Militarização das escolas públicas: engodo para combater a violência e melhorar o desempenho escolar

Por Rosilene Corrêa
A crescente entrega da gestão de escolas públicas e gratuitas à Polícia Militar (PM) em diferentes estados do país e, agora, no Distrito Federal, acende-nos um sinal de alerta. A chamada “militarização” das escolas públicas se apresenta como resposta à crescente violência seja contra professores, servidores e entre os(as) próprios(as) estudantes.
Retrocessos e ataques à educação.
Nos últimos anos o Brasil tem passado por retrocessos assustadores.  A educação não ficou imune.
Os ataques à educação têm sido sistemáticos, destacando-se:
A partir dos anos 1990 a educação pública brasileira se tornou objeto de desejo do capitalismo, que viu ali um grande mercado a ser explorado. Começou com a prestação de assessorias técnicas e cursos de formação de professores. Em seguida vieram a produção e venda de apostilas com conteúdos educacionais. Grandes redes internacionais lançaram seus tentáculos sobre escolas privadas e, particularmente, passaram a atuar junto às prefeituras praticamente definindo a concepção curricular de muitas redes municipais. A terceirização/privatização da educação pública é um horizonte cada vez mais próximo.
A Base Nacional Comum Curricular – BNCC se tornou espaço para a ofensiva política de empresas e bancadas parlamentares vinculadas a interesses religiosos e empresariais.
Os conteúdos das escolas públicas passaram a ser disputados. Destaca-se o “Escola sem Partido”, que está em um verdadeiro ringue de luta.
Dentre as ações para  desmontar o conceito de escola como espaço democrático, de formação cidadã, está a militarização das escolas públicas.
Com um discurso baseado na espetacularização dos casos de violência nas escolas, parte da sociedade, de pais e de professores, acredita ser a militarização da escola a solução para a insegurança cotidiana a que são submetidos. E esse fenômeno tem se reproduzido por todo o país, com mais intensidade nos estados das Regiões Norte e Centro-Oeste. Em Goiás, por exemplo, até meados de 2018, eram 46 escolas, com 53 mil estudantes, sob a administração da Polícia Militar.
O Distrito Federal não ficou imune a esse movimento de militarização. Ao assumir o governo, Ibaneis Rocha, sem qualquer diálogo com a comunidade escolar, anuncia como parte do programa SOS Segurança, que escolas da Estrutural, Ceilândia, Recanto das Emas e Sobradinho receberão projeto piloto de formação de estudantes pela Polícia Militar.
Essa política se alinha ao Decreto nº 9.665, de 2 de janeiro de 2019, que cria no MEC  a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares.
A escolha das regiões, segundo o GDF, se deve ao fato de que essas regiões apresentam “alto índice de criminalidade” e têm estudantes com “baixo desempenho” escolar.
Essas unidades de ensino adotarão o mesmo formato das escolas militares .A proposta é que  cada escola receberá de 20 a 25 militares que serão aqueles que “estão com restrição médica e na reserva”. Ou seja, os policiais militares necessariamente não terão vínculos anteriores com educação civil ou mesmo qualquer outro modelo educacional.
A cartilha militar é definida como regimento escolar. O cotidiano do estudante é profundamente alterado: a aprendizagem passa a se dar pela repressão e por normas rígidas de comportamento. É obrigatório o uniforme militar completo de estudante. O corte de cabelo dos meninos segue o padrão militar e as meninas devem manter o seu preso.
Os professores também devem cumprir as regras estabelecidas: usar jalecos que vão até os joelhos, manter barba aparada, cabelos bem penteados, não usarem acessórios “extravagantes”, como brincos de argola grande e lenços coloridos.
Há, nas instituições que adotaram o modelo militar, inúmeros casos de professores que não resistem à pressão e pedem transferências para outras escolas. E este passa a ser mais um componente das doenças ocupacionais de nossa categoria.
Militarização não é solução.
