Nota da Abraço sobre o PL da Radiodifusão

Uma análise mais demorada sobre o Projeto de Lei divulgado como o “PL da Descriminalização das Rádios Comunitárias” nos leva à seguinte conclusão: ele não descriminaliza, apenas muda a caracterização do crime.

Ao promover a alteração do artigo 261 do Código Penal, acrescentando o parágrafo que tipifica como crime a interferência em sistemas de comunicação de segurança de vôos, militares ou de serviços essenciais como segurança e saúde, o PL aumenta a pena que é de 2 a 4 anos, atualmente, para até 10 anos de reclusão.

Interferências são causadas por problemas técnicos, podem ser corrigidos, não devem ser tipificadas como crimes. Também podem e devem ser tratadas no campo administrativo.

A quase totalidade dos fechamentos e apreensões em rádios de baixa potência, ocorridas até hoje, deram-se com a argumentação de que elas causam esse tipo de interferência e podem até derrubar avião, o que não foi comprovado! Muito pelo contrário, os relatórios de interferências produzidos pelos órgãos de proteção ao vôo não apontam nenhuma emissora de baixa potência. Apontam, isso sim, emissoras comerciais de grandes potências.

Portanto, esse artigo, caso seja aprovado da forma como está, dará suporte legal para que a repressão e a perseguição às RadCom tenham continuidade.

Outro aspecto negativo é que torna falta grave a veiculação de publicidade. Por quê? Porque as RadCom surgiram para promover a inclusão das comunidades e de todos os seus segmentos excluídos nos meios de comunicação. É notório que o segmento de produtos e serviços de pequenas e microempresas (ou de trabalhadores autônomos de uma pequena localidade ou bairro) nunca conseguiu espaço nos meios comerciais por não poder pagar os altos preços cobrados. Já nas RadCom, com preços simbólicos ou mesmo com contribuições mensais, esse segmento tem espaço para sua divulgação, o que contribui, naturalmente, para o desenvolvimento local.

O projeto é todo ruim?

Não. Ele também traz coisas boas. Por exemplo: tipifica como “falta gravíssima” a transferência da autorização ou o arrendamento da programação para terceiros, bem como a prática do proselitismo, com pena de cassação da autorização. Isso possibilitará ao movimento conseguir de volta as autorizações concedidas pelo Ministério das Comunicações às igrejas, aos cabos eleitorais e às microempresas de publicidade. É praticamente impossível esta conquista com a atual legislação, uma vez que a cassação de uma autorização de radiodifusão comunitária tem que ser aprovada pelo Congresso Nacional por pelo menos 2/3 dos parlamentares.

O PL altera o artigo 183 da Lei 9.472/97, que determina:
“Pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000, 00 (dez mil reais).
Parágrafo único: Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime”; acrescentando o parágrafo 2º:
“o crime definido neste artigo não se aplica à radiodifusão”.

A nova redação descriminaliza a pura execução do serviço de radiodifusão em geral, o que não é bom! Porque generaliza a liberação, sendo que as emissoras comerciais têm o procedimento de outorga e a sua exploração tem fins econômicos e lucrativos. Como uma concessão pública, precisa participar de processos de licitação. Portanto, é necessário acrescentar ao texto a limitação à radiodifusão comunitária.

Por fim, o PL revoga o artigo 70º da Lei 4.117/62:
“Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos.

Parágrafo único: Precedendo ao processo penal, para os efeitos referidos neste artigo, será liminarmente procedida a busca e a apreensão da estação ou aparelho ilegal”.

Qual a opinião da Abraço?

A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço Nacional) compreende como um avanço o trecho do PL que exclui a radiodifusão do crime tipificado no artigo 183/9472 – com o acréscimo que vincula à decisão somente a radiodifusão “com fins exclusivamente comunitários” – e a revogação do artigo 70/4117.

Porém, encara como retrocesso a tipificação como “falta grave” a veiculação de publicidade de qualquer natureza, o que reforça a postura do empresariado das comunicações em excluir a possibilidade das emissoras comunitárias contribuírem com o desenvolvimento local por meio da inclusão, via divulgação, do segmento de produtos e serviços da comunidade.

Também alerta os legisladores sobre a tipificação como crime um mero problema técnico (o da interferência em outros meios), que pode ser corrigido e deve ser tratado no campo administrativo por meio da fiscalização, advertência e prazos para se corrigir os defeitos nos equipamentos.

Há que se fazer uma diferenciação de tratamento legal entre radiodifusão comercial e radiodifusão comunitária. Na radiodifusão comercial a informação é tratada como um produto a ser vendido, portanto acessível apenas a quem pode pagar para que ela seja veiculada. Isso leva à segmentação da verdade, ou seja, apenas é divulgado o “ponto de vista” de quem pode pagar.

Já a radiodifusão comunitária tem a informação como um elemento da construção da cidadania, sendo tratada no âmbito educativo para o debate sobre a diversidade dos campos político, religioso, cultural, artístico, social e econômico. A informação para as RadCom é elemento para o fortalecimento da identidade cultural de uma comunidade, para o respeito às diferenças e para o hábito do debate sobre os problemas que afligem a comunidade. Enfim, a informação tratada de forma democratizante e libertadora. Assinam: José Luiz do Nascimento Sóter – Coordenador Executivo e João Carlos Santin – Coordenador Jurídico