Awards pela fotografia intitulada “Songs of Freedom” (Canções de liberdade, em tradução literal), inspirada na canção “Redemption Song”, do eterno jamaicano Bob Marley.

No 20 de novembro de 2019, Dia Nacional da Consciência Negra, o Brasil ainda alimenta vivo o mito da democracia racial com alegações de que o país é miscigenado e que “não existe o dia da consciência branca”. Há quem diga ainda que o “grande tesouro nacional é a miscigenação”. O Brasil é um país racista, em que a mulher negra é a que mais sofre com o machismo e é a que mais morre vítima da violência racial e doméstica. Os mapas da violência divulgados pelos governos mostram que quem mais sofre com a violência policial é o homem negro e quem mais é assassinada na rua é a juventude negra.

É também o corpo do negro que mais sofre com a hipersexualizaçao. O Brasil ainda é o país em que quem mais sofre com xenofobia é o imigrante negro. É por essas e outras coisas também muito graves que o movimento negro lutou e conquistou o reconhecimento do dia 20 de novembro, data do assassinato de Zumbi dos Palmares, como o Dia Nacional da Consciência Negra.

A data foi idealizada pelo poeta gaúcho Oliveira Silveira. Em 1971, ele propôs a criação do Dia da Consciência Negra, que seria o dia do assassinato de Zumbi dos Palmares (20 de novembro) para contrapor ao Dia da Abolição da Escravatura, dia 13 de Maio, criado pelos brancos. À medida que os movimentos negros aumentaram a pressão pelo reconhecimento da data, ela ultrapassou a proposta de um dia e passou a ser conhecida como a Semana da Consciência Negra.

MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Hoje, mais do que a semana, o Brasil já comemora o mês de novembro como o Mês da Consciência Negra. E até a mídia nacional já publica, durante o novembro, dados sobre a questão racial em função do Dia 20 de Novembro. Contrapor o 20 de novembro ao 13 de maio significa dizer que o assassinato de Zumbi não ocorreu em vão, mas porque havia uma luta por liberdade e igualdade, que se manifestava concretamente no Quilombo dos Palmares.

Oliveira Silveira propôs, portanto, que o assassinato de Zumbi fizesse oposição à “benevolência” da Princesa Isabel e lançou a ideia de que o 20 de novembro seria uma data mais apropriada para os negros comemorarem a luta de Zumbi de Palmares e demais quilombos do país por liberdade do a ideia de submissão dos negros de aceitar uma abolição determinada de cima para baixo. Para o poeta, comemorar a luta de Zumbi seria uma abolição verdadeira, que vem de baixo para cima, resultado da luta do povo contra a opressão e não uma libertação colocada no País por uma suposta “benevolência” da princesa branca libertando os negros escravizados.

A história da emancipação do povo negro ainda hoje não é bem contada nos livros de história das escolas do Brasil, contudo, a luta pela inclusão educacional do povo negro está mostrado na obra “Educação – Um pensamento negro contemporâneo”, publicado em 2014, do sociólogo Sales Augusto dos Santos.  Na obra, o sociólogo e professor da Universidade Federal de Viçosa conta a história dos 100 anos de luta dos movimentos negros por educação no Brasil.

“Paulo Freire fala que a educação tem o papel fundamental de modificar a escola, o bairro, a cidade, o país e o mundo. Assim, se a gente começa a fazer o debate sobre a questão racial, a importância das cotas e sobre a dívida social que o este País tem com o movimento negro, a gente vai entender a importância que a educação tem como protagonista na reparação histórica, da aceitação e de respeito da sociedade com os antepassados negros que têm um papel fundamental na construção do nosso Brasil”, diz Márcia Gilda Moreira Cosme, professora da rede pública e diretora da Secretaria de Raça e Sexualidade do Sinpro-DF.

A diretora ressalta a importância do povo negro na construção social, política, cultural, econômica do Brasil  e comemora, com algumas ressalvas, a notícia de que a população negra já supera a branca nas universidades. Essa foi a notícia da semana, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

IBGE: MATRÍCULAS DE NEGROS SUPERA A DE BRANCOS

Márcia Gilda destaca a importância da verificação da notícia do IBGE e acredita que ela deve ser vista com critério, uma vez que o sistema de cotas é profundamente usado para fraudes por estudantes brancos. O IBGE informa que o levantamento foi feito com base nas autodeclarações de estudantes pardos e negros. “O problema é que há fraudes no sistema de cotas cometidas por estudantes brancos, muitos dos quais se declaram pardos para ingressarem pelo sistema de cotas. A minha pesquisa, realizada junto a estudantes de graduação, feita na Universidade Federal de Viçosa, mostra claramente isso”, afirma. As fraudes ocorrem especialmente nos cursos de alto prestígio, como medicina, direito, engenharias.

Para a diretoria colegiada do Sinpro-DF, embora a notícia deva ser vista com cautela, ela consolida a importância da inclusão educacional e do investimento do Estado brasileiro na ampliação da educação gratuita, pública e de qualidade e solidifica a necessidade e importância das políticas afirmativas, como a política de cotas. “Somos um sindicato formador de opinião e essa notícia mostra que nossa luta está correta. Lutamos pela inclusão educacional e por uma educação pública, gratuita, laica, emancipadora e de qualidade socialmente referenciada. Acreditamos que os(as) educadores(as), sobretudo os(as) negros(as), que não têm essa intimidade com a sua própria história, ele não irá repercutir bem essa informação sobre a emancipação do povo negro em sala de aula e sobre o pertencimento do povo negro sobre sua história”, diz a professora e diretora do Sinpro-DF Márcia Gilza

Na opinião dela, o Dia da Consciência Negra é uma data importante para reforçar, entre professores e professoras, orientadores e orientadoras, o esclarecimento sobre o processo de escravização, libertação e protagonismo da população negra do Brasil, bem como a necessidade de haver paridade entre os povos de uma nação. “Hoje, após passar por todos esses processo, o povo negro pode ocupar qualquer espaço, executar qualquer trabalho e desenvolver qualquer projeto como qualquer ser humano”, afirma. No Dia Nacional da Consciência Negra, o Sinpro-DF defende uma educação pública, gratuita, laica, emancipadora, libertária e socialmente referenciada com a retomada, do Estado brasileiro, dos investimentos financeiros e humanos no setor.

*IMAGEM DESTAQUE
Foto “Songs of Freedom”, do nigeriano Michael Aboya. Essa é a foto do ano segundo o Agora Awards, um dos maiores prêmios da fotografia mundial. O autor? O nigeriano radicado em Gana, de 24 anos, Michael Aboya, que desbancou 130 mil imagens enviadas por fotógrafos de 200 países ao redor do mundo. O título da foto, “Songs of Freedom”, é inspirado na canção “Redemption song”, do cantor jamaicano Bob Marley. As crianças retratadas na imagem são filhos de pescadores do bairro de Lobadi, parte costeira de Accra, capital de Gana, e uma das cidades mais pobres do mundo. “Aprendi a fotografar sozinho depois de estudar computação e deixar essa faculdade de lado para correr atrás do meu sonho. E tenho vivido exclusivamente da fotografia desde 2017. Trabalho duro e tento aprender todos os dias como ser a melhor versão de mim mesmo que eu posso ser”, contou Michael. Perfil dele no Instagram @aboya.8