A violência em nosso país é estrutural. A miséria, a discriminação, a desigualdade são elementos geradores de ações agressivas. Áreas de vulnerabilidade social, econômica e cultural, alijadas de políticas públicas de saúde, assistência social, educação de qualidade, apresentam problemas de furtos, roubos, assaltos, drogas, assassinatos.
A escola é reflexo da sociedade onde está inserida. Não há possibilidade de espaços educativos e familiares serem oásis de tranquilidade. Quanto mais violenta e discriminadora for a sociedade mais ações dessa natureza serão reproduzidas.
A situação atual no Brasil, agravada pelo ambiente eleitoral de 2018 e com a eleição de um presidente que concretiza, em discursos e ações, a violência, o uso de armas, a discriminação, o deboche com a diversidade, leva as pessoas a acreditarem que com violência se resolve a violência. E que somente a disciplina e a repressão enquadram os “promotores” de atos de intimidação moral e/ou física.
As manifestações de agressividade são diversas. O punitivismo em si, adotado pelos modelos militares, é uma forma de violência. Segundo Foucault, dentre as táticas punitivitas estão a exclusão, que exila, e a imposição de reparo, que, em geral, impinge uma cicatriz, uma mancha humilhante ao “não ajustado”.
O portal Desacato (http://desacato.info/) cita “5 razões contra a militarização de escolas”, que sintetizam os principais elementos dessa lógica punitivista:
O despreparo educacional dos policiais, que substituem o debate de ideias pela coerção; a adoção do regime disciplinar arbitrário; a relativização dos conceitos de direito, garantias e liberdades, subordinados a um rol de deveres; a associação da noção de bom cidadão à obediência, mesmo que isso o tolha de suas individualidades e direitos, perpetuando ainda mais as desigualdades e a discriminação; a apologia ao regime de dominação rigorosa, reafirmando o ciclo de dominação e violência na qual se formaram.
Ao adotar práticas externas aos processos educativos, além de excluir educadoras e educadores da feitura do fazer escolar, atestaria que professores de escolas públicas e gratuitas, comunidade escolar, sociedade etc. se tornaram incapazes de superar os quadros de indisciplina e de educar com democracia, respeito, ética, solidariedade.
Políticas imediatistas, definidas ao calor da crise, sem reflexão e debate com os envolvidos, alimentadas por intenções populistas e de garantia de altos resultados, mesmo que pouco duradouros, nos jogam na aventura e no desperdício de recursos financeiros públicos e afetarão negativamente a vida de milhares de crianças e adolescentes, e dos educadores.
Caminhos?  Escola democrática, com condições de trabalho e profissionais valorizados.
Os princípios constitucionais da educação definem uma escola pública, gratuita, democrática, com igualdade de condições de acesso e permanência, pautada no pluralismo de ideias e concepções pedagógicas plurais.
A valorização dos profissionais da educação, com salários dignos, oportunidades de qualificação, é tão importante quanto os investimentos na educação pública, propiciando estruturas educacionais adequadas, com equipamentos que estimulem o ensino-aprendizagem.
A democratização dos espaços escolares, com gestões participativas que envolvam toda a comunidade escolar, responsabilizando-a de forma compartilhada pelo processo educacional é fundamental para a diminuição e a superação dos problemas, incluindo aí os de aprendizagem e de violência.
Porém, para os atuais gestores eleitos do Brasil, o diálogo e as avaliações profundas e participativas pouco interessam quando o objetivo é criar um programa aparentemente espalhafatoso, que polemiza e chama atenção, mas que irá interditar o futuro de nossas crianças e adolescentes e o desenvolvimento do país.
Então, a resistência é nossa. Precisamos alertar a comunidade escolar de que liberdade, justiça, ética e autonomia das pessoas, da escola e da sociedade, para além de conteúdos programáticos, são fundamentais para a formação de cidadãos comprometidos com a construção de um país democrático.
E para não esquecer Paulo Freire: “E nós estamos ainda no processo de aprender como fazer democracia. E a luta por ela passa pela luta contra todo tipo de autoritarismo”.
*Professora  da rede pública de ensino do DF, diretora do Sinpro-DF, da CNTE e da CUT