Fim do Ministério do Trabalho aprofunda prejuízos trabalhistas e impede desenvolvimento do Brasil

Na semana em que a desastrada reforma trabalhista do governo ilegítimo de Michel Temer completou um ano, o presidente da República eleito, Jair Bolsonaro (PSL), anunciou que, no governo dele, o Ministério do Trabalho será extinto.Em  vez de cumprir a Constituição, como jurou fazê-lo perante Deus e a Bíblia, no seu discurso da vitória, Bolsonaro comunica o fim do importante instrumento de regulação da relação capital e trabalho do Brasil, o que aprofundará a precarização, a insegurança e o sofrimento dos trabalhadores.
Caso a extinção seja confirmada, será a primeira vez, em 88 anos, que o Brasil não terá uma pasta na área, desde que Getúlio Vargas (1882-1954) a criou, em 26 de novembro de 1930. Na quinta-feira (8), dia seguinte ao anúncio, todas as centrais sindicais publicaram notas de repúdio e cinco entidades de representação de magistrados, procuradores e advogados divulgaram uma nota técnica contra o fim do Ministério do Trabalho.
Confira aqui a nota da Central Única dos Trabalhadores (CUT) Brasil e a da Anamatra. 
Sindicalistas, juízes, procuradores e advogados do trabalho afirmam que a medida “sinaliza, negativamente, para um retorno do Brasil à década de 1920”. Em matéria postada no site, a CUT Brasil elenca uma profusão de prejuízos para a classe trabalhadora, como, por exemplo, o aumento do trabalho escravo no país.
“Propor o fim do ministério do Trabalho é demonstrar que não tem nenhum apreço pelo trabalhador”, declarou Vagner Freitas, presidente da CUT Brasil. Importante lembrar que Bolsonaro afirmou várias vezes, desde que se apresentou como candidato à Presidência da República, que o trabalhador terá de”decidir entre menos direito e emprego ou todos os direitos e desemprego”.
Renan Pieri, professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e do Insper, afirma que “o fim do teria no futuro o efeito de despolitizar os sindicatos”. No dia 8 de novembro, os servidores do Ministério do Trabalho se uniram em um abraço simbólico ao prédio do ministério contra o fim da pasta, que concentra funções de elaborar políticas para a criação de empregos e controle de salários, modernizar as relações do trabalho, fiscalizar os postos, desenvolver e proteger os trabalhadores.
Dentre as muitas políticas de regulação da relação capital e trabalho, o MT é responsável pela elaboração de diretrizes para geração de emprego e renda, emissão de documentos e fiscalização das relações trabalhistas, investigando denúncias de trabalho escravo e infantil e o cumprimento da legislação pelas empresas.
Intermediar essas relações era, entre 1930 e até hoje, “uma política alinhada com o que se pensava sobre o papel do Estado como um mediador das relações entre grupos e indivíduos”, explica Pieri. Na época de sua criação, a pasta foi batizada de “ministério da Revolução” por Lindolfo Collor (1890-1942), seu primeiro titular e avô do ex-presidente Fernando Collor de Melo.
“Essa revolução se refere a uma ruptura com a velha oligarquia agrária por meio da criação de um Estado positivista, a instauração de um modelo legal e burocrático que passa a organizar as relações sociais por meio do monopólio da força através de um sistema normativo”, diz Marcelo Nerling, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP).
As lideranças sindicais do Sinpro-DF veem na atitude do presidente da República eleito o aprofundamento de um Estado patrimonialista que só foi visto no início do século XX, quando não se separava o público do privado. “O fim do Ministério do Trabalho completa o papel da reforma trabalhista de Temer de enfraquecer todas as representações da classe trabalhadora, como os sindicatos”, diz a diretoria colegiada do sindicato.
Em entrevista exclusiva para o Sinpro-DF, Sadi Dal Rosso, professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), fala sobre os impactos da extinção do Ministério do Trabalho não só para os trabalhadores da iniciativa privada, mas também para os servidores públicos e, sobretudo, para os professores da rede pública de ensino de 1º, 2º e 3º graus.
Pesquisador na área de sociologia do trabalho, Rosso é autor de obras, como “A jornada de trabalho na sociedade”; “O castigo de Prometeu”; “O ardil da flexibilidade”, de 2017; “Mais trabalho”, entre outras. Confira a entrevista.
Entrevista |  Sadi Dal Rosso
Sinpro-DF – Quais os impactos da extinção do Ministério do Trabalho no Brasil?
Sadi Dal Rosso – O principal efeito de acabar o MT tem que ver, fundamentalmente, com os serviços de auditoria fiscal do trabalho. Sem o MT, perde-se esse setor que faz a fiscalização do trabalho e ganham as empresas privadas, no sentido de que podem tomar à frente iniciativas irregulares.
