Marcha das Mulheres 2024: “Feminismo é revolução”

Foram mais de mil mulheres reunidas em Natal entre os dias 6 e 9 de julho para o Terceiro Encontro Nacional da Marcha Mundial das Mulheres Nalu Faria. Realidades diferentes, cotidianos diferentes, mas um objetivo comum: combater a opressão que quer nos impedir de crescer e evoluir.

A manifestação foi construída em parceria com organizações populares, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e a Central de Movimentos Populares (CMP).  Contou com a participação de mulheres de 20 estados brasileiros mais o Distrito Federal.

O encontro é um espaço fundamental para debater a conjuntura e alinhar uma agenda de lutas das mulheres. Essa agenda de lutas e resistências abarca toda uma história de resistência à opressão que quer impedir as mulheres de terem o controle sobre seus próprios corpos, e também torna a remuneração feminina menor em relação à masculina.

“Se nós pararmos, a sociedade para. O trabalho de cuidados representa 11% do PIB brasileiro. Trabalho este majoritariamente feito por mulheres. Mas nosso trabalho não é reconhecido, que dirá valorizado. O magistério, por exemplo, profissão em que a grande maioria das profissionais são mulheres, é entendido por muitos como “um ato de amor, um sacerdócio”. E, de romantização em romantização, nossa remuneração é reduzida, desprezada, menosprezada. O movimento de mulheres quer revelar exatamente a importância e o poder do trabalho feminino na economia, na educação, no desenvolvimento da sociedade”, lembra a coordenadora da Secretaria de Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras, Mônica Caldeira.

A marcha das Mulheres reuniu em Natal a militância feminista – que não é homogênea, e tem histórias e cotidianos muito diferentes entre si. E se a sindicalista dos grandes centros urbanos traz um processo de engajamento e a mobilização de décadas, há militantes campesinas que descobriram o feminismo como uma forma de libertação.

A natureza campesina está presente desde a primeira edição da Marcha das Mulheres. A presença e a força das mulheres campesinas é uma das características do evento, ainda que, nesta terceira edição, várias relataram terem conseguido ir ao encontro em Natal após separar parte da venda de sua produção diária para fazer “cofrinho”. Algumas estiveram lá pela primeira vez para ouvir sobre a agenda feminista – e sua experiência de vida, que é uma luta diária, enriqueceu o debate. Foram depoimentos marcantes, pungentes.

“Nesse encontro, saltou aos olhos o fato de que o nosso trabalho é interminável, de múltiplos afazeres simultâneos. É o nosso trabalho que sustenta a vida cotidiana, desde o cuidado da casa até o cuidado da sociedade em geral. Precisamos, para nossa maior dignidade, de diminuição da hora de trabalho sem redução salarial. Não porque não sejamos competentes, muito pelo contrário. A realidade apresentada pelas mulheres do campo, por exemplo, nos reafirma a necessidade da luta por dignidade trabalhista”, aponta a diretora do Sinpro Regina Célia, que esteve presente ao evento.

“Não só no Distrito Federal como em vários estados brasileiros, a militarização das escolas caminha junto com a violência contra alunos e professoras. Privatização, militarização e conservadorismo caminham juntos”, destaca a diretora do Sinpro Silvana Fernandes, também da secretaria de Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras.

A delegação do Distrito Federal ofereceu a proposta de fortalecer a organização da Marcha Mundial das Mulheres no DF e no entorno, com vistas à construção do movimento popular e socialista.

Declaração final é o amálgama de várias realidades

A declaração do Terceiro Encontro Nacional da Marcha das Mulheres lembra que “a economia feminista é nossa alternativa e estratégia”. O Documento abrange temas bem variados, desde a militarização de escolas, passando pelo desastre ambiental causado pela Braskem em Maceió até chegar em hortas comunitárias e lavanderias comunitárias. Ao falar de realidades econômicas tão díspares, o texto deixa claro que as várias mulheres que participaram da Marcha e compõem nossa sociedade vêm de realidades bem distintas, em que as dificuldades impostas por uma sociedade machista se manifestam de formas distintas, mas sempre no mesmo sentido de opressão contra corpos, existências, vidas, saberes e independências femininas: “As mulheres constroem alternativas concretas em seus territórios, com seus saberes, tecnologias livres e formas de comunicação popular. Hortas comunitárias, lavanderias coletivas, economia solidária e agroecologia costuram outras formas de relação entre as pessoas e a natureza”

O texto lembra do PL 1904, cuja tramitação foi interrompida graças à mobilização social: “Vemos e sentimos a misoginia no rádio, na internet e na TV, nos nossos bairros, comunidades e territórios. Estamos convencidas de que a força feminista organizada é capaz de impor derrotas (…), como as recentes mobilizações que interromperam a tramitação do PL 1904.”

O texto lembra, também, da importância da organização e da mobilização popular: “Estamos organizadas em um feminismo popular que é forte porque se constrói no cotidiano com uma agenda política que nos organiza e nos mobiliza, um feminismo em que cabemos todas.”

 

“Criança não é mãe!”

A delegação do Sinpro-DF levou para a Marcha das Mulheres em Natal a faixa usada no ato de 19 de junho contra o PL 1904, que diz “Criança não é mãe!” Mônica Caldeira explica que a violência sexual contra crianças e adolescentes é um dos problemas com os quais as educadoras precisam lidar no dia a dia da sala de aula “Nós sabemos que muitas das nossas alunas, infelizmente, sofrem abuso em casa. Então, pensem: a gente quer que aquela nossa estudante do 4º, do 5º ano, ou até menos, que acabou engravidando por causa de um estupro, seja equiparada a uma pessoa que cometeu homicídio? Porque é isso que esse projeto de lei quer”, analisa Mônica Caldeira. Ela ainda lembra que a maioria das vítimas de estupro, sobretudo as crianças, são violentadas por familiares e conhecidos.

 

Nalu Faria presente!

O Terceiro Encontro da Marcha Mundial das Mulheres homenageou a militante feminista Nalu Faria, falecida em outubro do ano passado. Sua atuação remonta à década de 1980, quando passou a atuar na Sempreviva Organização Feminista, com forte atuação no movimento popular voltado para um movimento de mulheres para incorporar os vários setores e também para ter uma agenda mais global.

Mulheres indígenas e quilombolas nos ensinam que nosso corpo é nosso primeiro território. Defender a soberania e a integridade de nosso território primeiro é entender a soberania e a integridade de tantos outros territórios: da informação, da sexualidade, da religião, da economia. Não há como pensar em políticas públicas voltadas para o bem-estar da mulher e todo o seu entorno sem pensar na integridade de todos esses territórios.” Lembremos sempre que não há luta sem sonho, portanto sigamos sonhando e lutando, como Nalu Faria!

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