Não é pedagogo, é só o reizinho do Brasil

O jornal Valor da terça-feira 26 de outubro traz uma análise com uma lamentável, vergonhosa, triste e infundada analogia entre um banqueiro e um pedagogo.

Em André Esteves é pedagogo que custa a aprender, disponível apenas para assinantes, a articulista Maria Cristina Fernandes compara o banqueiro boquirroto e falastrão André Esteves, sócio sênior do banco BTG Pactual, a um pedagogo, de forma irônica. Mas, na qualidade de professores(as) e orientadores(as) educacionais, senhora articulista, temos de lhe informar: nem brincando esse senhor pode ser considerado um “pedagogo”.

Pedagogia é assunto caro a grande parte desta sociedade. Um pedagogo, pra começo de conversa, preocupa-se com os conceitos que ensina a seus alunos. E vai cuidar para que, por exemplo, um professor que tenha que ensinar a seus alunos o conceito de “checks and balances”, ou da Teoria da Separação de Poderes, seja ensinado adequadamente.

André Esteves não sabe o que são “checks and balances”, que entende como um sistema de negociações políticas. A ideia de checks and balances propriamente dita vem do final do século XVIII. Está codificada na Constituição dos EUA e resumida numa fórmula de David Hume: “só o poder controla o poder”. Significa que diferentes braços (branchs) do Estado têm que ter poder para que nenhum deles se torne tirânico. Daí eles precisam prestar contas uns aos outros. Consiste, portanto, na ideia da necessidade da criação de três poderes distintos – Executivo, Legislativo e Judiciário – para propiciar uma maior segurança aos cidadãos quanto aos seus desejos em sociedade.

O artigo de Fernandes faz referência ao áudio vazado pelo site Brasil 247 no dia 25 de outubro, em que, durante uma hora, Esteves conversa com investidores do banco BTG, do qual e sócio, e convida incessantemente os interlocutores: “podem perguntar o que quiser!”

Nessa conversa com investidores, Esteves cita Karl Popper e o que chamou de “dinâmica das sociedades abertas”. Na verdade, ele queria se referir ao livro A Sociedade Aberta e os seus inimigos: o sortilégio de Platão, do filósofo austríaco que, adepto do liberalismo social, defendia a intervenção estatal na educação e no combate à pobreza e à precariedade.

Um homem que tem dificuldades com definições conceituais básicas de ciência política e filosofia também “entende” que “nossa obrigação institucional é conversar, é educar, é fazer as ponderações, é ensinar as causas e consequências das ações”. Mas, logo a seguir, demonstra perceber os políticos como seres adestráveis, alegando que “Os políticos não são nem bons nem maus, eles apenas reagem aos estímulos políticos”. Esse senhor pode ser comparado a um pedagogo, que busca observar as particularidades de cada aluno e adaptar a explicação do conteúdo, tratando cada estudante sempre com muito respeito às suas individualidades e características, senhora articulista?

Não, senhora, um pedagogo não compara seus alunos a “um produto bem acabado”.   

Será que André Esteves, ao se referir a seu relacionamento com o presidente da Câmara dos Deputados, entende de fato das causas e consequências de suas ações?  

André Esteves também acredita que impeachment da presidenta Dilma Rousseff foi “igualzinho” ao golpe de 64: “1964 foi o impeachment da Dilma: não houve nenhum tiro, ninguém foi preso, as crianças foram pra escola, o mercado funcionou, foi o impeachment da Dilma”. O Brasil, nessa concepção do banqueiro, “se livrou” de um produto de má qualidade. O sistema descartou uma presidenta honesta, que não aceitava negociar com corruptos, porque não lhe servia. Meia década depois, está sofrendo com a população empobrecida, sem poder de compra, e com a fome e o desemprego. Mas eles não ligam muito pra isso, pois pra eles tá tudo bem agora.

Para André Esteves, Bolsonaro é favorito em 2022 “se ficar calado”, mas se Lula “vier com Meirelles na Fazenda e um Kassab como vice, traz tranquilidade ao sistema”. Não leva em consideração mais nada. Só o sistema lhe interessa.

Ainda assim, o boquirroto banqueiro sabe tudo, tem resposta para todos os males do Brasil. Não demonstra ouvir ninguém, pois raramente cita outra fonte de informação que não seu próprio cérebro – e quando cita, o faz de forma conceitualmente errada, que o digam Popper e a Teoria da Separação dos Poderes.

Não, senhora articulista, André Esteves não é pedagogo – tampouco professor. Se muito, é um coach, e com qualidades bem questionáveis. Mas, por ser banqueiro, se arvora no direito de ter opinião (que ele mesmo valida) sobre tudo. E que opinião mal formulada!

No frigir dos ovos, André Esteves soa como um reizinho que não deve ser contrariado. O que será que o sistema de “checks and balances” faria com suas opiniões se ele fosse, de fato e de verdade, um professor com carga horária pesada, e várias turmas superlotadas?

 
 

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