Imagina, por exemplo, a questão da Carteira de Trabalho assinada. Se não tem o serviço de auditoria, o trabalho com carteira assinada, o emprego, portanto, vinculado a direitos, perde espaço e o que acontece é que o trabalho informal irá se ampliar no país.
Posso dar outros exemplos muito importante como este: o da duração da jornada de trabalho e do pagamento das horas extras. Nisso, os auditores fiscais do trabalho tinham papel importantíssimo desde a época em que o Ministério do Trabalho foi constituído.
Eu poderia dizer ainda mais: essa importância é fundamental desde a época, por exemplo, das primeiras legislações na Inglaterra, de controle da jornada de trabalho. Elas dependiam dos auditores fiscais do trabalho, os fiscalizadores das condições do trabalho.
A supressão do Ministério do Trabalho no Brasil, agora, ou como eu vi hoje [12/11/2018] na imprensa, que talvez seja [um setor dentro do Ministério da Economia] submetido ao ministro Paulo Guedes, é uma coisa ridícula. É ridículo se submeter aquilo que deveria fazer o trabalho de fiscalização a exatamente quem está do lado da exploração.
Sinpro-DF – Por que o governo Bolsonaro decidiu extinguir o Ministério do Trabalho que nem a ditadura militar ousou extinguir?
Sadi Dal Rosso – Porque a escola neoliberal em economia e em sociologia, em geral, é contra a regulamentação do trabalho. Só em questões consideradas, por ela, muito graves e muito gerais é que ela concorda em participar. Digamos que o pensamento da dita Escola de Chicago, origem do ministro da Economia, Paulo Guedes, que é o fundamento do neoliberalismo atual, vigente no Brasil, vem no sentido de se contrapor a um aumento da legislação porque isso perturbaria as relações de trabalho entre empresas e empregadores.
Ora, o que queremos, aqueles que batalham pelas boas condições de trabalho, é que a legislação venha no sentido de constituir um conjunto de direitos dos trabalhadores perante as empresas, que são organizações muito mais poderosas do que os indivíduos particulares que vão buscar empregos nessas empresas.
Essa relação tem que ver com todo um pensamento majoritário, ultimamente não só no Brasil, mas, especialmente, nos países, digamos, Estados Unidos e Inglaterra, onde é muito mais forte. Observe-se que houve também um processo de reforma trabalhista na França, que é, tradicionalmente, um país para onde olhamos no sentido de buscar orientações do trabalho. A França que, por exemplo, chegou a uma jornada de 37 horas semanais. Muito mais avançado do que no Brasil que é de 40 horas semanais, no setor público, e, 44 horas semanais, no setor privado.
Assim, a gente sempre olhava para a França e ainda olha porque, apesar da reforma de lá, ela continua avançada, embora tenha dado uma flexibilizada, recentemente, na jornada de trabalho que permite, de alguma maneira, aos empregadores, aumentarem a jornada de trabalho. Isso, digamos assim, está relacionado ao chamado neoliberalismo.
Existe também, atrás disso, uma ingênua argumentação no sentido de que, se você tem menos direitos, vai se criar empregos. Isso é uma maluquice porque temos de ter empregos com condições de trabalho e de retorno, não é que sejam justa e adequada ao nível da sociedade que está hoje. Por que nos interessa criar formas de trabalho e empregos que seriam quase que trabalho escravizado?
Não é isso que queremos. O que queremos é trabalho com dignidade. E, evidentemente, veja que interessante, no auge do crescimento brasileiro, a taxa de desemprego chegou a cair a menos de 5% com todos os direitos garantidos. Então, é nesse sentido que eu acho que não é nem uma grande ingenuidade: é sim uma farsa.
É uma farsa dizer que retirando direitos do trabalho irá gerar empregos. O que cria empregos é se os investimentos são feitos; se o Estado faz investimentos na economia; se as empresas privadas investem. Isso é o que cria emprego. Agora retirar direitos é apenas uma farsa.
Sinpro-DF – Essa mudança toda tem alguma coisa de mudança de paradigma no mundo, uma vez que o senhor está citando outros países, incluindo aí os hegemônicos, e até a França, que, historicamente, tem a defesa dos direitos dos trabalhadores bem mais evoluída. O que pode estar por trás disso para além desse mero avanço da ultradireita ou do ultraneoliberalismo?
