Mataram o Índio. E ninguém fez nada pra impedir

Mataram o Índio a chutes na cabeça, pisada como se fosse uma fruta podre, chutes no ventre, no rosto, murros com soco inglês.
Eu conhecia pessoalmente o Índio, cujo nome de batismo chegou às manchetes no seu trágico e último dia de Natal. Luiz Carlos Ruas, desde que eu passei a trabalhar na CUT, há quase 12 anos, sempre foi comigo e com os demais um sujeito simpático, embora extremamente econômico com as palavras. Não bebia, não usava drogas e vendia lá seus salgadinhos e doses de aguardente. Quase sempre no sopé da escada caracol que leva os passageiros para a estação de ônibus Pedro II, do chamado Expresso Tiradentes, colada à estação do Metrô, onde ele acabaria trucidado.
Amigos comuns me contaram que ele tinha dois filhos e era casado.
Durante a agonia do impeachment da presidente Dilma, ele sempre me perguntava: “A mulher vai cair? Acho que não, né?”. Eu desconfio que ele torcia contra o golpe. Sempre dizia com orgulho ser eleitor de Lula. Índio me chamava pelo apelido de “CUT”.
A morte, dolorida como poucas que existem por aí – espancamento! – é revoltante. Mas me atrevo a dizer que o mais revoltante é a inação de todos os que passavam pelo local e, no máximo, paravam alguns instantes para observar a cena e em seguida davam no pé. Nenhum gesto de ajuda, nada. Só um indivíduo, que usava muletas, se aproximou do corpo já inerte de Índio para surrupiar-lhe algum pertence.
Em nota oficial, o Metrô admitiu que não havia agentes de segurança naquela estação no momento em que Índio dava seus últimos suspiros. Eu acompanhei o noticiário por intermédio de um dos mais sujos, mentirosos e deformadores programas de TV que existem no Brasil. O vídeo ficou sendo repetido ad nauseam. Esse é o mesmo programa que jamais perdeu uma oportunidade de bombardear o prefeito Fernando Haddad, tivesse o alcaide responsabilidade ou não sobre as mais diversas ocorrências na cidade. Ele sempre era acusado de incompetente e de todos os demais termos ainda não considerados obscenos.
Neste caso escandaloso do assassinato do Índio, o nome de Geraldo Alckmin, a quem o Metrô é subordinado, não foi sequer citado, pelo menos não nas duas edições que assisti, segunda e terça-feiras. Falta de pessoal, pouco investimento – sem falar nas reiteradas denúncias de corrupção e superfaturamento do metrô tucano – deveriam ser objeto de asco, de revolta, de opróbrio desse governador conhecido como “Santo” pelos corruptos delatores da Lava Jato. Mas ele continua impávido em seu palácio do Morumbi.
O Sindicato dos Metroviários soltou nota oficial criticando a postura do governo paulista (leia aqui). Manifestantes foram à estação Pedro II, no dia 27, para protestar contra a violência.
Um dia antes, eu mesmo me dirigi a três seguranças uniformizados do Metrô – dois homens e uma mulher – e perguntei a eles porque nada tinha sido feito para evitar o assassinato do Índio. Um deles me respondeu: “Assassinato? Aqui? Puxa, você está me dando uma notícia que eu não sabia”. Eu retruquei: “É só isso que você tem pra me dizer?” e logo me retirei, pois, em geral, pessoas que ocupam cargos semelhantes são extremamente corajosas e severas contra quem comete pequenos delitos, como pular a catraca, ou ousar questioná-los.
Outro detalhe é o envolvimento, pelo noticiário, de uma travesti no caso. Índio teria tentado defendê-la dos dois agressores, que então teriam partido pra cima dele. Nada no vídeo exibido pela TV mostra clara e inegável relação entre os dois casos. A única coisa realmente inquestionável é o assassinato de um senhor negro, trabalhador ambulante, de origem nordestina, diante de uma plateia insossa.
Do ponto de vista policial, patética a posição do delegado conhecido como Nico, famoso por ser proprietário de uma rede de pizzarias, de restaurantes e barzinhos no bairro do Ipiranga. Nico não esconde que adora holofotes, como quando protagonizou, em meio a uma transmissão de futebol ao vivo, a prisão de jogador argentino que teria dito ofensas raciais a Grafite, quando o atacante ainda jogava pelo São Paulo.
No último dia 26, com a inseparável companhia das câmeras dos programas mundo-cão, Nico saiu dizendo, ao vivo, que voltaria com os dois agressores, segundo ele já localizados àquela altura. Voltou depois, de mão abanando, mas garantindo que o advogado da dupla teria afirmado que ambos se apresentariam no dia seguinte. Outro furo, tanto do delegado quanto do “jornalismo” policial. Apenas um dos suspeitos foi preso até agora, depois de encontrado em Campinas.
Covardia, medo, indiferença, espetáculo, racismo, homofobia, instituições oficiais agindo como se tudo fosse um teatro, uma imprensa que já se tornou uma espécie de crime organizado. Tudo isso enterrou Índio.