Militarização vai contra Constituição, ECA e LDB

Dissertação de mestrado de professor do CEF10 do Gama ouviu 17 docentes de escolas periféricas do DF

Acaba de ser adicionada ao repositório da biblioteca da Universidade de Brasília a dissertação de mestrado do colega Amaral Rodrigues Gomes, que atualmente está lotado no CEF 10 do Gama.

Intitulada Militarização de escolas públicas no Distrito Federal (2019-2020): o que dizem os professores?, a dissertação de mestrado de Gomes ouviu, em entrevista virtual, 17 docentes de escolas públicas periféricas já militarizadas.

Em seu estudo, Gomes concluiu que “a implantação do regime de militarização de escolas públicas caracteriza uma contradição com as concepções teóricas contidas no currículo, uma vez que a escola militarizada impõe uma série de normas que ferem os princípios de liberdade estabelecidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição Federal de 1988.”

 

Entrevistas com 17 docentes

No estudo de Gomes, 9 docentes entrevistados se declararam contrários à militarização, contra 7 que se disseram favoráveis e um que se absteve, pois queria observar o retorno das aulas presenciais para ter um posicionamento, uma vez que a militarização ocorreu a pedido da própria comunidade escolar.

Foi realizada também a análise documental a partir do Currículo em Movimentos das Escolas Públicas do Distrito Federal e das Propostas Pedagógicas (2020) das 12 escolas militarizadas, e foram encontradas contradições em relação à concepção de educação prevista nos documentos, tendo em vista que se alinham a tendências críticas não reprodutivistas: Saviani (Pedagogia Histórico Crítica) e Paulo Freire (Tendência Libertadora).

 

Contradição com várias leis

Em sua dissertação, o professor lembra ainda que a Gestão Democrática aprovada no governo de Agnelo Queiroz (PT) estabelece a eleição direta da direção das unidades escolares pela comunidade escolar e, para poderem participar da eleição, os candidatos devem necessariamente pertencer às carreiras do Magistério Público (pelo menos um indivíduo) ou de assistência à educação do DF. A inserção de militares nesse processo fere esse princípio, o que gera um precedente perigoso segundo o professor.

“Quando se inserem militares na escola, sejam eles da PM, do CMB ou da FA, há uma desconfiguração da referida lei [da Gestão Democrática]; além disso são pessoas que, muitas vezes, não têm formação específica na área de educação e são oriundos de corporações que treinam a obediência sem questionamentos.” O estudo conclui que a militarização das escolas públicas é uma contradição, “pois a pluralidade cultural, garantida pela Constituição Federal, pela LDB e pelo próprio ECA é violada a partir de uma padronização imposta pelas forças de segurança que compõem a gestão escolar das escolas públicas militarizadas do DF.”

 

Militarização afasta, segrega e padroniza em excesso

O projeto segrega e não inclui. Em outras unidades da federação, o uniforme das escolas militarizadas é cobrado. Isso (ainda) não ocorre no DF, cujos estudantes usam blusa branca e calça jeans. Um dos professores entrevistados para a dissertação de Gomes lembra que se ocorrer essa cobrança haverá possivelmente mais adolescentes sendo excluídos de uma escola pública, ainda que muitos já o sejam quando não se sujeitam ao conjunto de regras impostas pelos militares, presentes no Regimento Escolar, regulamento básico do uniforme e pelo regulamento disciplinar.

Os entrevistados que se declararam contrários à militarização se mostraram preocupados com o excesso de padronização imposta pela militarização, consequentemente com o podamento das manifestações culturais diversas inerentes e com questões identitárias dos adolescentes. “Além disso, o trabalho na escola, principalmente aquele voltado para que os negros assumam sua negritude (muitos usavam cabelo rastafari, Black Power), foi também eliminado com a militarização.”

 

Menos polícia, mais inclusão

A escola não necessita de polícia, mas de política de inclusão, principalmente nas localidades de maior vulnerabilidade social. O texto de análise de dados traz uma preocupação quanto à perda de autonomia do direito de cátedra, principalmente numa época em que vivenciamos uma miríade de projetos conservadores que tentam minar o trabalho do professor.

 

É papel do professor

Gomes conclui que “os docentes da educação que defendem uma escola pública, gratuita, laica e inclusiva necessitam se organizar para combater o discurso de quem aponta a escola insuficiente e apoia uma maior divisão social do trabalho dentro da escola, pois Florestan Fernandes, em O Desafio Educacional (Ed. Expressão Popular), alerta acerca dos que desqualificam a escola pública com a finalidade e a defesa de que a educação seja uma mercadoria. Nesse sentido, o professor deve assumir a luta em defesa da escola pública e, que acima de tudo, contribua no processo de emancipação humana.”

Além de professor do CEF 10 do Gama, Amaral Rodrigues Gomes é membro  do Grupo de Estudos Materialismo Histórico Dialético em Educação UnB, coordenado pelo professor Erlando da Silva Rêses.

 

Sinpro na Luta

A dissertação de Gomes usou informações disponíveis no site do Sinpro como referência bibliográfica, inclusive um artigo da professora Edileuza Fernandes silva sobre Defender o Currículo em Movimento e resistir à BNCC, de maio de 2018.  

Quem quiser ler mais sobre a dissertação de Amaral Gomes pode baixá-la diretamente da biblioteca virtual da UnB.