Sadi Dal Rosso – De certa forma, existe um pensamento internacional que, digamos, apareceu muito fortemente nos Estados Unidos, na Inglaterra, em países da Europa, que também, hoje, estão assim, que é a chamada “flexibilização” do trabalho. Então flexibilizar o trabalho é como se houvesse um trabalho rígido, em condições rígidas, repetitivas, por exemplo, na jornada de trabalho em condições repetitivas e o capital necessitasse de um trabalho que fosse flexível.
Isso tem um fundamento de realidade, por exemplo, se a gente observa o sistema financeiro, a gente vê que ele opera quase 24 horas por dia. Então, as pessoas que nele trabalha, tem de trabalhar para cobrir todos esses horários de trabalho. Então, parece que o elemento da tecnologia leva no sentido da flexibilização.
A flexibilização não pode ser o argumento que leve para a informalidade, à precarização do trabalho, a um trabalho mais desgastante, que é o que acontece frequentemente, como, por exemplo, no Brasil, na reforma trabalhista, foi colocado o trabalho intermitente.
O trabalhador fica esperando do lado de fora, sentado numa cadeira, até que chegue o horário de ele retornar ao local de trabalho. A flexibilização é um ardil, uma cilada.
Sinpro-DF – Desse ponto de vista da cilada, não sei como o senhor irá me dar essa resposta, isso intervém de forma negativa no desenvolvimento e no crescimento do país?
Sadi Dal Rosso – Sim. O trabalho em condições precárias intervém negativamente no desenvolvimento e no crescimento do país e prejudica também o empresário porque não irá gerar dinheiro e renda para materializar o consumo. Isso ocorre porque o trabalhador é levado a evitar de dar o máximo de energia que ele pode dar porque é um trabalho que não tem remuneração adequada, não oferece boas condições, que exige física e intelectualmente, por exemplo, como é no caso dos professores e das professoras que há uma exigência afetiva, que há uma enorme exigência no trabalho com as crianças nas escolas, então, isso é uma coisa que, digamos, essas modificações, retirar o Ministério do Trabalho, retirar a fiscalização do trabalho, direitos do trabalho leva ao que generalizadamente os autores têm chamado de aumento da precarização das condições do trabalho contemporâneo.
Sinpro-DF – Tem algum país que a gente possa citar como um exemplo dessa precarização?
Sadi Dal Rosso – Há iniciativas, como no caso inglês, aquela coisa da pessoa trabalhar e receber pela hora trabalhada e não tem mais relação entre ela e o empregador. Isso é uma maneira de cortar os vínculos entre trabalhador e empregador. É uma coisa que se espalhou muito na Inglaterra. O trabalho intermitente se espalhou na Espanha. No Brasil, parece que até agora o trabalho intermitente não teve lá muito sucesso e nem vai ter porque é como eu digo: empregos não são criados com as com a redução das condições de trabalho, a piora delas, a precarização das condições de trabalho. Os empregos são criados quando o Estado investe no país, quando o empregador privado investe mais.
Sinpro-DF – O senhor teria alguma consideração a mais sobre esse tema, incluindo aí coisas que não estejam exploradas pela imprensa e que também se relacionem com a docência.
Sadi Dal Rosso – Acho que a gente poderia refletir um pouco relativamente aos professores do Sinpro-DF que são professores de uma atividade extremamente importante que é a formação das crianças, a qualificação das crianças, e que é um trabalho com uma exigência psíquica e emocional igualável, talvez, somente ao trabalho da saúde, que pode equivaler a esse tipo de exigência que o professor tem. Retirar direitos, precarizar condições de trabalho, diminuir salários, aumentar jornada, interferir nos programas que são dados e na autonomia que o professor tem para realizar as suas tarefas em sala de aula, isso tudo é uma violência sobre o trabalho e precariza o trabalho no sentido específico que o trabalho tem de ser criador, autônomo, em favor do futuro de uma nova geração.
Sinpro-DF – Então, quer dizer que, aprofundando essa reforma trabalhista que parece ser focada na iniciativa privada, pelo que o senhor está falando, também afeta o serviço público e a educação pública?
Sadi Dal Rosso – Afeta o serviço público. Quer ver uma coisa que pode afetar os professores da rede pública de ensino? Tenho falado disso desde que saiu a reforma trabalhista e tenho escrito sobre isso: por exemplo, os professores podem ser contratados como terceirizados sem o concurso público. Isso pode ser tanto na escola de primeiro e segundo, à qual o Sinpro-DF atende, mas é também a minha realidade na universidade. Daqui um tempo, no meu entendimento, eles poderão contratar professores sem concursos públicos. O que seria um desastre porque aí o que vale é o poder de dinheiro. É importante ficar claro para todos e todas é que a ameaça de terceirização das atividades de ensino e pesquisa pode levar a esse ponto.