Movimentos negro e antirracista apoiam apresentação do CED 310 de Santa Maria

A culminância do mês da Consciência Negra no CED 310 de Santa Maria, realizada no dia 24 de novembro e uma segunda apresentação no dia 5 de dezembro, contou com o apoio de membros do movimento negro e antirracista. O evento, que celebrou os 20 anos da promulgação da Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que incluiu no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, contou com a presença de membros da OAB e do Conselho de Umbanda e Candomblé. Um dos resultados desses trabalhos foi a performance Alá de Oxalá, que surgiu da vontade de alguns alunos que pertencem à Tradição de Matriz Africana.

A performance Alá de Oxalá reúne o Panteão dos Orixás. Com esse tema, foi possível tratar da quebra de vários tabus sociais. “Além da performance Alá de Oxalá, tivemos trabalhos que construíram colares afro de parede, remo indígena, pintura corporal, fotoperformance, memorial aos indígenas e indigenistas assassinados e estátuas vivas indígenas”, recorda a professora de artes da escola Lidi Leão. Vários outros trabalhos foram desenvolvidos dentro dos conceitos estéticos de performance ou de instalação, que integram a linguagem da arte contemporânea.

 

Intolerância religiosa e racial

No dia 24 de novembro, uma postagem de um suposto site de notícias no Instagram (que, ao contrário do perfil do Sinpro, não foi desativado) acusava a escola de proselitismo religioso ao “obrigar” os alunos a participar de atividades ou cerimônias religiosas – sem informar que o trabalho valia nota para a disciplina de Artes. O perfil acrescentou a um breve vídeo (que mostrava estudantes vestidos com a estética diaspórica africana) o áudio da música tema do seriado Arquivo X, de forma a associar religiões afro com coisas desconhecidas e sobrenaturais – em suma, racismo religioso.

“Trata-se de uma ação pedagógica artística, não deve ser comparada a um culto religioso. O que se trabalhou em classe foi o tema Tradições de Matriz Africana, e não de “Religare” (a palavra “religião” deriva do latim religare, religar, voltar a ligar) – afirma a professora de Artes do CED 310, Lidi Leão.

A professora completa o raciocínio: “Não há como falar de arte Africana sem contar as suas fontes; quando falamos de arte medieval, ou dos vitrais nas igrejas católicas, ou ainda se falamos de Michelangelo, ao puxarmos o fio da origem, infalivelmente chegaremos em alguma fé religiosa. A fonte africana é, também, a sua fé, sua forma de ver, sentir, se comunicar com o que acreditam e vivem.”

 

Comunidade unida contra o preconceito

Face à provocação da postagem racista e sensacionalista realizada no Instagram, a comunidade escolar se mobilizou e apoiou a apresentação dos Orixás. “O corpo discente, docente e gestão democrática da escola deram uma resposta a esse comportamento racista em nossa comunidade, e promovemos duas apresentações da performance Alá de Oxalá”, conta a professora de artes. Uma delas foi o trabalho valendo nota; a outra apresentação valeu cidadania, e contou com a participação de estudantes de outras turmas, turnos e semestres, que pediram para participar, bem como dos professores Franco Adriano dos Santos e José Nildo de Souza, que já trabalharam no CED 310 de Santa Maria e voltaram à escola para apoiar e prestigiar a atividade.

Além da presença da comunidade escolar, a apresentação extra da perfomance Alá de Oxalá foi prestigiada pelo presidente do Conselho de Umbanda e Candomblé, Rafael Moreira, e o diretor do Conselho, Laércio de Oliveira e Silva; pelo líder dos Defensores do Axé e Foafro-DF, Ògan Luiz Alves; João Batista Pereira de Souza, presidente da comissão de igualdade racial da OAB do Gama e Santa Maria, de assessores da deputada federal Erika Kokay e do diretor do Sinpro Levy Porto.

“O que foi ofertado para a comunidade escolar na performance no CED 310 corrobora com o que está inserido na lei e em vários documentos relativos à educação. Devemos compreender o espaço da escola pública como a maior expressão democrática da diversidade cultural, religiosa, ideológica e em todos os aspectos. Na escola pública deve caber todo mundo e, através da educação crítica e reflexiva, possibilitar aos estudantes uma formação que o respeito às diferenças deve sempre prevalecer”, aponta Levi.

 

Educação antirracista o ano inteiro

A vivência dos 20 anos da Lei 10.639/03 integra o projeto 365 dias de Consciência Negra, desenvolvido no CED 310 desde 2018 por iniciativa e colaboração da professora Margareth Alves, com apoio dos gestores(as) e professores(as). Durante todo o ano letivo, várias ações aconteceram na escola. “No primeiro semestre recebemos na escola o projeto África é nós, patrocinado pelo Fundo de Apoio à Cultura, com várias atividades e um desfile final”, conta a professora Lidi.

“Realizamos também uma Vivência Cultural Indígena, em que levamos 80 estudantes para percorrer exposições culturais, conhecer o Museu dos Povos Originários e participar de atividades junto à comunidade Guajajara acampada no Território dos Pajés no Setor Noroeste”, completa. Lidi explica que, na aldeia do Território dos Pajés, os e as estudantes tiveram a oportunidade de conhecer indígenas e suas lutas diárias. Depois comeram uma tapioca coletiva, ouviram os cantos e as crianças Guajajara.

Veio o segundo semestre e outro Circuito Vivencial Cultural foi realizado, desta vez para conhecerem quatro espaços culturais em Brasília e o Atelier do Artista Plástico Ricardo Stumm.

Houve todo um planejamento didático ao longo do ano letivo. Da mesma forma que contemplamos a visibilidade dos estudantes que antes não tinham voz nem vez, para expressar as suas tradições milenares advindas da raiz que forma o povo brasileiro.

Darcy Ribeiro tem uma frase épica : “O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.” Os resíduos deste período escravocrata persistem em todos os ataques que a cultura africana sofre em pleno século XXI.

Não é mais cabível nenhuma forma de demonização ou de qualquer preconceito acerca do tema. O povo brasileiro precisa expurgar tais perseguições à cultura que forma a identidade do seu povo.

O Sinpro parabeniza a professora Lidi, todo o corpo discente do CED 310 de Santa Maria e todas as outras escolas que realizaram eventos antirracistas com culminância no mês da consciência negra. Parabenizamos toda a categoria de professoras, professores, orientadoras e orientadores educacionais que cumprem com sua função social não só com relação à Lei 10.639/03, como também o trabalho contra todo tipo de preconceitos.

“É na escola onde devemos plantar, irrigar e cuidar da semente de uma sociedade sem racismo, e sem preconceitos de gênero, religião, orientação sexual, ou de capacitismo. É na escola que surge a sociedade com cidadãos tolerantes e capazes de conviver com o outro, com o diferente, com respeito e civilização. Nossos parabéns a todos e todas as profissionais da educação que não fogem à luta diária de cuidar do surgimento de uma sociedade plural”, afirma a diretora de imprensa do Sinpro, Letícia Montandon.

 

CLIQUE AQUI E CONFIRA O ÁLBUM DO EVENTO NO FACEBOOK