Letramento midiático nas escolas é caminho para superar fake news

Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, de 2024, aponta que o Brasil é o país em que a população menos consegue reconhecer e rejeitar as chamadas fake news. Segundo a OCDE, a disseminação de informação falsa ou enganosa representa riscos significativos para o bem-estar das pessoas e da sociedade. Esses conteúdos podem contribuir para a polarização, prejudicar a implementação de políticas e minar a confiança em instituições e processos democráticos.

Neste cenário, promover o letramento midiático dentro das escolas viabiliza a formação de estudantes com capacidade crítica para identificar, analisar e combater a desinformação. Esse é um dos passos prioritários para combater as fake news e rebater seus prejuízos.

“O letramento midiático nos ensina a desconstruir uma notícia, identificar suas fontes, verificar a veracidade das informações e reconhecer possíveis vieses. Com ele, aprendemos como as notícias são produzidas, distribuídas e consumidas, entendendo os interesses por trás de cada mensagem”, explica a coordenadora da Secretaria de Imprensa do Sinpro, Letícia Montandon.

Segundo ela, “ao analisar criticamente uma informação, podemos detectar inconsistências, contradições e sinais de manipulação”. “O espaço escolar é determinante para que estudantes e toda a comunidade que frequenta a escola tenham acesso a esse tipo de letramento”, defende Letícia Montandon.

A analista de discurso Eliara Santana, que cita em seus trabalhos a instrumentalização de medos, crenças e valores para a produção de narrativas falsas convincentes, aponta a importância do papel da escola e de professores(as) no letramento midiático de estudantes. Para ela, um dos pontos mais urgentes a serem tratados nesse segmento é: quem perde e quem ganha com a disseminação das fake news.

“É importante mostrar que se trata de um processo de produção e disseminação de mentiras, muito mais complexo do que apenas espalhar boatos. Essa ideia precisa ficar muito clara, e assim situar o processo no ecossistema de desinformação. Cabe ao professor demonstrar que essa produção não é aleatória. Existe todo um esquema que gera, produz e distribui esses conteúdos”, explica pesquisadora, que é autora do livro “Jornal Nacional, um ator político em cena” e organizadora da coleção de artigos “Eleições 2022 e a reconstrução da democracia no Brasil”.

Eliara Santana ainda avalia que é necessário demonstrar em sala de aula que fake news não é algo que acontece com o outro, mas impacta na vida de toda a sociedade. “Quando há um volume muito grande de mentiras sobre vacinas, as pessoas deixam de ir ao posto para se vacinarem. A sua mãe e a sua tia acreditam numa mentira sobre a vacina, espalham essa mentira, e como consequência, a cobertura imunológica do país cai a níveis assustadores, porque as pessoas estão com medo de se vacinarem”, explica.

Formação é urgente
Diretora do Sinpro, Márcia Gilda lembra que, antes de professores e professoras levarem para dentro das salas de aula o letramento midiático, é necessário que haja uma política consolidada de formação desses profissionais.

“Assim como toda a sociedade, nós da categoria do magistério público também somos vítimas de fake news. Por isso, é imprescindível que haja formação sobre o tema para a nossa categoria, além de infraestrutura para que possamos desenvolver a temática com qualidade”, ressalta.

Entretanto, para ela, o cenário é adverso. “No DF, há várias escolas sem a infraestrutura necessária para fazer esse letramento midiático, em um mundo cada vez mais digital. Não é comum ter laboratórios de informática, computadores e nem mesmo internet. As bibliotecas com acervos que auxiliam nesse tipo de trabalho também não são comuns. Em um mundo assolado pelas fake news, esse tipo de cenário imposto às escolas e à sociedade mostra a desvalorização da educação pública e de seus profissionais”, avalia Márcia Gilda.

Liberdade de expressão
A liberdade de expressão evocada por quem defende qualquer tipo de atrocidade nas redes sociais se choca frontalmente com o que dizem organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americana (OEA). De acordo com esses organismos, o direito à liberdade de expressão não está acima dos demais direitos humanos. A liberdade de expressão não tem dimensão unicamente individual, mas principalmente coletiva.

Segundo o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) a liberdade de expressão pode ser limitada em respeito aos “direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais”.

Operação Verdade

Na Paraíba, o brasiliense Tiago Aguiar desenvolve junto com sua orientanda na UFPB, Giulia Siqueira, o game batizado “Operação Verdade”, que trabalha com a identificação do que é uma notícia falsa ou fabricada a partir de recursos sintáticos dos textos apresentados.

“Tudo começou com um projeto de iniciação científica para analisar desinformação. Analisamos o conteúdo do site Golpeflix, um repositório de textos de conteúdo desinformativo coletados entre o segundo turno das eleições de 2022 até o 8 de janeiro de 2023. A Giulia trouxe a proposta de desenvolver um game trabalhando a transitividade das frases”, conta o orientador.

“Fazemos uma análise da escala de transitividade das frases, que cuida não só de observar se o verbo é transitivo ou intransitivo, mas uma coleção de dez elementos para perceber, dentre outras características, quantas pessoas estão descritas na frase e se o texto fala de uma suposição ou uma ação, por exemplo. É observar a coleção de diferenças entre as frases ‘ele achou que poderia ter trazido flores’ e ‘ele me trouxe flores’. Esses elementos, combinados, nos demonstram, por exemplo, que quanto mais falsa a informação, mais baixa é a escala de transitividade”, conta a orientanda.

O trabalho de Iniciação Científica do professor Tiago, usando o ensino de Língua Portuguesa para combater a desinformação, já foi aplicado na rede pública da Paraíba. “Os alunos dizem que gostam das discussões, mas eu não estou muito satisfeito ainda. Pretendo elaborar uma agência de checagem na escola, a partir de metodologias mais ativa”, explica Tiago.

O game de Giulia, Operação Verdade, está em fase final de elaboração. O projeto piloto foi apresentado em seu TCC, e quem quiser aplicá-lo na escola pode baixar o material pedagógico no link abaixo.

Edição: Vanessa Galassi

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