“Governança das transnacionais atenta contra soberania e democracia”, por Antonio Lisboa

“O que se verifica hoje é que a governança global vem sendo cada vez mais capturada pelas transnacionais, se sobrepondo à legislação nacional, contra a democracia, numa clara violação da soberania, com os Estados submetidos à lógica do lucro, aos interesses dos cartéis e monopólios privados”, afirma Antonio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da CUT. Em entrevista para o Portal do Mundo do Trabalho, o dirigente cutista avalia a atual conjuntura, a comemoração dos 10 anos do enterro da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), as recentes eleições na Argentina e na Venezuela e o papel da Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas (CSA) no combate à crise.
Qual a sua avaliação sobre a chamada “governança global”?
O que se verifica é que hoje, a governança global vem sendo cada vez mais capturada pelas transnacionais, se sobrepondo à legislação nacional, contra a democracia, numa clara violação da soberania, com os Estados submetidos à lógica de lucro, aos interesses dos cartéis e monopólios privados.
De que forma o seminário “10 anos sem Alca” contribuiu para que os movimentos sindical e social retomem a iniciativa nas mobilizações?
O que sai do encontro realizado recentemente em Havana é um alerta por parte dos movimentos sindical e social sobre a necessidade da continuidade da luta. Afinal, as grandes potências, principalmente os Estados Unidos, não desistiram da Alca. Elas querem, por vias transversas, garantir os termos que não foram viabilizados naquele momento. E retomam a pressão, ampliam a chantagem sobre os governos, para que cedam aos interesses das suas corporações.
Como os resultados eleitorais negativos na Argentina e na Venezuela podem impactar os desdobramentos desta luta?
Após a derrota na Argentina, onde houve uma disputa acirrada entre dois projetos, as declarações do presidente eleito já mostram a que veio. Por um lado Macri questiona os próprios termos do Mercosul, que impede que membros firmem acordos bilaterais. Por outro, questiona até mesmo a participação da Venezuela no bloco. Vamos ver como a direita se posiciona agora que venceu as eleições parlamentares contra o governo bolivariano; pode ser que adapte seu discurso. Os dois resultados vão exigir dos movimentos ainda mais consciência e compromisso, fazendo a autocrítica na prática sobre os erros e desvios cometidos. Principalmente, acredito, no que diz respeito aos investimentos na industrialização, no fortalecimento do parque produtivo, sem o qual não há independência econômica efetiva, o que deixa os governos frágeis frente a investidas estrangeiras, tanto do capital quanto da sua mídia.
Investidas que não se dão apenas no campo econômico, mas também no militar…
O abatimento do jato russo pela Turquia é um bom exemplo disso, como poderíamos também citar a invasão da Líbia, do Iraque, do Afeganistão. Com Erdogan a Turquia continua fazendo o papel de posto avançado dos interesses norte-americanos na região. Não bastassem as fortes suspeitas de que seu governo está por detrás do massacre de manifestantes pela paz em Ankara, agora Erdogan age abertamente em favor dos terroristas do Estado Islâmico (ISIS). Todos os analistas internacionais avaliam que o abate foi feito dentro de território sírio enquanto os militares russos combatiam o ISIS.
Multiplicam-se as declarações e votos contra Israel, com pronunciamentos fortes dentro da própria ONU exigindo o reconhecimento do Estado palestino. O que fazer para tornar real esta reivindicação histórica?
Precisamos continuar denunciando as práticas adotadas pelo exército israelense como crimes contra a humanidade, como ficou demonstrado claramente nos indiscriminados bombardeios à Faixa de Gaza. Além de um grande número de residências, foi comprometido o abastecimento de água e luz, demolidas creches e hospitais, com milhares de vítimas civis, mulheres, idosos e crianças. Portanto é hora de ampliar apoios e fortalecer o isolamento do sionismo, atacando em todos os flancos. Da mesma forma que derrotamos o apartheid sul-africano com uma ampla campanha de boicote internacional aos produtos israelenses, acredito que é este o caminho agora para poder garantir a soberania e a liberdade do povo palestino.
A CUT tem estado bastante presente ao lado do sindicalismo paraguaio, inclusive denunciando ações do governo de Horacio Cartes dentro da própria Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Somamos nossa voz e o Grupo de Trabalho da OIT tirou uma nota de apoio aos trabalhadores paraguaios – que convocaram uma greve geral para os próximos dias 21 e 22 de dezembro. Há um repúdio unânime aos abusos e atropelos que vêm sendo cometidos contra lutadores dos movimentos sociais. É o caso dos camponeses presos políticos de Curuguaty, em luta pela reforma agrária, e dos companheiros da Linha 49 de ônibus de Assunção, que chegaram a ficar mais de 120 dias crucificados para garantir que sua entidade sindical fosse reconhecida, que não fossem demitidos e tivessem seus direitos pagos. No caso de Curuguaty, uma armação que jogou 320 policiais contra 60 camponeses e resultou na morte de 17 pessoas, vamos levar a denúncia da perseguição aos camponeses até os fóruns internacionais, pois representa uma afronta aos direitos humanos.
E a questão do Saara Ocidental?
Já visitei o Saara Ocidental e conheço sobre as inúmeras dificuldades a que estão submetidos diante de um muro de 2.725 quilômetros, ladeado por cinco milhões de minas e 150 mil soldados marroquinos. Temos participado ao lado de sindicalistas de Portugal, Espanha e França atuando para dar pôr fim à última colônia da África, dando sustentação à luta pela libertação, cooperando e sendo solidários na busca da sua independência.
Como se encaixa o congresso da Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas nesta conjuntura?
O Congresso que a CSSA realizará entre os dias 26 e 29 de abril, em São Paulo, além de eleger a nova direção da entidade vai deliberar sobre estratégias de enfrentamento à crise. O evento ganha maior significado neste momento em que o capital avança sobre os direitos, a soberania e as democracias. Serão definições de luta, de organização e mobilizações para os próximos quatro anos em que há muito em jogo.