Investimentos em educação são insuficientes, mal distribuídos e mal geridos, dizem especialistas
Mais investimentos e planejamento educacional mais qualificado são as chaves para que o Brasil possa avançar na educação, facilitando o crescimento econômico e o desenvolvimento. Essa foi uma das advertências feitas pelos quatro especialistas que participaram, na tarde desta quarta-feira (23), da audiência pública promovida pela comissão temporária especial destinada a debater e propor soluções para o financiamento da educação.
Educação Básica
Representando o Conselho de Secretários de Educação (Consed), o secretário da Educação e Cultura do Estado do Tocantins, Danilo de Melo Souza, afirmou que a prioridade deve ser aumentar os investimentos públicos na educação infantil, também conhecida como pré-escolar. Estudos já mostraram, frisou, que os investimentos na pré-escola proporcionam retorno muito maior que os investimentos no ensino superior.
Para o secretário, o país precisa de professores mais bem capacitados, com salários dignos e plano de carreira que torne a profissão atrativa. Ele disse que o piso salarial nacional precisa ser aumentando para atrair profissionais de ponta para a carreira.
– Investimento é colocar um bom salário para o professor que está na sala de aula. É preciso dar condições salariais para que esse profissional possa devotar-se aos estudantes – afirmou.
Danilo de Melo Souza ainda chamou a atenção para a necessidade de o Brasil “pensar a educação de maneira mais técnica” e suprapartidária, como um projeto de nação. Ele acredita que uma formação inicial sólida dos professores é um dos pontos-chave para a melhoria do ensino.
Como sugestões, o secretário apresentou a criação da chamada residência pedagógica, similar ao que já existe na formação dos médicos; ampliação dos investimentos em alimentação e transporte dos estudantes; aumento da jornada de aulas e a destinação total dos recursos provenientes da exploração do petróleo do pré-sal para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
– Se não tivermos educação básica de qualidade não teremos universidade competitiva no futuro – acrescentou.
Danilo ressaltou a importância de o estado brasileiro promover uma garantia nutricional mínima para que os estudantes tenham um padrão de nutrição adequado em seu desenvolvimento humano e escolar.
– Muitos estudantes brasileiros estão em situação de risco nutricional – disse.
Planejamento
O economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Waldery Rodrigues Júnior, informou que o Brasil tem 50,5 milhões de alunos na educação básica. Para ele, são necessários investimentos pesados nesse setor, para que a qualidade da educação e dos estudantes brasileiros aumente com o passar dos anos. Ele criticou os baixos investimentos e a má distribuição dos recursos públicos para a educação.
– Investimos pouco e gastamos mal – disse.
Segundo ele, 40% dos estudantes que terminam o ensino fundamental não sabem que “uma hora tem 60 minutos e não 100 minutos”. Waldery disse que a qualidade da educação está direta e brutalmente ligada à capacidade de crescimento econômico e desenvolvimento dos países.
Para o economista os Ministérios da Fazenda e do Planejamento são mais capazes de “revolucionar a educação” que o próprio Ministério da Educação, pois, em sua opinião, o setor precisa urgentemente de mais investimentos e melhor planejamento. Ele acredita que o Brasil, mesmo sem os recursos do pré-sal, já tem dinheiro suficiente para melhorar a educação de maneira contundente, o que falta é a decisão política para que esses recursos sejam redirecionados para onde são necessários.
Ele criticou o direcionamento de 46% do Orçamento da União para financiar a dívida pública e a Previdência, enquanto a educação fica com pouco mais de 3%.
Educação de qualidade
Por sua vez, o professor-pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), Manuel Marcos Formiga, informou que o Brasil tem um dos maiores contingentes de estudantes do planeta e ainda se encontra entre as dez nações com maior número de analfabetos. Ele explicou que, além dos analfabetos totais, o país tem milhões de analfabetos funcionais e outros tantos milhões de analfabetos digitais.
– Falta planejamento educacional. O desafio para as próximas décadas é transformar crescimento econômico em desenvolvimento, quantidade em qualidade, e um dos principais instrumentos para que isso ocorra é a educação – pontuou.
Formiga entende que o país deve priorizar a formação superior na área de exatas, como as diversas engenharias, em detrimento da área de humanas. Atualmente, afirmou o professor, a cada 800 formados, apenas um se gradua em engenharia no Brasil, o que limita o avanço tecnológico e em inovação.
Mais investimentos
O editor-chefe da revista da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Juca Gil, reconheceu que o país tem diversos problemas de gestão e de malversação dos recursos públicos destinados à educação. Porém, ele sublinhou que, mesmo que esses recursos não fossem mal geridos ou desviados, ainda assim, o montante de recursos seria insuficiente para sustentar e ampliar um ensino público de qualidade.
– A União tem de entrar com mais recursos – afirmou.
Ele defendeu a aplicação de 10% do produto interno bruto (PIB) na educação, índice que atualmente gira em torno de 5%. Apontou ainda para a necessidade de as autoridades discutirem a prorrogação ou uma alternativa para o Fundeb, que terminará em 2020.
Revolução
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), relator da comissão, apresentou a proposta de uma “revolução republicana na educação”, que seria implantada em duas décadas. Para que isso ocorra, o senador disse serem necessários o aumento dos investimentos públicos, um piso salarial para os professores de R$ 9.500, reforma ou reconstrução das dependências físicas de todas as escolas e aquisição de equipamentos modernos.
A presidente do colegiado, senadora Ângela Portela (PT-RR), disse que já há um consenso sobre a necessidade de mais recursos e de melhor capacitação e valorização dos professores. A senadora disse que a comissão vai apresentar propostas concretas para que isso ocorra. Ela acrescentou que, tanto o Executivo quanto o Legislativo já estão trabalhando nesse sentido.
A reunião foi conduzida pela presidente do colegiado, senadora Ângela Portela, com o apoio do relator, Cristovam Buarque. Também participaram do debate os senadores Vital do Rêgo (PMDB-PB) e Ana Amélia (PP-RS) e as deputadas federais Fátima Bezerra (PT-RN) e Iara Bernardi (PT-SP).
A comissão especial, composta por dez senadores, foi criada em setembro por ato do presidente do Senado, Renan Calheiros, e foi instalada em 1º de outubro, com prazo de 90 dias para a conclusão dos trabalhos. Antes das exposições dos palestrantes, os senadores aprovaram o plano de trabalho da comissão, elaborado pelo relator.