Lei Antirracista sancionada por Lula abre caminho para uma sociedade mais justa

O presidente Lula (PT) sancionou, na quarta-feira (11/1), uma lei aprovada pelo Congresso Nacional que equipara a injúria racial ao crime de racismo. Na prática, o texto amplia a pena de injúria racial de 1 a 3 anos de reclusão para 2 a 5 anos. A pena será dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. A injúria é caracterizada quando a honra de uma pessoa específica é ofendida por causa de raça, cor, etnia, religião ou origem. Já o crime de racismo ocorre quando o agressor atinge um grupo de pessoas, discriminando uma raça de forma geral. A nova lei equipara os casos de injúria aos de racismo, que são inafiançáveis e imprescritíveis. O texto também inclui a injúria como parte do Código Penal, na Lei do Crime Racial (Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989).

A nova lei muda muita coisa nas lutas de combate ao racismo. Na avaliação do Sinpro, a equiparação entre injúria racial e racismo é um passo importante na promoção de justiça social no Brasil. Mariana Almada, professora da rede pública de ensino do Distrito Federal, teóloga, arte-educadora, fotógrafa, psicanalista e ativista na educação e em movimentos feministas e antirracismo, com atuação na Frente de Mulheres Negras do DF, Mulheres Negras Decidem, diz que, para falar de injúria racial, é preciso lembrar que o racismo é um crime contra a coletividade e que a injúria é direcionada ao indivíduo. “Mas, ambas, partem de dentro para fora, afetando a população negra e, de alguma forma, o(a) agressor(a) externa o sentimento em relação ao coletivo quando ele agride uma pessoa. Sendo assim, segundo ela, não é possível separar uma questão da outra, por isso, agora a lei”.

A professora explica que o que diferenciava a injúria racial do crime de racismo era o peso da pena, uma vez que o peso da pena de injúria era mais leve e, a do racismo, mais severa. “Por isso é que na maioria das vezes, quando ocorre um ato de racismo, os agentes tipificam de injúria, por ser mais branda. Mas, agora, com a nova lei, é importante ressaltar que cometer injúria contra uma pessoa ou população negra será enquadrado igualmente”, ressalta.

Escola: o local onde tudo acontece

Mariana observa que a lei sancionada pelo presidente Lula também impacta fortemente na escola e na educação públicas.  “A escola é o local onde tudo acontece. Ela é dinâmica, diversificada, e é por isso que, a partir de agora, é preciso continuar trabalhando com as crianças, jovens e adultos as Leis nº 10.639 e a nº 11.645, a 26 A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e, agora, mais esta Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023 porque esta última impacta diretamente nos relacionamentos dentro da escola e sai de lá para o mundo, uma vez que a escola é um espaço de socialização. O debate em torno da nova lei deve estimular também o trabalho em prol do fortalecimento e da ampliação da consciência negra, que precisa ser alimentado todos os dias no ano letivo e encorajar estudantes a denunciar práticas criminosas como essa em questão. Fazem-se necessárias abordagens paralelas aos currículos em todos os componentes curriculares, nas atitudes do dia a dia e pensar, também, nas variadas formas de refletir esse assunto conforme as modalidades e etapas da Educação Básica”, pondera a professora.

A diretoria colegiada do Sinpro também vê como um passo importante na luta antirracista. Carlos Fernandez, diretor do sindicato, professor de sociologia, ciência política e pedagogia da rede pública de ensino, ex-diretor-presidente do Instituto de Apoio Técnico aos Países do Terceiro Mundo (Iattermund) e ex-diretor-presidente da Comunidade Cultural Luther King,  afirma que a lei muda muita coisa importante no cotidiano brasileiro. Segundo ele, esse tema que trata a Lei Antirracista é complexo e é objeto de estudos e muitos anos de dedicação acadêmica. “Mas, apesar da complexidade, a lei é importante porque ela enseja uma mudança na estrutura social que mantém o racismo no Brasil”, afirma.

