“Goiás não aplica os 25% constitucionais na Educação”

Entrevista com a presidenta do Sindicato dos Professores em Educação de Goiás (Sintego), Bia de Lima, demonstra que a terceirização das escolas públicas estaduais para Organizações Sociais (OS) é o golpe mais recente do governador Marconi Perillo (PSDB) contra a educação pública e a carreira do Magistério, mas denuncia uma série de outras ações articuladas que vêm minando a qualidade do ensino, como o repasse, para outros setores, dos 25% da arrecadação que a Constituição determina que sejam aplicados na Educação. Confira na entrevista abaixo:
Nesta segunda-feira, 15 de fevereiro, o governo de Goiás procedeu à abertura dos envelopes com os nomes das OS que assumirão as primeiras 23 escolas públicas. O que o Sintego planeja fazer a partir de agora? 
Estamos trabalhando em várias vertentes. Estamos o tempo inteiro mobilizados, tentando esclarecer a população sobre os malefícios que as OS trarão às escolas públicas de Goiás, tanto para os trabalhadores da Educação como para os próprios alunos.
Estamos tentando envolver as pessoas. Desde o início de 2015 atuamos nesse caminho da mobilização contínua e permanente, que não se encerra com a abertura dos envelopes.  Muito pelo contrário, ela será intensificada. Estamos fazendo mobilizações de rua, atos públicos, audiências públicas, faremos seminários, conferências, faremos todos os debates possíveis para envolver a população na defesa da escola pública.
Estamos também trabalhando com uma equipe de advogados, que estão preparando ações para que a gente possa contestar judicialmente essa ação do governo, que não permitiu a presença do Sintego por ocasião da abertura dos envelopes, apesar do edital garantir a livre participação. Já acionamos o Ministério Público de Goiás e Federal (MP-GO e MPF), vamos envolver a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Procuradoria Geral da República e o Ministério da Educação (MEC), para contestar essas medidas extremamente arbitrárias do governador Marconi.
A polêmica das OS, então vai parar na Justiça.
Tememos a judicialização por conta da influência que o governo de Goiás exerce no Legislativo e no Judiciário, mas vamos fazer esse enfrentamento. Estamos buscando toda a fundamentação necessária, inclusive a partir da legislação educacional, que tem seu rito próprio e que poucos do mundo jurídico conhecem. Estamos precavidos, atentos e preocupados, mas não vamos recuar. Vamos fazer um trabalho de acompanhamento, de investigação, envolvendo as universidades e os fóruns de educação. Sabemos do poder que o governo tem junto à grande mídia, no Legislativo e no Judiciário.
Durante a ocupação da Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), alguns estudantes proferiram palavras de ordem contra o Sintego e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que se uniram ao protesto dos secundaristas. Como você avalia esse comportamento dos alunos?
Com tranquilidade. Conhecemos a organização do movimento secundarista, que tem diferentes linhas de atuação. Não é coeso. Vão contra as próprias entidades deles. Em algumas escolas ocupadas representantes da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (Umes) e da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES) não puderam entrar. Democracia é isso. Vemos com naturalidade. Mas posições como essa são ruins na hora de fazer o enfrentamento com o governo, para o qual precisamos de unidade. Esse sim é unido, no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. No afã de ser protagonista da luta, a divisão sectária não contribui para o êxito.
Te surpreendeu o governo ter acionado seu aparato policial para impedir a participação do Sintego e de estudantes na abertura dos envelopes?
O Sintego tem buscado participar de forma democrática, garantir a publicidade e a lisura do processo, mas este, desde o início, não tem sido a prática do governo, afoito para entregar as escolas públicas para as OS. Em nenhum momento houve diálogo com os alunos, os pais e os professores, os mais interessados na escola pública. Pra mim não foi surpresa a cavalaria, a tropa de choque. Por isso seguimos imediatamente para o MP-GO para denunciar esse impedimento. Os principais interessados, os educadores, não puderam acompanhar. Porque boa coisa não é.  Maracutaias serão corriqueiras com o repasse das escolas públicas para as Organizações Sociais.
Você acredita que as OS serão uma ponte para a corrupção?
O controle social, previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), tem sido impedido pelo governo Marconi Perillo. Vamos buscar garantir o direito legítimo dos trabalhadores da educação de serem ouvidos. Estamos preparando ação para contestar o edital de chamamento, o qual sequer respeitou o local previamente definido para a abertura dos envelopes.  Não se garantiu a transparência e a impessoalidade. Não acreditamos na lisura dos atos do governo.
Em que pese a preocupação dos movimentos sindicais e sociais, as OS no serviço público têm se tornado cada vez mais comuns no Brasil.
É um caminho muito preocupante. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) chama para uma greve nacional entre os dias 15 e 17 de março e a questão da terceirização da educação é uma das questões que a motivam. Isso já vinha acontecendo na hora de contratar merendeiras, pessoal administrativo, faxina, vigilância. Não havia chegado à carreira do professor. É uma afronta à LDB e à própria Constituição Federal, que diz que professor é carreira de Estado. Tem que ter concurso público para entrar. Para que não se perca a autonomia do educador e não ocorra o cerceamento do pensamento e produção intelectual. O MEC não comunga com essas medidas e vai encaminhar documento nesse sentido.
Em meio a toda essa polêmica das OS, o governo estadual está encaminhando para a Assembleia Legislativa o projeto de lei do chamado ajuste fiscal. O que os professores podem esperar dele?
Ataque frontal à carreira. Em 2012 foi retirada da titularidade de 30%, gerando uma quebra no incentivo à educação continuada. Todos os anos o governo de Goiás desrespeita a Lei do Piso, que estabelece que ele seja pago a partir de janeiro e o governo só paga a partir de maio, dando calote em 30 mil professores. Já ganhamos na Justiça, mas o Estado não respeita as decisões judiciais.
O Sintego tem dito que o governo não está aplicando os 25% da arrecadação na Educação, como prevê a Constituição.
E não tem mesmo. O governo de Goiás retira recursos da Educação, desviando os 25% constitucionais para a Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop). Temos feito essa denúncia em todos os espaços, mas a repercussão tem sido pequena, assim como o interesse em averiguar e investigar. Há mais de quatro anos o Conselho Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) não se reúne. Não sei como tem sido aprovadas as contas. Mas o controle absoluto que o governo exerce sobre todos os poderes, dá nisso. Ninguém investiga.
O governo de Goiás planeja repassar às OS cerca de R$ 300,00 por aluno/mês. Quanto às escolas recebiam até então? 
Cerca de R$ 120,00. Algumas nem isso. Continuo fazendo um desafio ao governo, que prefere não responder . Repassem para os diretores eleitos os mesmos valores que estão prometendo para as OS e faremos melhor. Esse discurso é só pra dizer que o que é público não presta. Qual o intuito do governo em destruir a escola pública? Precisamos é resgatar a escola pública e garantir que a ela cheguem os recursos constitucionais. Esperamos que o MP nos ajude a defender a carreira dos professores e a escola pública de qualidade.