“Não há declaração intragável que não mire em cifras robustas”, diz diretor do Sinpro sobre fala de ministro da Educação

Que o governo Jair Bolsonaro tem como um dos pilares as violações aos direitos humanos, isso a maior parte da população já sabe. Pouco se fala, entretanto, que os discursos carregados de preconceito miram também em valores fartos vindos dos cofres públicos. É nessa lógica, que une o desumano ao obsceno, que se ancoram as falas do ministro da Educação, Milton Ribeiro, ao dizer que estudantes com deficiência atrapalham o aprendizado de outros alunos e que há crianças com “um grau de deficiência que é impossível a convivência”.

A fala de Ribeiro foi feita poucos dias antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) reiniciar as discussões sobre a Política Nacional de Educação Especial Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE), agendada para esta segunda-feira (23/8), em audiência pública. O PNEE está estabelecido no decreto 10.502/2020 de Jair Bolsonaro que, em linhas gerais, determina a suspensão da educação inclusiva na rede pública de ensino, com a criação de turmas e escolas “especializadas” exclusivas para crianças e adolescentes com deficiência. O decreto foi suspenso pelo STF em dezembro do ano passado, que entendeu a norma como ameaça à inclusão e consequente segregação de pessoas com deficiência, ferindo a própria Constituição Federal.

“As falas repulsivas do ministro Milton Ribeiro não são mero acaso. Elas preparam para a rediscussão do tema da educação inclusiva no STF. Isso está claro. Além de ser um retrocesso na conquista da inclusão das pessoas com deficiência, esse decreto de Bolsonaro abre espaço para retirar ainda mais investimento da educação pública, quando fala na criação de novas turmas e escolas. O decreto não especifica como seria e nem com quem seria a criação desses espaços. E independente disso, o que a gente precisa é de investimento na educação pública para que as escolas tenham plenas condições de ampliar o ensino inclusivo”, afirma o diretor do Sinpro-DF Carlos Maciel, que tem deficiência auditiva.

O dirigente sindical ainda lembra que no mesmo ano em que Jair Bolsonaro deu a canetada para que a educação inclusiva fosse substituída por outra que segrega pessoas com deficiência, o Congresso Nacional aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tornou permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), com a regra que estabelece o Custo Aluno Qualidade (CAQ). Com isso, ao estabelecer um investimento mínimo por aluno, o mecanismo determina que necessidades específicas da educação inclusiva sejam contempladas. Isso quer dizer que esse custo deverá atender os estudantes que necessitarem do Atendimento Educacional Especializado (AEE), com estrutura e funcionamento ideal da escola.

“Pelo Fundeb, se uma escola tem sete estudantes com deficiência, o Custo Aluno Qualidade deverá contemplar esses alunos. Nacionalmente, são milhões que deixarão de ir para a educação pública para ser direcionado a esses espaços ‘especializados’ que quer o governo Bolsonaro. Nesse governo, não há fala intragável que não mire em cifras robustas”, afirma o diretor do Sinpro-DF Carlos Maciel.

Em 2021, o Ministério da Educação foi a pasta que sofreu maior perda de verbas: R$ 2,7 bilhões bloqueados, além de R$ 2,2 bilhões vetados. Quase R$ 5 bilhões a menos.

“Atacar a educação é uma prática de todo governo ditatorial. E, na mesma lógica do fim da educação inclusiva, esse ataque ao caixa da Educação atende tanto ao ideário ditatorial do governo Bolsonaro, quanto ao neoliberal, que enxerga a educação não como direito, mas como mercadoria”, afirma a diretora do Sinpro-DF Luciana Custódio. Ela lembra que diversos projetos de parlamentares da base do governo foram apresentados neste sentido, como os projetos de lei 852/2016 e 1380/2020 da Câmara Legislativa do DF. Apresentados respectivamente pelo deputado Rafael Prudente (MDB) e pela deputada Júlia Lucy (Novo), os projetos são conhecidos como PL do Voucher. Isso porque, pelo texto dos PL’s, as famílias receberiam apoio financeiro do governo em formato de “voucher” para matricular seus filhos em escolas privadas.

“Como diz a canção de Caetano Veloso: é preciso estar atento e forte. Educação não é e nunca foi uma pauta desse governo; muito pelo contrário. Todos os projetos do governo federal direcionados a esse setor são para desmantelar o que foi conquistado com anos de luta pelo magistério público e setores da sociedade que lutam por uma educação pública de qualidade. Não é interessante para um governo fascista ter um povo emancipado pelo conhecimento. Não é interessante para um governo neoliberal ter investimento no setor público. E o governo Bolsonaro consegue ser ambos”, esclarece Luciana Custódio.