Não é democrático comemorar golpe de Estado e ditadura militar do Brasil

A cultura de golpes de Estado do Brasil não favorece a democracia. Trata-se de uma herança do Império que, apesar das demonstrações históricas do mal que isso faz à população e à Nação, existe uma persistência anacrônica colonialista em mantê-la viva e uma insistente, obsoleta e mal-intencionada exaltação a esse tipo de terrorismo.

Neste 31 de março de 2022, por exemplo, general Braga Netto, militar que ocupa cargo de ministro da Defesa no governo Bolsonaro, novamente, divulgou nota exaltando o golpe de Estado aplicado no Brasil em 1º de abril de 1964 e permanecendo até 1985. Foi um período em que as Forças Armadas brasileiras puseram em curso, com participação ativa dos EUA, um regime ditatorial e terrorista para rapinar riquezas do Brasil e instrumentalizar as instituições públicas para mantê-lo como uma mera colônia dependente de países ricos, nas mãos de empresários do mercado transnacional.

Para que isso ocorresse do jeito que os golpistas queriam, era necessário reprimir, prender, torturar e matar qualquer brasileiro que questionasse, denunciasse e resistisse a esse esquema de roubo internacional. Também era preciso eliminar a cultura para extinguir a identidade nacional; enfraquecer a educação pública não só para que ficasse como algo inoperante e incapaz de formar cidadania, mas também para introduzir a privatização desse direito fundamental; e, ainda, estabelecer uma administração pública controlada, subserviente e colonizada.

É uma vergonha um general que ocupa cargo na Esplanada dos Ministérios e recebe remuneração com dinheiro público usar o aparelho do Estado para deturpar a história e desacatar a Constituição Federal com o objetivo único de exaltar o terrorismo da ditadura militar, de perverter o conceito de democracia e de veicular mais fake news ao afirmar que a ditadura dos generais, que implantou o fascismo no País (basta ver o AI-5), fortaleceu a democracia.

A nota de Braga Netto é um desrespeito à população e, sobretudo às vítimas da brutal e sangrenta ditadura militar, que, segundo levantamento da Human Rights Watch (HRW), torturou, por baixo, mais 20 mil pessoas; assassinou mais de 450 brasileiros; e destituiu cerca de 4.841 representantes eleitos pelo povo. Apesar desse tipo de exaltação veiculada pela mídia liberal, os brasileiros são resistentes. Em todas as ditaduras que existiram no País, houve resistência.

O golpe de Estado de 1964 não é nada disso que está escrito na nota de Braga Netto. Foi uma ação contra o Brasil feita pelos generais das Forças Armadas, pelo empresariado ligado a organizações neoliberais, como a Fiesp, e teve participação intelectual e financeira dos EUA. Na época, encheram a cabeça dos brasileiros de fake news e outras mentiras graves para depor João Goulart, o presidente da República eleito democraticamente, e deram um fim à Quarta República (1946-1964). Ficaram 21 anos no poder à custa do dinheiro público, assassinando qualquer pessoa que denunciasse os crimes de lesa-pátria e contra dos direitos civis dos brasileiros.

2016 a 2022: a nova face da ditadura

O Brasil corre o risco de afundar ainda mais nessa nova face da ditadura golpista que recomeçou o golpe de Estado de 2016 se não der um basta a isso nas eleições de outubro de 2022. Manter o retrocesso que recomeçou com o golpe de 2016, prosseguiu com as eleições de fake news de 2018, é condenar o Brasil a ser colônia e milhões de brasileiros à morte, como foi nesses 3 anos do governo militar de Bolsonaro.

O atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), está com chapa montada tendo Braga Netto, o general que exalta a tortura, a morte e a ditadura, como vice, é dar continuidade a um governo que, entre 2019 e 2022, promoveu o maior desmonte da nação e da soberania brasileiras e deixou um rastro de mais de 1 milhão de mortos só por Covid-19; que recolocou o País no Mapa da Fome; promoveu o maior desemprego da história; impediu a juventude de estudar e trabalhar; infringiu todas as leis ambientais; privatizou a água; e ataca a todos que defendem a verdadeira democracia.

