MEC afirma que modelo de escolas cívico-militares não é prioridade do governo

Uma das diretrizes tomadas pelo Ministério da Educação (MEC) após a troca de comando do governo federal foi a mudança de prioridades da pasta para com a educação no país. Diferente do que o (des)governo de Jair Bolsonaro tinha como primazia para o setor, o modelo de escolas cívico-militares não é mais uma prioridade na gestão do presidente Lula. Mesmo diante da decisão da pasta, o modelo continua em expansão por iniciativa de estados e municípios.

Segundo dados do próprio Ministério, 433 unidades da rede pública no país estão adotando o sistema de gestão compartilhada. Deste total, 208 foram implantadas em parceria com o Ministério da Educação na gestão de Bolsonaro e outras 225 pelos próprios estados. Após o MEC anunciar que o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado no governo passado, ficará em segundo plano, estados como o Paraná anunciaram que continuarão a investir no modelo. O Paraná concentra quase metade das unidades em atividade hoje no Brasil com 206 – 194 escolas do modelo estadual e 12 do programa federal.

A gestão militarizada da educação é ilegal ao romper com os princípios dos artigos 205 e 206 da Constituição Federal, que preveem condições de igualdade para o acesso e a permanência nas escolas, o pluralismo de ideias e a liberdade de aprender e ensinar. Apesar disso, o dinheiro público continua a ser investido em estruturas geridas pelas forças de segurança do país. “Esse modelo vai totalmente contra a ideia do educador Paulo Freire, de desenvolvimento dos estudantes em todas as suas potencialidades. Nele, impera o princípio de excluir quem não se enquadra. Não é esse o fundamento no qual se baseia a educação brasileira”, critica a secretária de Assuntos Educacionais da CNTE, Guelda Andrade.

O Sinpro expressou sua contrariedade desde o início da implantação do projeto no Distrito Federal, que se deu, como geralmente ocorre no governo Ibaneis, sem diálogo com os setores envolvidos e a comunidade escolar. Já sabíamos que a dita gestão compartilhada implicaria em um grave atropelo da gestão democrática, em prejuízos à área pedagógica, e na intervenção sobre o modo de os(as) estudantes se vestirem ou de cortarem os cabelos, por exemplo. Porém, os problemas foram ainda maiores.

A luta do Sinpro é para que o espaço escolar contribua para a formação de indivíduos conscientes, cidadãos atuantes e capazes de intervir na sociedade, melhorar a própria vida e a de seus pares. “Para atuar na escola, são necessários conhecimentos, experiências e competências das quais os policiais militares não dispõem. Além disso, a militarização desrespeita o livre pensar e a pluralidade de ideias, que são muito importantes para a formação do ou da estudante. Estamos ansiosos pelo fim desse projeto, em defesa da gestão democrática e da educação pública”, declara a diretora do Sinpro Berenice Darc.

 

Modelo antidemocrático

A lista de problemas identificados em escolas militarizadas em todo o país não é novidade. Na capital federal, o caso do Centro Educacional 01 da Estrutural ganhou repercussão nacional, quando em novembro de 2020 a vice-diretora acabou afastada do cargo depois de sair em defesa dos(as) estudantes e do trabalho realizado pelo professor de História, que resultou em murais sobre o racismo no Brasil. No trabalho os(as) adolescentes abordavam, entre outros temas, a violência policial contra negros e negras.

Mas esse não é o único caso de abuso de autoridade dentro de uma escola militarizada do DF. A comunidade do CEF 407 de Samambaia, embora tenha votado contra a militarização da escola, viu o governo aplicar o projeto mesmo contra sua vontade. No CED 03 de Sobradinho, alunas denunciaram assédio de policiais, registrado, inclusive, em abordagens pelo whatsapp. No CED 07 de Ceilândia, houve episódios de agressão de policiais a estudantes e de interrupção da aula de uma professora.

Em maio de 2022, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) derrubou a legalidade do projeto. Em nota técnica, o MPDFT apresentou como um dos embasamentos para tanto a garantia dos direitos constitucionais ao princípio da dignidade da pessoa humana e o pluralismo político.

Em outubro, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu pela inconstitucionalidade da militarização. No Rio Grande do Sul, em novembro, o TJ determinou a suspensão de novas adesões ao Pecim.

Integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Marcele Frossard acredita que a expansão do modelo entre as gestões estaduais e municipais é “reflexo do atual contexto político” e vem de uma associação errônea entre a presença de militares e o bom desempenho escolar. “O bom desempenho escolar está relacionado com investimentos em infraestrutura, formação de professores, garantia do piso e de uma educação que cumpra os preceitos democráticos, ou seja, de uma escola pública, gratuita, inclusiva, laica, e de qualidade”, enumerou Frossard.

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