Mino Carta: as condições são favoráveis às Diretas Já

Prestes a completar 83 anos, Mino Carta é visivelmente alguém que se diverte com o trabalho. Um dos mais respeitados jornalistas do Brasil, criador de diversos títulos – alguns dos quais se arrepende, como a revista Veja – ele dirige hoje a CartaCapital, a única publicação semanal que não fala a mesma língua da imprensa oligopolizada e conservadora.
Nesta entrevista, concedida em seu escritório, em São Paulo, Mino afirma que acredita possível emplacar a campanha Diretas Já e ganhar a opinião pública no ano que vem, impedindo ou revogando a escolha do sucessor de Temer – cada vez mais carcomido – no Colégio Eleitoral.
Mas isso só acontecerá se as lideranças, sindicais inclusive, fizerem diálogo direto e franco com suas bases, no corpo-a-corpo. “Uma hora ou outra todos vão se dar conta da tragédia”, aposta o jornalista. Acompanhe:
 
CUT: Eu gostaria que você nos contasse como tem analisado o momento atual do país. Há um caos realmente, há uma guerra entre os poderes? Se você concorda com isso, como imagina que poderemos sair desta situação?
Mino Carta: Estamos saindo agora com uma edição que diz basicamente o que pensamos da situação. (Mino exibe a edição que acabava de ficar pronta, na última sexta-feira, em que uma foto do trio cômico Os Três Patetas acompanha a chamada “Os Três Poderes em Ação”). Que o caos se instalou, é inegável. Que a revista CartaCapital vaticinou esse desfecho inescapável é a sacrossanta verdade factual. Nós, desde o momento em que Dilma Rousseff assumiu o segundo mandato, nós vaticinamos um desfecho trágico. Que também tinha uma componente cômica.
Mesmo quando ela assumiu, antes mesmo da ameaça do impeachment?
No fundo, desde a eleição. Ao vencer, ela já ficou a perigo. Nós não deixamos, posteriormente, de criticar a Dilma, que havíamos apoiado, evidentemente, como candidata. Como apoiamos a primeira eleição dela, como apoiamos as duas eleições de Lula. Nós não temos a mais pálida sombra de dúvida que acertamos ao apoiar as duas candidaturas.  Mas não deixamos de ser críticos, muitas vezes. Tanto no caso de Lula quanto de Dilma. No caso de Dilma, acho gravíssimo o erro de ter chamado Joaquim Levy para a pasta da Fazenda. O que a levou, a meu ver, uma espécie de estelionato eleitoral, ao praticar uma política econômica oposta à do PT, de Lula e dela mesma.
Você teve oportunidade de falar com ela sobre isso?
Sim, claro. Em várias oportunidades.
E como foi?
(Risos). Não sei se você a conhece pessoalmente. Dilma é uma pessoa dotada em grande parte de certezas. Eu tenho muita inveja de gente assim. Eu sou assolado por dúvidas constantes sobre tudo. Ela me parece que tem praticamente só certezas. Então, é difícil dialogar com ela, embora eu tenha muito respeito por ela. E digo mais: muita simpatia. Considero-me um amigo da Dilma. Mas acho que ela errou, muito. Inclusive porque ela não tem a vocação política de Lula, extraordinária.  Ela tem dificuldades em conversar com políticos. E essa é uma necessidade, porque o PT, sozinho, não pode governar. Tem de achar uma aliança. Então, tratar bem os aliados é o mínimo que se pode fazer. Sem falar também num tratamento adequado aos empresários etc, etc. Mas sejamos claros. Na minha opinião, este é o país da casa-grande e da senzala até hoje. Vocês dos sindicatos sabem disso tão bem quanto eu, ou mais ainda. A aposta é sempre na resignação do povo brasileiro, que sofreu três séculos e meio de escravidão e que, em grande parte, ainda continua na senzala.
E que continua resignado neste momento. A impressão que tenho é que para a maioria das pessoas ainda não caiu a ficha.
