Defesa da vida deve ser prioritária quando o tema é a volta presencial às aulas

Não é de hoje que a pressão para o retorno presencial às aulas na rede pública de ensino do Distrito Federal é feita sobre a comunidade escolar. Respaldada por interesses econômicos ou escusos que desconsideram os números alarmantes sobre os casos de infecção e morte ocasionadas pela Covid-19, a mais recente tentativa foi feita pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e acolhida pela Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Felizmente, em menos de uma semana, outros passos foram dados e prevaleceu o bom senso. Entretanto, a insistência em propor o injustificável vem sendo uma realidade em tempos de retrocessos nas mais diversas áreas; e é preciso se manter vigilante e resistente ao que ainda pode vir.

Além da pressão de professoras (es) e educadoras (es) educacionais do DF, a suspensão do retorno presencial às aulas nas escolas públicas foi consequência de recurso apresentado pelo Governo do Distrito Federal, por meio da Procuradoria-Geral do DF (PGDF). O pedido foi deferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), que em sua justificativa pediu “prudência”. O substantivo utilizado pelo magistrado em sua decisão foi certeiro. Desde o início da pandemia do novo coronavírus, em março, até hoje, o Brasil soma quase 158 mil mortos, mais de 3,6 mil delas no Distrito Federal. E embora o registro de um pequeno recuo na última semana, a média móvel de mortes por Covid-19 no DF ainda é de 11,4.

Ciente da gravidade evidente do vírus que levou a óbito mais de 1,1 milhões de pessoas no mundo inteiro e devastou a vida de outras centenas de milhares, o Sinpro-DF, desde o princípio, se posicionou em defesa da vida. Ao mesmo tempo, no caso da educação, o distanciamento social resultou em um grande número de crianças e adolescentes que, diante da ausência de políticas públicas, não têm condições de acessar os conteúdos dados de forma remota. Todavia, é imprescindível considerar que essas mesmas crianças e adolescentes, bem como suas famílias, são também alvos e vetores de contágio da Covid-19 com o retorno presencial às aulas nas escolas públicas do DF. Isso porque muitas delas dividem casas de dois cômodos com dezenas de familiares, utilizam transporte coletivo e estão em situação de vulnerabilidade econômica que chega a impedir até o acesso a itens básicos para prevenção à doença, como álcool em gel.

Uma falsa condição de normalidade vem sendo imposta ao povo do Brasil e do Distrito Federal. O “novo normal”, ventilado em meios de comunicação e pronunciamentos de representantes do governo, é uma estratégia irresponsável para que grandes empresários não corram o risco de diminuir seus lucros. Não existe normalidade diante de uma conjuntura que registra mortos a cada minuto. Neste cenário, é inegável que não há a mínima condição de colocar meio milhão de pessoas nas ruas do DF com a imposição do retorno presencial às aulas.

Tão incoerente como supor uma falsa normalidade no país é não considerar o abismo existente entre a realidade das escolas públicas do DF com aquelas que são privadas, como foi feito pela Vara da Infância e da Juventude do TJDFT. Problemas que vão desde o pouco espaço para o grande número de alunos até a falta de sabão nos banheiros das escolas mostram as graves e estruturais diferenças entre essas duas realidades. E mesmo com toda infraestrutura necessária, as escolas particulares ainda permitiram que o ensino presencial fosse opcional, podendo os estudantes decidir pela manutenção do ensino remoto. De qualquer forma, se mostra impudente abrir a possibilidade de aulas presenciais nesses espaços.

Mesmo diante de todos os problemas impostos com o ensino remoto, professoras e professores da rede pública de ensino do DF se debruçam diariamente em encontrar formas de inserir o maior número possível de estudantes no processo de aprendizado. Isso, inclusive, vem triplicando a jornada de trabalho da categoria, que chega a tirar do próprio bolso para comprar equipamentos e viabilizar condições mínimas para executar o ensino remoto.

É determinante ainda que não se deixe de falar da ausência total de políticas públicas que garantam o acesso universal à internet banda larga e a capacitação de professores e alunos diante da inovação na forma do ensino. No Uruguai, que garante acesso gratuito à internet em praticamente todo país, o Plano Ceibal – criado em 2007, com o objetivo de disponibilizar um laptop a professores e crianças em idade escolar, bem como capacitar esses dois públicos – possibilitou que 96% das crianças do primário estivessem vinculadas às atividades escolares durante os meses em que as escolas estavam fechadas. No Brasil, só no DF, mais de 120 mil estudantes não podem assistir e participar de nenhum tipo de ensino remoto por não terem celular, tablet, computador ou notebook.

Frente a esses dados, o caminho a ser percorrido exige que a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) e o Ministério da Educação atuem junto à Secretaria de Educação do Distrito Federal para que se discuta a adequação da proposta curricular a ser aplicada na rede pública de ensino do DF. Este é um caminho impreterível para pensar na escola que queremos e que seja capaz de sanar as sequelas deixadas pela pandemia no novo coronavírus na educação do DF.

Da mesma forma, ainda se torna necessário que professoras e professores da rede pública de ensino debatam com seus alunos e alunas as consequências da pandemia para o Brasil e para a população, além de mostrar a realidade de outros países, as condições impostas em cada um deles e as ações que protegeram ou vulnerabilizaram ainda mais cada povo.

É inquestionável que o Estado deve assegurar às crianças e aos adolescentes o direito fundamental do acesso à educação. Sobretudo, é dever do Estado garantir a vida e a saúde a todas as cidadãs e cidadãos. Ir na contramão do que mostram os estudos sobre a pandemia do novo coronavírus, reabrindo escolas de forma alheia à realidade e sem qualquer planejamento – enquanto países do mundo inteiro recuam da reabertura deste espaço –, não faz do DF legitimador dos direitos fundamentais e humanos, mas algoz do seu próprio povo. O necessário agora é investimento em iniciativas que propiciem aos alunos condições de participar das aulas remotas e tempo para planejar o retorno seguro às escolas em 2021, com todos os cuidados garantidos. Para isso, será necessária a força-tarefa de toda a sociedade e de todos os órgãos responsáveis pela educação pública.