É preciso romper, definitivamente, com essa cultura de golpes e essa mentalidade colonizada, que período republicano da história do Brasil herdou do Império, momento em que Brasil também viveu sucessivos golpes de Estado. Um exemplo disso foi a separação do Brasil de Portugal. Não foi por meio de uma negociação ou revolução, e sim por meio de um golpe de Estado. Apesar das lutas dos Inconfidentes e outros movimentos libertários, contrários à monarquia, a República nasceu a partir de um golpe militar contra o Império.

História marcada pela alternância de golpes de Estado

A partir disso, a história do Brasil passou a ter períodos alternados de golpes de Estado e período de democracia. A República nasceu de um golpe de Estado. Após isso, implanta-se um presidencialismo com eleição sem participação das mulheres e dos analfabetos (que eram a maioria). As mulheres conquistaram o direito ao voto e, a partir daí, continua uma sucessão de golpes de Estado com a participação sempre ativa dos militares e dos EUA: contra Getúlio Vargas, João Goulart, Dilma Rousseff, que, inclusive, foi torturada pelos militares do golpe de 1964.

Há um padrão negativo, sempre com a ação ativa dos EUA, que não permite ao Brasil consolidar a democracia. Em 2016, 31 anos depois de restituir a democracia interrompida pela ditadura militar que Braga Netto tenta exaltar, o Brasil se vê diante de um golpe de Estado em que utilizaram a legislação vigente para destituir Dilma Rousseff (PT), uma presidenta da República eleita democraticamente e comprovadamente honesta com provas levantadas pelo Tribunal Regional Federal 2ª Região (TRF-2).

Lawfare e o novo modelo de golpe de Estado

Aperfeiçoaram o golpe de Estado e passaram a usar a institucionalidade das leis para manter o Brasil debaixo sob gestões golpistas para favorecer um grupo de empresários, militares e estrangeiros se enriquecem com as riquezas, os orçamentos e os patrimônios públicos que deveriam servir ao povo. No caso de Dilma Rousseff, não havia nenhum crime e nenhuma acusação que justificasse o afastamento dela da Presidência da República. Esse tipo de golpe é conhecido no direito como “lawfare” (law, direito; warfare, guerra), criado nos EUA e que utiliza o sistema judicial como instrumento para aplicar golpe de Estado.

“O golpe de 2016 pode ser resumido como um “lawfare” porque estamos numa república presidencialista e não num parlamentarismo, sistema em que se o primeiro ministro não tem um bom desempenho, o Parlamento pode trocá-lo. Isso foi o que o Congresso Nacional de 2016 fez contra Dilma. Usaram o lawfare, erradamente, para retirá-la do comando do País. O lawfare é normal em repúblicas ou monarquias parlamentaristas, mas não numa república presidencialista, como o Brasil”, explica Cláudio Antunes, diretor do Sinpro-DF.

Não ao  parlamentarismo

Ele lembra que em 21 de abril de 1993, os brasileiros participaram de um Plebiscito sobre forma e sistema de governo, determinado pelo artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal. Dados do Superior Tribunal Eleitoral (TSE) mostram que num universo de 90.256.461 eleitores na época, 66.209.385 (73,36%) compareceram às urnas. Desses, 43.881.747 (66,28%) eleitores escolheram a República como forma de governo.

A Monarquia recebeu apenas 6.790.751 (10,26%) votos. Votaram em branco nesse item 6.813.179 (10,29%) eleitores, e, 8.741.289 (13,20%), anularam o voto. Já 36.685.630 (55,41%) eleitores optaram pelo sistema presidencialista de governo, e 16.415.585 (24,79%), pelo parlamentarista. Votaram em branco neste item 3.193.763 (4,82%) eleitores, e 9.712.913 (14,67%) votaram nulo.

Importante ressaltar que, se de um lado, o Brasil tem uma trajetória histórica de golpes de Estado, por outro, há um longo histórico de resistência. Tanto é que a ditadura militar que Braga Netto exalta foi um dos períodos em que os generais desapareceram com milhares de brasileiros que resistiram e denunciaram a falcatrua. Além disso, o brasileiro, deliberadamente, não aceita o parlamentarismo. No dia 6 de janeiro de 1963, os brasileiros foram convocados, pela primeira vez na história, a participarem de uma consulta popular para opinarem sobre a manutenção do regime parlamentarista, que então vigorava, ou se deveria retornar o presidencialismo. Venceu o presidencialismo.

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