O diretor destaca a importância da equiparação da injúria racial com o racismo. “A meu ver existem algumas coisas que mudam radicalmente com o decreto”. Ele observa o fato de que a nova lei iguala a injúria racial, que foi individualizada pela lei anterior, ou seja, era uma ofensa a um indivíduo e não abrangia a toda uma raça, ao racismo, que é uma ofensa dirigida ao coletivo, e a toda uma etnia. “Outra coisa que a lei supracitada regulava distintamente.  eram as penalidades para quem sofria uma injúria racial e para o crime de racismo. Tanto as penas como o processo penal eram muito diferentes,  A  leniência das autoridades não só em consolidar um flagrante e conduzir o devido inquérito policial a partir da denúncia da vítima, como quando da própria aplicação da pena pelo juiz em caso de condenação do réu.”, explica o diretor do Sinpro.

Racismo estrutural

Outra observação do professor Fernandez é que enquanto o racismo é uma relação estrutural na história do Brasil, ele atinge a economia, a educação e a cultura. “Da cultura porque o racismo está introduzido em  nossos hábitos cotidianos, dos nossos costumes mais nefastos. É a sujeição  consciente e inconsciente do negro como elemento de uma subclasse, que deve ter “naturalmente”, entre aspas, tratamento social muito diverso do que a população branca. É como se a sociedade brasileira ”tolerasse” a presença do negro(a), desde que o mesmo se submetesse ao seu papel serviçal. Ao longo da história do nosso país, a regra básica de convivência foi a naturalização desse estrato racial, explica.

O professor afirma que, no caso da “economia, é claro que quando se separa e diminui os direitos e o poder social de determinado grupo ou etnia, a etnia discriminada passa a competir  socialmente com enorme desvantagem. Se há toda uma etnia, toda uma população que compete menos, eu proporciono privilégios para a população que não sofre racismo, que não sofre os impactos negativos  na sua formação técnica, nas suas oportunidades de estudo  e de alcançar os melhores postos de trabalho. Nesse caso, tenho, por parte da população de pele branca, uma maior condição estrutural para competir e a imensa possibilitar um sucesso econômico maior”.

Quanto à educação, Fernandez considera essa lei é fundamental. “O racismo está na estrutura social brasileira há mais de 350 anos. E isso não se muda por osmose. É necessário inserir-se ferramentas que proporcionem aceleramento das mudanças e o Decreto assinado pelo Presidente Lula é de fundamental e importantíssima, porque, uma vez a lei existindo, uma vez sendo cobrada, dar-se-á  um grande passo no sentido de começar a transformar a desigualdade em igualdade, de começar a equiparar racialmente as pessoas”.

 

Estatuto da Igualdade Racial

O diretor do Sinpro defende a cota para negros e negras em todas as áreas do mercado de trabalho, nos sindicatos e na educação. Para que essa equiparação aconteça de fato no País,  é preciso a divulgação do Estatuto da Igualdade Racial nas escolas.  Segundo ele, o estatuto deve ser analisado, discutido nas escolas, nas universidades e socialmente difundido.

“As pessoas são formadas também nas escolas, daí a importância dos professores. Devemos entender que a consciência é uma coisa que é formada paulatinamente e as referências, o que se vê, como se aprende, tudo isso é uma função que a escola deve desempenhar para que a gente tenha uma sociedade mais justa. A Lei 14.532 é um primeiro passo. Resolve tudo? Não. Mas é um passo importantíssimo no sentido de a gente incentivar a transformação cultural, de começar, na prática, a mudar essa estrutura. Não é um processo rápido, e sim lento. É um passo de cada vez. E passo dado pelo presidente Lula nesta semana é importantíssimo, principalmente, para que as pessoas negras, todos nós, tenhamos o direito à igualdade, o que, infelizmente, em pleno século 21, ainda temos de lutar para ter”, finaliza.

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