Eu acho que sim, e isso me deixa muito contristado. Mas é preciso compreender, ou pelo menos entender, que uma hora ou outra todos vão se dar conta da tragédia. Que se antes havia toques de ópera bufa, agora só resta tragédia. O Brasil já está numa crise monstruosa, oficialmente, neste ano, regride 4%, e isso é um negócio infernal num país como o Brasil, onde tanta gente ainda passa grandes necessidades. Mas na verdade não são 4%. É muito mais (a queda do PIB), talvez chega a 10%. O índice de desemprego vai crescer muito. E uma coisa dentro desse contexto de empobrecimento progressivo, algo que eu temo, é o recrudescimento profundo, terrível, da criminalidade. Eu, no fundo, sempre achei que certos problemas do Brasil só se resolvem com sangue na calçada. Eu sei que o Lula não concorda com quem pensa no “prendo e arrebento”, mas eu acho que sem sangue na calçada há problemas que não serão resolvidos nunca. Mas, não espero isso pra já, e tampouco espero no médio prazo. Acho que o povo brasileiro não tem condições de fazer isso, até porque talvez faltem o Robespierre, o Danton (revolucionários na França do final do século 18), ou de um Lênin.Capa da edição desta semana
Você disse que as pessoas se darão conta da tragédia…
Sim, e muitos já se dão. Mas há uma característica que temos que levar em consideração, infelizmente o povo brasileiro vive com medo. Entrega-se facilmente à festa, ele é um pouco pueril nesse ponto de vista.
E quando essa percepção for unânime, ou quase unânime, quem você acha que poderia ser o porta-voz, o interlocutor, dessa massa revolta?
Eu não enxergo ninguém mais dotado para isso do que o Lula. Que na verdade eu considero o único líder popular autêntico. Só ele pode, só ele. Agora, acho que os sindicatos poderão ter um papel formidável. Olha, a Constituição italiana tem, em seu primeiro parágrafo, a afirmativa de que a república é baseada no trabalho. Repare na importância dessa centralidade logo na introdução. E o Getúlio Vargas copiou a Carta del Lavoro e criou a CLT. Claro que com o tempo a CLT se aperfeiçoou, incluiu novas coisas. E repare: agora eles querem rasgar a CLT!
Quem defende o fim da CLT usa justamente o argumento de que, por ser muito antiga, não serve mais para os tempos atuais.
Quem diz isso age de má-fé. Como de hábito. Nós estamos nas mãos de um bando de irresponsáveis, corruptos e corruptores. Esses são os senhores que mandam no país hoje. Secundados por juízes que fazem política, que não agem conforme manda o figurino constitucional. A partir desse juizeco curitibano, um pobre diabo, basta ouvi-lo falar para saber disso, visitante assíduo dos Estados Unidos para lá encontrar figuras do FBI, da CIA, onde ele se formou, inclusive. Todo o mês ele vai lá. Esse é o Sérgio Moro. E os juízes da Suprema Corte, agem melhor? Não, não. Ou se omitem vergonhosamente ou fazem política abertamente. Isso não é um país, não é uma democracia, é o caos, exatamente. Com a polícia, que representa a força e substitui os tanques de outrora, e uma mídia que tem um lado só, e que não faz jornalismo, faz propaganda. Estamos numa droga. E o operário, sindicalizado, tem de se conscientizar disso. Não é para aderir ao PT ou fazer não sei o que. Ou partir para manchar de sangue as calçadas. É uma questão de ter consciência do que está acontecendo, de que ele está sendo a vítima. Essa coisa da Previdência, por exemplo, é inenarrável. E a PEC que congela os investimentos em saúde e educação só vai aprofundar essa situação caótica. Mas acho que há espaço para maturação. As pessoas se darão conta: ‘Ora, tiraram a Dilma, destruíram o PT, isso não resolveria tudo?’.
Se você tivesse a oportunidade de dar uma sugestão a um dirigente sindical de como trabalhar para conscientizar os seus representados, que dica prática daria?
Eu falava há pouco da conversa inteligente, bem dirigida, argumentação sólida, bem alicerçada. Criar condições de levar o verbo ao operário.
No corpo-a-corpo, no tête-a-tête?
