Mercantilização da educação é um risco real no governo Lula

2023 02 01 site camilo santana ag brasil

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

Há uma máxima na política que aponta a diferença entre a vitória e a conquista. Ganhar uma eleição não é o suficiente para mudar o país, estabelecer novos valores e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) tem apontado que o governo do presidente Lula inicia sob uma concepção liberal para os rumos da educação pública.

A manutenção da reforma do ensino médio é um exemplo de como grupos econômicos têm influenciado as decisões e imposto uma visão de escola voltada à formação exclusivamente tecnicista dos estudantes e das estudantes no país. Além de encontrarem brechas para fazer do ensino um lucrativo mercado.

Segundo o cientista político Rudá Ricci, o chamado terceiro setor mudou a forma de se apropriar das verbas inclusive em governos progressistas. Desde 1994, analisa, houve o crescimento de fundações e institutos, inclusive com perfil de movimentos social, como Todos pela Educação, que começaram a formular políticas e iniciativas para tomar recursos públicos.

Inicialmente, por meio da venda de material didático e cursos continuados aos professores. Em 2017, ao menos 77 prefeituras escolheram pagar por apostilas de grandes empresas educacionais ao invés de receber livros gratuitamente por meio do Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD).

No governo Jair Bolsonaro (PL), as tentativas de privatização da educação foram marcadas por ameaças de implantação de sistema de “vouchers”, que serviriam para pagar serviços de educação no setor privado e pelo corte sistemático de verbas na educação pública. No final da gestão, o governo Bolsonaro deixou de comprar parte do material que integra o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para os alunos da rede pública em 2023 e uma parcela dos estudantes só vai receber o material em 2024.

Além disso, uma nova frente se abriu com o projeto de educação cívico-militar que passou a ser uma fonte de recursos a militares da reserva. Os métodos baseados na disciplina produziram cenas lamentáveis como a que ocorreu em 2019, em Goiás, quando alunos e alunas tiveram de tirar a roupar para que fossem revistados.

Isso não foi suficiente para reverter a pauta do ex-presidente. A proposta de orçamento de Bolsonaro para 2023 previa mais dinheiro para a construção de colégios militares em São Paulo, R$ 147 milhões, do que para moradias populares, R$ 34,2 milhões.

 

Espaço em disputa

A influência da iniciativa privada na gestão da educação fez com que o início do governo Lula tivesse como uma das marcas o embate nesse setor, a ponto de três comissões serem criadas durante o processo de transição para atender ao lobby do setor.

Segundo Rudá Ricci, há uma tendência de que o segmento siga a ditar os rumos do ensino. “A mercantilização da educação é um risco real pelas mãos do MEC (Ministério da Educação). A secretária executiva é a Izolda Cela, embaixatriz do modelo Sobral, de concepção empresarial da educação, presente na reforma do ensino médio, que busca tirar qualquer aspecto de reflexão crítica sobre o mundo. Não pensa o estudante como sujeito, mas como objeto dentro do que Paulo Freire chamava de educação bancária”, critica.

O cenário torna ainda mais preocupante o futuro da educação no país. De acordo com pesquisa do Instituto Semesp, divulgada em setembro do ano passado, faltarão 235 mil docentes no país em 2040. Isso se explica por fatores como a alta pressão e contraposição aos baixos salários e a ausência de fatores motivadores para a permanência em sala de aula. Enquanto isso, crescem os projetos de parceria com a iniciativa privada.

Professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais, Analise da Silva, explica que o processo de mercantilização do ensino ocorre de maneira sutil e vem embalado numa ideia de responsabilidade social.

“Minas tem um projeto do governo do estado em que professores recebem formação continuada por meio de institutos privados como Itaú, Fundação Lemann e Todos pela Educação. O argumento do governo é que os institutos não são remunerados, mas, além de venderem uma perspectiva de um ensino atrelado a metas a serem batidas, ao invés de uma formação baseada no compartilhar saberes e conhecimentos com estudantes, têm acesso aos dados de toda comunidade escolar. O governo Bolsonaro fez uma série de parcerias com instituições privadas e uma delas encaminha até hoje a professores que estão na educação superior e-mails que oferecem planos de saúde e cursos virtuais”, explica.

Analise aponta ainda que no estado as ONGs contribuem com a higienização social. Ela explica que um projeto chamado Somar assumiu a Escola Francisco Menezes Filho, no bairro de Ouro Preto, e mudou a rotina dos alunos.

“Esse é um bairro de classe média de Belo Horizonte e na hora da matrícula, o governo do estado direcionou as crianças das vilas que também vivem na região para outros colégios, sob a alegação de que ficavam mais próximos. Coincidentemente, os alunos que permaneceram e que moram perto da escola são filhos da classe média. Os professores que ficaram, porque também houve seleção, receberam uma formação robusta focada em como aumentar índice do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Então, na prática, em números, não tem como fazer avaliação do projeto e dizer que não deu certo”, pontua.

Dessa maneira, as escolas caminham para as mãos da iniciativa privada com professores pagos com verba pública.

Sem diálogo

A Secretária de Assuntos Educacionais da CNTE, Guelda Andrade, destaca que a confederação já solicitou uma audiência com o ministro da Educação, Camilo Santana, mas ainda não obteve resposta.

Para a entidade, o primeiro ponto a ser discutido é Emenda Constitucional 95/2016, a chamada lei do teto de gastos, que desmontou toda e qualquer estrutura financeira organizada que o país tinha para o investimento em serviços públicos.

Até o momento, o projeto meritocrático apresentado e defendido por Santana é um tiro no pé de um governo que se elegeu para revogar retrocessos como a reforma do ensino médio, avalia Guelda.

“Não existe educação de qualidade sem garantir valorização profissional e uma estrutura física adequada para os estudantes, que faça com que queiram estar na escola. Precisamos pensar a educação integral e não apenas de tempo integral, porque não queremos mais do mesmo. É preciso garantir um projeto pedagógico que tenha sequência no espaço da escola. Não são avaliações estandartizadas que irão garantir educação de qualidade, mas, para mudar isso precisamos ter um canal de diálogo aberto”, pontua.

A CNTE também defende a campanha “Fazemos a escola pública! Por mais investimento em educação” , uma iniciativa global da Internacional da Educação (IE) lançada no dia 24 de janeiro contra os cortes orçamentários, austeridade e privatizações, e ao mesmo tempo se mobilizam para construir educação pública inclusiva e de qualidade para todos.

Fonte: CNTE