GDF derruba espaço de cultura para pessoas em vulnerabilidade social

O Governo do Distrito Federal determinou, nessa quarta-feira (4/5), a derrubada de parte do Centro Cultural Filhos do Quilombo, na Ceilândia. Um trator do DF Legal deu fim não só à estrutura física do espaço, como também instrumentos e outros materiais utilizados nos trabalhos realizados com a comunidade local e das redondezas.

Contramestre Lagartixa é um dos fundadores do espaço que atende oito comunidades e cerca de 150 pessoas em vulnerabilidade social, grande parte em idade escolar. Há 12 anos no Centro Cultural Filhos do Quilombo, o Contramestre conta que não houve abertura para diálogo antes da derrubada.

“Chegaram sem avisar nada. Tinha o pessoal do DF Legal e um representante da Novacap. Achei estranho, pois eles não me apresentaram nenhum papel. Eu pedi explicação pro pessoal do DF Legal e eles diziam pra eu perguntar para o pessoal da Novacap. Eu ia pro pessoal da Novacap e eles jogavam para o DF Legal. Coloquei os dois juntos, e um ficou jogando pro outro. Aí derrubaram e foram embora”, conta o Contramestre Lagartixa.

Para tentar impedir a derrubada, integrantes do Centro Cultural Filhos do Quilombo fizeram uma manifestação com queima de pneus e roda de capoeira. “Ei, capoeira é educação, não é de bandido não”, cantavam em protesto enquanto praticavam a luta trazida para o Brasil pelos povos africanos.

Mas não adiantou. Além de parte da estrutura física do Centro Cultural Filhos do Quilombo, também foram destruídos berimbaus e tambores que entoam ritmos distintos daqueles tocados pela sirene da polícia quando o Estado não ampara quem não têm outra escolha senão o crime.

“Lamentamos profundamente a atitude truculenta do GDF. Ao invés de criminalizar e cercear o acesso a espaços de cultura, como foi visto no Centro Cultural Filho do Quilombo, o governo deveria investir nesses lugares, especialmente nas periferias”, critica a diretora do Sinpro-DF Márcia Gilda.

Segundo ela, a derrubada do Centro de Cultura é um exemplo de racismo institucional. “Quando instituições, públicas ou privadas, através de suas ações, promovem a segregação e o desrespeito a grupos historicamente oprimidos, como é o caso da população negra no Brasil, chamamos de racismo institucional. Sob pretexto de cumprir alguma legislação, o governo mascara a intolerância e o desrespeito infelizmente tão presentes no Brasil. Não vemos esse mesmo tratamento quando se trata de grupos não negros”, explica a dirigente que coordena a pasta de Assuntos de Raça e Sexualidade do Sinpro-DF.

“Má fé”

O Centro Cultural Filhos do Quilombo funciona na QNP 01/05 da Ceilândia. O espaço que existe há 15 anos agrupa seis lotes, onde são realizadas oficinas de capoeira, teatro, grafite. Segundo o Contramestre Lagartixa, um espaço cuidado pela comunidade.

Entretanto, ao Portal Metrópoles, a Secretaria DF Legal informou que, “após diversas reclamações da comunidade por meio da ouvidoria, a equipe foi ao local e constatou que trata-se de um cercamento de área pública, que é ilegal”.

O argumento é contestado pelo Contramestre Lagartixa. “A gente tem uma planta do espaço, feita pelo governo passado. Nessa planta, se liberava essa área que foi derrubada para a construção da Praça Filhos do Quilombo. Ficou de ser levantado o valor dessa planta para que, a partir de emenda parlamentar, pudéssemos construir esse espaço. Só que com a troca de governo, bagunçou tudo. E a resposta que veio foi essa”, conta.

O fundador do Centro Cultural Filhos do Quilombo ainda acredita que o argumento do GDF é de “má fé”. “A comunidade sempre esteve junto com a gente. Moro nessa comunidade desde os cinco anos de idade, sei quem é essa comunidade. E desde que o Centro existe, nunca houve reclamação. Por ser uma área de seis lotes, e valer dinheiro, sabemos que tem gente de olho. Isso é má fé. Eles querem procurar um motivo. Infelizmente, o motivo é marginalizar o negro da periferia”, rechaça o Contramestre Lagartixa.

Para ele, com a derrubada do Centro Cultural Filhos do Quilombo, quem perde é a sociedade. “A gente não vai ter espaço para trabalhar com a toda a garotata que trabalhávamos antes, e eles vão ficar ociosos. Com certeza, vai aumentar o índice de criminalidade na comunidade, coisa que a gente já tinha conseguido diminuir com o espaço”, lamenta.

Mas o Contramestre Lagartixa diz que a reivindicação pelo espaço continuará. “A partir de agora, vamos cobrar a Novacap para que eles deem continuidade ao projeto que já havia começado. Esperamos durante todos esses anos, e agora seremos tratados como ‘nada’? A gente espera que as autoridades revejam o ato, e que possamos continuar o projeto que abraça tantas crianças”, diz com voz firme.