Justiça suspende implementação de escolas cívico-militares em São Paulo

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suspendeu a lei das escolas cívico-militares, criada e sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos,) no estado. O desembargador Figueiredo Gonçalves acatou pedido da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e decidiu que o projeto deve ficar suspenso até o julgamento por inconstitucionalidade que corre no STF – Superior Tribunal Federal.

Em sua decisão, o desembargador afirma que “é certo que se suscitam sérias controversas acerca da constitucionalidade desse programa, o que não recomenda sua implementação desde já, antes de decisão final acerca do tema”. Agora, cabe ao STF definir pela inconstitucionalidade ou não do projeto, a partir da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7662.

A Apeoesp comemorou a vitória: “Vamos prosseguir e intensificar nossa campanha contra as escolas-quartel em todo o estado, para garantir que não haja nenhum retrocesso nesta decisão e para conquistarmos cada vez mais corações e mentes em defesa de uma escola pública que garanta formação básica de qualidade para todos e todas, em ambiente de liberdade, diálogo e construção dos sonhos da nossa juventude”, afirmou o sindicato em seu boletim.

Em nota à imprensa, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) também considerou a decisão uma grande vitória : “O modelo de escola militar não resolverá os imensos desafios da educação. Enquanto o foco para o aprimoramento deve ser a valorização dos professores, o investimento em infraestrutura e até a compra de itens básicos, o governo de São Paulo direciona sua atenção a um projeto que não tem qualquer fundamento para garantia na qualidade do ensino oferecido ou um clima de aprendizado saudável”, disse a entidade.

Importantes manifestações contrárias à lei das escolas militarizadas em São Paulo já haviam sido publicizadas antes da decisão do TJSP. A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou manifestação ao STF em que expressa seu entendimento de que o projeto é inconstitucional. Da mesma forma, o Ministério Público Federal (MPF) enviou uma representação à Procuradoria-Geral da República (PGR) na qual também afirma que a lei de Tarcísio é inconstitucional.

 

Resistência

O texto da lei, de autoria do governador Tarcísio Freitas (Republicanos), foi aprovado em 21 de maio na Assembleia Legislativa de SP por 54 votos a favor e 21 contra. A sessão foi marcada por violência policial, repressão e até detenção de estudantes que protestavam. Uma demonstração ao vivo e a cores de como a polícia se relaciona com estudantes.

Em diversas escolas, há mobilização da comunidade contra a adesão ao projeto. Ganhou destaque na imprensa o caso da escola Vladimir Herzog, em São Bernardo do Campo, que leva o nome do jornalista brutalmente torturado e assassinado pelo regime militar em 1975, e que se tornou um símbolo da luta por democracia. A escola era uma das que havia manifestado interesse em implementar o modelo, mas a pressão da comunidade e da sociedade em geral fez com que a direção recuasse e retirasse a manifestação de interesse.

Recentemente, o diretor da escola Guiomar Rocha Rinaldi, na capital paulista, virou notícia e foi afastado do cargo por tentativa de censura e intimidação, após enviar um comunicado aos profissionais da escola orientando que eles não expressem publicamente seu ponto de vista sobre a militarização.

 

Os absurdos são muitos

Em São Paulo, as regras definidas pela secretaria para a “consulta” à comunidade têm sido muito questionadas: não é possível auditar a votação; e a maioria dos estudantes que potencialmente serão afetados não terá direito ao voto direto, por serem menores de 16 anos.

Além disso, o jornal Folha de S. Paulo revelou que os policiais militares aposentados que atuarem em escolas militarizadas vão receber um adicional de até R$ 6.034 — valor 13% maior que o piso salarial dos profissionais do magistério em São Paulo.

As críticas e questionamentos à militarização são semelhantes em todo o país, de movimentos da área da educação, especialistas e judiciário. Para Flavio José Roman, advogado-geral da União substituto, por exemplo, a lei estadual pela militarização e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) são incompatíveis.

Em sua manifestação à PGR, o procurador federal Nicolao Dino lembrou, entre outros pontos, que a chamada de militares da reserva para funções pedagógicas sem a exigência de formação específica ou aprovação em concurso público afronta o princípio constitucional de valorização dos profissionais de educação; além de configurar desvio de função da força militar.

Dino ressaltou ainda que a militarização abre caminho para contrariar o princípio da gestão democrática. Além disso, não há evidências científicas nem estudos conclusivos que atestem que o modelo cívico-militar implique na melhora no comportamento dos alunos e na qualidade do ensino.

 

No DF

Em nota técnica expedida ainda em 2022, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) utilizou esses argumentos para questionar a legalidade do projeto de militarização de Ibaneis.

O documento, expedido pela 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc), destaca a ausência de dados que comprovem o sucesso da proposta de militarização das escolas públicas: “Transcorridos 3 anos desde o início da implementação da Gestão Compartilhada, não apresentou a Secretaria de Educação o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB das unidades participantes, tampouco o índice de evasão escolar, índice de aprovação/reprovação, número de pedidos de transferências, entre outras informações requisitadas pelo Ministério Público, a fim de demonstrar a melhoria na qualidade do ensino”, aponta trecho da nota técnica.

A nota técnica do MPDFT alega também que a presença de policiais militares na função de direção compartilhada nas escolas públicas configura desvio de função. Pela Constituição Federal, profissionais da educação escolar da rede pública só podem ingressar na carreira por concurso público.

Além dessas questões, que vêm sendo levantadas nos questionamentos Brasil afora, o documento do MPDFT destaca os flagrantes atos de desrespeito contra os direitos humanos identificados na experiência específica do DF. São muitos os casos de abuso de autoridade, cerceamento à liberdade de expressão, interferência nos processos pedagógicos, intimidação de profissionais e de estudantes e, ainda, casos de assédio já foram fartamente denunciados por meio da imprensa.

>>> Leia mais: Ministério Público derruba legalidade de escolas militarizadas

O STF também deve analisar ação impetrada em 2021 questionando a legalidade da lei estadual paranaense que criou as escolas militarizadas. A ação continua sem uma decisão há quase três anos.

 

MATÉRIAS EM LIBRAS