Militarização de escolas públicas: a forma mal-intencionada de privatizar a educação

(*) Por Júlio Barros

Ainda na campanha eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro avisou à população brasileira que seu governo seria dedicado ao desmonte de todos os setores organizados pelo Estado nacional que caracterizam o Brasil como uma nação independente e autônoma. No seu “Programa de Governo”, apresentado antes de ser eleito, ele apresentou o projeto de como transformaria um País soberano e em desenvolvimento em neocolônia de países imperialistas, do sistema financeiro, de rentistas e de empresas multinacionais.

 

No documento de 2018, reeditado este ano para a eleição 2022, ele mostrou, como faria com a Educação e a Saúde e declarou que aprofundaria a Emenda Constitucional 95/2016, que realizou cortes desnecessários e nefastos na economia nacional. Dentre os projetos de demolição da Educação pública, Bolsonaro pôs em curso o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), que nada mais é do que o desvio de finalidade das polícias, a implantação de uma educação vazia, anticidadã, autoritária e privatista. Uma espécie de primeiro ensaio para a mercantilização total do imenso Sistema Público de Educação, construído com dinheiro público durante mais de 100 anos e a transformação do ensino em educação mecânica e bancária.

 

Por isso, desde janeiro de 2019, ocorrem abusos de poder e outras ações persecutórias que infringem e descaracterizam a Lei de Gestão Democrática nas escolas e uma perseguição autoritária de professoras e professores que oferecem educação de qualidade. É nesse contexto que ocorre a exoneração, no dia 3 de maio deste ano, da professora Luciana Martins, vice-diretora do Centro Educacional 01 da Cidade Estrutural (CED 01 Estrutural), uma escola militarizada.

 

A professora exonerada tinha um histórico de perseguição policial desde que defendeu a autonomia da escola de abordar o Dia da Consciência Negra em novembro de 2021. A iniciativa incomodou a tropa quando estudantes usaram os murais para denunciarem as ações racistas da corporação País afora, todas estatisticamente comprovadas. Em nota acerca dessa exoneração, o Sinpro foi assertivo ao afirmar que esse é mais uma prova da falência do modelo de militarização escolar.

 

O fato é que desde os primeiros anúncios desse projeto, o Sinpro se posicionou fortemente contrário e passou a denunciar o PECIM, que o governo federal pôs em curso de forma açodada e sorrateira. É o tipo de projeto que deve ser anulado, extinto e seus operadores presos por crime de lesa-pátria porque, dentre várias transgressões graves, desrespeita as férias da comunidade escolar na maior parte do País. Para além desses motivos acima mencionados, os quais, por si só, já são suficientes para a anulação desse projeto e a responsabilização dos culpados, somos contra ele por muitos motivos.

 

Primeiro, pelo fato de haver uma total incompatibilidade do PECIM com a nossa Lei de Gestão Democrática, com a Constituição Federal, com o Plano Nacional de Educação (PNE), com o Plano Distrital de Educação (PDE), enfim, com todas as leis que sustentam o consolidado e imenso Sistema Público de Educação Brasileiro, construído democraticamente por mais de 100 anos e referência mundial em ensino público e gratuito. Militarizar as escolas significa infringir todas as leis, ir contra os princípios constitucionais de uma escola pública, gratuita, democrática, laica, inclusiva, com igualdade de condições de acesso, permanência e sucesso, pautada no pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. A militarização fortalece a política do terror e à instalação do medo para o cumprimento e a aceitação de regras em detrimento do processo educativo.

 

Em segundo lugar, não existe, até hoje, uma lei para regulamentar a Portaria Conjunta 01/2019 da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal (SEE-DF) com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP-DF). Em terceiro lugar, dentre os objetivos da militarização, destacamos a censura à liberdade de cátedra, uma conquista histórica da população brasileira e uma característica inerente à educação paga com dinheiro público. Os(as) professores(as) que lecionam em escolas militarizadas afirmam que o ambiente é hostil, que são coagidos diariamente e que há intervenção e ingerência da Polícia Militar (PM) em toda a organização, gestão e prática pedagógicas.

 

Em quarto lugar, somos contra o PECIM porque depois dele cresceu, assustadoramente, as denúncias de assédio moral e sexual nas escolas. Em quinto, os(as) profissionais da PM e da SSP não têm formação nem perfil e muito menos preparo pedagógico para atuarem com os(as) estudantes. São policiais doentes, afastados do serviço da PM e até mesmo aposentados por diversas doenças psicológicas graves e problemas mentais muito sérios, como, por exemplo, estresse, depressão, ansiedade, descontrole emocional.

 

Enfim, que fique claro que nós, do Sinpro, não somos contrários à PM, mas é preciso haver discernimento, maturidade e responsabilidade para entender que o lugar da PM é dentro das competências para as quais ela foi criada, é nas ruas combatendo a violência que está na sociedade, nos portões e nos arredores das escolas em parceria com ao Batalhão Escolar. Ainda mais quando existe um déficit de cerca de sete mil policiais no efetivo do DF. Os(as) policiais doentes devem ser aposentados(as) e encaminhados para outras soluções. Afinal, reconhecemos que a ação policial realmente adoece qualquer pessoa. Contudo, a escola pública, que está formando crianças e adolescentes para a vida, não é uma clínica que esses profissionais da segurança prejudicados pelo exercício da profissão irão fazer terapia ocupacional.

 

Observamos que a educação pública do nosso País se tornou objeto de desejos estranhos ao mundo da educação e consideramos essa captura da gestão pelas corporações militares de esdrúxula e, muitas vezes, até mesmo, mal-intencionadas. Afinal, já vimos esse filme antes, que segue um roteiro midiático (da imprensa neoliberal), focado na espetacularização e dramatização de casos de violência para criar comoção, envolver a comunidade e privatizar o direito à escola pública. Diga-se de passagem que são argumentos sedutores, mas todos falsificados.

 

Enfim, no entendimento do Sinpro, educação se faz com investimentos financeiros públicos, por isso defendemos a valorização dos(as) professores(as), dos(as) orientadores(as) educacionais, do Batalhão Escolar, da geração de emprego e renda para as famílias que utilizam a escola pública, e, fundamentalmente, do cumprimento das metas do Plano Distrital de Educação (PDE). Vale ressaltar que, apesar de todas essas e outras adversidades não mencionadas aqui, o Distrito Federal se destaca no País e no mundo pela qualidade da educação que oferta na escola pública.

 

Para ver isso, basta, por exemplo, observar como estamos em relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Temos muito o que avançar, melhorar e desenvolver na educação e na sociedade para controlarmos a violência social, mas, sem dúvida nenhuma, essa mudança não passa pela militarização das escolas públicas. Esse projeto autoritário, errado e manipulado chamado de “gestão compartilhada” é a forma autoritária de governo federal e distrital privatizarem a Educação.

 

 

(*) Por Júlio Barros, professor da SEE-DF, diretor do Sinpro-DF, coordenador do Fórum Distrital de Educação (FDE) e mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB).