Dissertação de mestrado sobre militarização contesta que rigidez de disciplina melhore o desempenho

O endurecimento da disciplina e a diminuição da violência por meio da militarização de escolas públicas do DF resultam em melhor desempenho dos estudantes? Essa é a pesquisa que Antonio Eustáquio Ribeiro, que foi professor da Secretaria de Educação (SEEDF) entre 2002 e 2015, realizou em sua dissertação de mestrado “Escolas cívico-militares do distrito federal, desempenho, disciplina e violência: a visão dos atores da comunidade escolar”. A dissertação foi apresentada para a conclusão do mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas; oferecido pela Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais Sede Brasil) em parceria com a Fundação Perseu Abramo.

O trabalho procura investigar se a linha mestra do discurso do GDF para justificar a implantação do modelo se sustenta: se a adoção de um modelo que coloca a disciplina militar como elemento central favorece o desempenho dos estudantes. Para tanto, Antônio traça um raio-x das escolas pesquisadas – as quatro que compuseram o projeto piloto (CED 01 da Estrutural, CED 03 de Sobradinho, CED 07 da Ceilândia e CED 308 do Recanto das Emas) -, considerando o espaço geográfico onde se situam (região administrativa) e o perfil da população local. A dissertação se apoia em indicadores de desempenho nacionais (como SAEB e ENEM), além de dados das próprias escolas sobre a evolução da aprovação e da reprovação.

Para desenvolver suas reflexões, o professor aborda a violência escolar, busca levantar os fatores que influenciam o desempenho, e traz o debate sobre a gestão democrática, uma vez que o modelo agride frontalmente a democratização da gestão. Os resultados apontam para a não realização da promessa: “O bom desempenho das escolas tipicamente militares se ancora em outros elementos além da questão disciplinar”, aponta o professor Antônio. “Na dissertação, também evidencio males causados pelo modelo nas escolas da rede pública, dentre os quais a perda da democracia, além da criação de comportamentos calcados no medo e não na fraternidade que deve nortear uma boa convivência social”, destaca.

Antônio encontra que o fato de as escolas estarem localizadas em regiões periféricas é um dado importante na análise. “Apesar de o modelo ser bastante disseminado pelo país, a literatura aponta para a sua ineficiência, bem como para a incongruência com relação à concepção de uma educação formadora, emancipadora e democrática” – diz o resumo do trabalho.

Confira abaixo uma breve entrevista com o professor Antonio Eustáquio Ribeiro. Ele é graduado em Letras – Português, pós-graduado em Gestão Escolar e Gestão Financeira, e mestre em Políticas Públicas. Foi professor da Secretaria da Educação do DF entre 2002 e 2015, dirigente sindical bancário de 1995 a 2022, e é diretor do Dieese desde 1997. É bancário aposentado pelo Banco de Brasília (BRB). Para ler a íntegra da dissertação, clique AQUI.

 

1 – Quais as diferenças mais importantes entre escolas militarizadas e as escolas regulares da rede pública do DF, sob o ponto de vista do desempenho dos estudantes e de outros que o senhor julga importantes?

Existem diversas diferenças entre uma escola militarizada e uma regular, mas, até para não me estender muito, vou me ater a dois aspectos: o desempenho e problemas decorrentes da presença de policiais nas escolas controlando a disciplina. Sobre o desempenho, o governo de Ibaneis Rocha (MDB) utilizou como principal argumento para a implantação do projeto um discurso se utilizando do resultado dos estudantes de escolas militares típicas (chamo assim as escolas vinculadas às forças militares como o Colégio Militar do Exército). Tal comparação é absolutamente infeliz, pois outros elementos devem ser considerados nesta equação, seleção para ingresso, cobrança de mensalidades mesmo que baixas, e principalmente o repertório dos estudantes que entram nestas escolas (o que Bourdieu chama de capital cultural), em função de serem geralmente filhos de pais de classe média. Então, embora o período analisado seja ainda considerado pequeno (três anos), já é possível ter algumas indicações de que esta elevação de desempenho não acontece. Os dados das escolas que compuseram o projeto piloto (CED 01 da Estrutural, CED 03 de Sobradinho, CED 07 de Ceilândia e CED 308 do Recanto das Emas), iniciado no ano letivo de 2019, a partir dos resultados do ENEM, SAEB e dados das próprias escolas, não evidenciam isto, apresentando um comportamento muito semelhante ao que havia anteriormente, ou até ligeiramente pior. Claro que temos de considerar também que neste intervalo de tempo atravessamos o período mais agudo da pandemia de Covid-19, que impactou sobremaneira as escolas e consequentemente os alunos.

Por outro lado, pude perceber ocorrências nas escolas militarizadas que são preocupantes e demonstram a inconveniência do modelo. Diversos militares, treinados e acostumados a um ambiente em que lidam efetivamente com violência real, acabaram por protagonizar episódios violentos contra os estudantes e até professores e gestores, o que é o oposto do que deve nortear uma escola fraterna, inclusiva e emancipadora. Creio serem estes os elementos centrais derivados de minha pesquisa.

2 – Uma vez que a promessa de melhoria de desempenho não foi cumprida, qual, na opinião do senhor, é a verdadeira razão para insistência em tal projeto?

Eu creio que o que se pretende é, utilizando o conceito de Foucault sobre a disciplina dos corpos, buscar um adestramento, uma subjugação dos setores da sociedade que são, invariavelmente, considerados inferiores pelas classes dominantes, ou seja, os pobres. A demonstração cabal disto se dá até pela localização das escolas que receberam o projeto piloto, e também as que entraram posteriormente no programa, todas em regiões em que predominam moradores de mais baixa renda, com baixo repertório cultural e crítico, muito mais passíveis desta ação deletéria de subjugação.

Outro aspecto, que se comunica com o que disse acima, é tornar a escola formadora de sujeitos passivos, que sejam incapazes de ter consciência crítica, obedientes cegos às ordens, independentemente de onde venham ou realmente valham. Isto se acomoda na visão dominante de que aos pobres deve ser destinada uma escola que os torne produtivos para serem empregados passivos, sem capacidade crítica de questionamentos, tal qual o que foi feito na ditadura civil/militar de 1964, que buscou suprimir qualquer capacidade de questionamento. Resumindo, o “sistema” dos dominantes é: pobres para serem explorados sem contestar, e ricos para continuarem a perpetuação da dominação. Em minha opinião, esta é a função prioritária deste modelo de escola.

3 – Quem tiver interesse, é possível acessar a íntegra da sua dissertação?

Sim. Eu estou disponibilizando o texto integral ao Sindicato dos Professores, pois quero que ele seja mais um elemento que auxilie no debate sobre o modelo de escola pelo qual devemos lutar, uma escola que forme cidadãos críticos e conscientes de seu lugar no mundo, para além de dotá-los de capacidade produtiva, o que também é importante, porém não inviabiliza a criticidade que se deve ter.

Espero que o meu texto contribua de alguma maneira para o debate e para mais pesquisas sobre o assunto, especialmente após a tragédia que foi o governo Bolsonaro, que incentivou e destinou muito dinheiro para este modelo descabido de escola. Quero uma escola livre, para pensar, para agir, fraterna e emancipadora, em que a disciplina seja internalizada como um valor social, e não como uma imposição pelo medo. Liberdade tem de ser um direito inalienável, o que é absolutamente incompatível com a escola militarizada.

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