Sim. Formar grupos, fazer reuniões, dizer: ‘Como é que é? Como está o custo da vida? Como está você? E seus filhos? Choram muito, não choram? E a escola dos seus filhos? E se você ficar doente?’ Vamos considerar a questão nua e crua, sem ideologia, não é preciso. ‘Mas eles não diziam que com o impeachment da Dilma estava tudo resolvido?’ Como que um país como esse dá pra trás?
Então, a política olho no olho continua fundamental?
Fundamental.
Uma das críticas que o movimento sindical tem recebido, e também tem feito autocrítica, é de que se afastou das bases.
Claro. E isso também é um problema do PT. O PT errou demais nisso. Se afastou das periferias. O próprio Haddad (Fernando, prefeito de São Paulo) mostrou um pouco isso. Um prefeito tem de estar na periferia todos os dias. Me pergunto se ele não teria tido outro resultado se tivesse cuidado melhor disso.
Consumado o golpe, os movimentos sociais, que criaram a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo para resistir ao golpe, agora buscam um novo caminho, inclusive para conquistar a simpatia popular. E surgiu o lema das Diretas Já. A própria CartaCapital já defendeu essa ideia.  É possível construir isso no curto prazo? E como conseguir conquistar a opinião pública, sendo que a grande mídia não vai apoiar a proposta?
À parte essas dificuldades todas, eu creio que há um sentimento que começa a ser delineado. E um fator muito importante é o comportamento da juventude. Essa turma tem mais peito do que os trabalhadores. Eles ocupam suas escolas. Vão lá, pra brigar. Há um momento que você não pode escapar a esse tipo de refrega. É inevitável, e necessário.
Eles repelem os partidos tradicionais.
Não, com os partidos tradicionais eles estão agastados. E isso também é reflexo, infelizmente, do comportamento do PT. O PT não cuidou, a partir da eleição de Lula, de manter aquele ímpeto que levou o Lula à Presidência da República.
Os estudantes estão organizados, mas de uma forma que eles denominam horizontal, sem lideranças definidas…
Mas haverá. Mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente haverá. Disso tudo nascem líderes. O trabalho dos sindicatos, por exemplo, nesse corpo-a-corpo, vai criar líderes. Mas tem de haver corpo-a-corpo.
Sair do ar-condicionado.
Sim, e sem receios, sem medo. Ir e falar, a partir de questões práticas. Não se trata de fazer ideologia. Os garotos não querem partidos porque não querem doutrinação à moda antiga. Vamos dizer: ‘Não houve um golpe? Não diziam que o golpe seria salutar para todos nós? E o que aconteceu? Como é que é, tem arroz, tem feijão, tem tudo?’.  É isso.
Nesse contexto, a proposta de Diretas Já seria então uma saída?
Acho que sim. Qual seria a saída? No caso da Itália, com a queda do Matteo Renzi (ex-presidente), qual a saída? Eleições diretas. Não já, porque no caso deles é preciso ainda ajustar a lei eleitoral. Lá se fala em antecipar a eleição em até oito meses em relação ao calendário previsto. Pode acontecer em 2017. É a solução. Agora, o Brasil tem essa maturidade? É mais complicado. Acho que a campanha poderia deslanchar a partir de uma melhor compreensão da situação. Esse é o trabalho fundamental a fazer. Levar as pessoas a entender o que está acontecendo.
Sabemos que se Temer atravessar o dia 31 de dezembro ainda na cadeira presidencial, teremos um colégio eleitoral, a exemplo do que aconteceu em 1984. Como agir com rapidez para impedir isso?
Temos de mostrar que a queda da Dilma e a perseguição obsessiva ao Lula não resolveram os problemas, ao contrário, criaram outros que não existiam. Inflação, recessão brutal, corruptos em cargos importantes. O Colégio Eleitoral só vai piorar as coisas, sejam quais forem os candidatos que entrarem nesse jogada. Ainda mais a partir de um Congresso absolutamente desmoralizado e uma justiça que não funciona. Imagina só o que acontece se chamam um Nelson Jobim, um Fernando Henrique Cardoso – pobre diabo? Eu acho que é possível construir Diretas Já em 2017, com um trabalho de conscientização. As condições são muito favoráveis.
Com Lula presidente?
Mas é claro.
 
Com informações da CUT