MPF vai à Justiça para obrigar o IBGE a incluir população LGBTQIA+ no Censo 2022
O Ministério Público Federal (MPF) protocolou uma ação na Justiça Federal do Estado do Acre, nessa terça-feira (22/3), para obrigar o Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) a incluir no Censo Demográfico 2022 questões relacionadas à identificação de identidade de gênero e orientação sexual.
A diretoria colegiada do Sinpro-DF apoia a decisão do MPF e classifica como uma vergonha o o fato de MPF ter de ir à Justiça para obrigar o IBGE a incluir no levantamento do Censo 2022 os segmentos já contemplados, em anos anteriores, nas questões do Censo Demográfico. E vê com preocupação a atitude da atual gestão do IBGE de reduzir o número de perguntas do questionário de 2010. Diminuiu de 34 para 26 perguntas no básico, e de 102 para 77 no questionário da amostra de 2022.
O Sinpro alerta também para o fato de que, ao retirar as perguntas relacionadas à população LGBTQIA+, o governo Bolsonaro aprofunda ainda mais as vulnerabilidades desse segmento. Dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2020 mostram que crimes violentos contra pessoas LGBTQIA+ aumentaram 20% em relação ao ano anterior. Em 2020, a média foi de quatro crimes de LGBTQIAfobia por dia, considerando casos de lesão corporal (1.169), homicídio (121) e estupro (88) motivados por intolerância.
Ana Cristina Machado, diretora da Secretaria para Assuntos de Raça e Sexualidade do sindicato, alerta para o fato de que, além de usar o IBGE para criminalizar segmentos sociais não aceitos por setores fundamentalistas, transformando a sociedade brasileira num ambiente de violência e apartheid, o objetivo desse grupo que está no poder é retirar dinheiro do Estado destinado a políticas públicas para segmentos, como o LGBTQIA+.
No entendimento do Sinpro-DF, certamente, essa exclusão das questões que identificam esse segmento do Censo Demográfico 2022 visa a aprofundar a segregação social e a tornar essa parcela da sociedade invisível, deslegitimizar, discriminada e sem acesso às políticas públicas do Estado.
No ano passado, o IBGE informou que o questionário básico do Censo 2022 contaria apenas com 26 questões. Uma parcela dos domicílios será selecionada para responder ao questionário da amostra, com 77 perguntas. De acordo com o instituto, em relação ao Censo de 2010, o número de perguntas dos questionários da pesquisa foi reduzido de 34 para 26 no básico, e de 102 para 77 no questionário da amostra.
Em razão disso, em novembro do ano passado, o MPF abriu um procedimento para apurar irregularidades no questionário do Censo Demográfico 2022 por não incluir os campos de identidade de gênero e orientação sexual. Na época, em nota, o MPF observou que a exclusão dessas perguntas iria deixar de fora do levantamento oficial do Estado brasileiro “importante parte da população do retrato real que deve ser demonstrado pelo Censo”.
Entenda: investigação do MPF começou em novembro de 2021
No ano passado, após a abertura de investigação, o MPF entrou com ação civil pública na Justiça Federal para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluir no Censo Demográfico questões para identificação de identidade de gênero e orientação sexual.
Apesar de a ação ter sido ajuizada no Acre, ela vale para todo o território nacional, e demanda que o instituto “desenvolva e utilize metodologia para incluir os campos orientação sexual e identidade de gênero nos questionários básico e amostral do Censo 2022” em um prazo de 60 dias.
A ação é resultado de um alerta feito pelo Centro de Atendimento à Vítima (CAV) do Acre sobre o fato de o IBGE não ter incluído no questionário a ser aplicado no Censo Demográfico 2022 nenhuma das 26 perguntas relacionadas a orientação sexual e identidade de gênero que devem ser aplicadas, pelo censo, à população.
De acordo com informações do MP, a investigação, que começou em novembro de 2021, após a denúncia do CAV, teve o intuito de “corrigir eventual erro na metodologia censitária”. De acordo com as atuais perguntas, o censo “excluiu importante parte da população brasileira do retrato real que deve ser demonstrado pelo levantamento”.
Na ocasião, um dos campos que mais chamou a atenção foi ao pedir para que a pessoa entrevistada identificasse seu “sexo” como “masculino” ou “feminino”, sem se referir a palavra “gênero” ou incluir outras identidades não normativas que fazem parte da comunidade LGBT.
“As pessoas que não se identificam no binômio ‘feminino-masculino’ também ficarão invisíveis e sem alcance de políticas públicas voltadas aos seus direitos fundamentais, como o direito de existir, de receber atendimento de saúde, entre outros”, continuou a nota do MP do Acre. Essa investigação culminou com a ação ajuizada nessa terça (22).
Pondere: procurador dos Direitos do Cidadão rebate atual gestão do IBGE
O procurador regional dos Direitos do Cidadão, Lucas Costa Almeida Dias, autor da ação, rebateu os argumentos da atual gestão do IBGE de que outros países não têm informações sobre o tema em seus censos, citando a inclusão de perguntas na pesquisa realizada no Reino Unido e no Canadá, além das próximas edições na Escócia (2022) e na Nova Zelândia (2023).
Ele questiona também o argumento de que perguntas sobre gênero e orientação sexual são dados sensíveis e, por isso, não poderiam ser realizadas, citando como exemplo as informações sobre cor e raça.
“O tratamento de dados sensíveis não é novidade no questionário do IBGE! O quesito sobre cor e raça também faz parte desse grupo e suscita dúvidas na população: nem sempre as pessoas conhecem as cinco opções apresentadas na categoria — “pretos”, “pardos”, “amarelos”, “indígenas” ou “brancos””, menciona o texto, ao defender a inclusão de perguntas sobre identidade de gênero e identidade sexual.
No documento, o MPF argumenta que, em razão da natureza dos interesses defendidos e da posição oficial do IBGE, “não aceita conciliar” e que a informação estatística cumpre papel significativo na efetivação de políticas públicas, por evidenciar questões sociais ainda latentes, e é somente a partir do conhecimento da quantidade e condições de vida dessas populações que suas demandas sociais podem fazer parte da agenda estatal.
A diretoria colegiada do Sinpro-DF vê com preocupação o desmonte do IBGE e do Censo Demográfico, que evoluiu, entre os anos 2003 e 2014, com o objetivo de incluir toda a população brasileira, sem exclusão de nenhum segmento, nas políticas públicas do Estado nacional. A opinião do Sinpro coincide com a do MPF, que também vê, nessa limitação na identificação desse estrato social, “a configuração de um real impedimento para a formulação de políticas públicas focadas nas necessidades da população LGBTQIA+”, aponta o MPF.
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