Feminicídios: crimes de ódio no cenário de guerra do patriarcado contra as mulheres

 

As mortes violentas de mulheres não saem de cena nem no Distrito Federal e Entorno, nem no Brasil. Diante de casos espantosos – em perversidade e em número – em dezembro de 2020, as mulheres decidimos nos organizar. Assim, surgiu o Levante Feminista Contra o Feminicídio lançado nacionalmente em 25 de março 2021, pensado inicialmente como uma Campanha. Neste mês, combativo, forte com infinidade de atividades, o Levante se revela muito mais uma Rede Nacional de Resistência permanente diante de feminicídios.

Nós, do Levante, declaramos ser imprescindível romper todos os silêncios – social, governamental – em torno das mortes violentas das mulheres, denunciando incansavelmente, pois feminicídios são escândalos. Declaramos ser imprescindível desconstruir interpretações sustentadas pelo patriarcado, usadas como atenuantes desse crime: feminicídio não é crime passional, feminicídio não é crime em defesa da honra, muito menos gesto irracional de quem “ama demais”. O Levante Feminista Contra o Feminicídio trabalha para levar a sociedade e o Estado à interpretação real do feminicídio: feminicídio é crime de ódio, crime de poder, que as lutas feministas conseguiram colocar na condição de crime hediondo desde a aprovação da Lei do Feminicídio em 2015.

Estimativas apontam que no período de caça às bruxas na Europa, quando se espalhou o terror e mulheres foram condenadas à fogueira – entre os séculos XV e XVIII -, cerca de mil mulheres foram levadas à fogueira, por exemplo, na diocese de Como. Lá, onde está o belo lago com o mesmo nome, sobre os Alpes italianos, muitos historiadores sustentam que, ao longo desses três séculos, entre quarenta e cinquenta mil mulheres morreram nas fogueiras. A estimativa mais alta é apresentada por Marilyn French (1929-2009), feminista estadunidense: nesses três séculos, cem mil mulheres teriam perdido a vida nas fogueiras. É o horror e esses números estão sendo apresentados porque no Brasil, em um período não de três séculos, mas de pouco mais de três décadas – entre 1980 e 2013 -, 106.093 mulheres foram assassinadas por maridos, namorados, ex (Mapa da Violência. Flacso, 2015). O quadro de feminicídios foi agravado com a ascensão do neonazismo brasileiro – golpe em 2016, vitória da extrema-direita nas eleições de 2018 -, e com a pandemia – início de 2020.

No Distrito Federal o quadro também é grave. Exemplificando: tivemos em 2022, 24 mulheres mortas por feminicídio. O 1º trimestre de 2023 ainda não acabou e já temos 12 mulheres vítimas de crimes violentos na capital do país, indicadas a seguir:

Fernanda Letícia da Silva, Miriam NunesOdineia Felix SalgueiroIsis TabosaJeane Sena da Cunha SantosGiovana Camily Evaristo CarvalhoJaqueline Souza PaivaIsabel GuimarãesSimone Sampaio de MeloLetícia Barbosa Mariano e Rayane Ferreira de Jesus Lima, além de uma mulher que não teve o nome divulgado. 

tentativas de feminicídio são recorrentes. Dia 23 de março, tivemos três ocorrências desse tipo. Em Vicente Pires, um homem esfaqueou, gravemente, a ex-mulher com 21 anos; em Ceilândia, um homem de 35 anos seguiu a ex e disparou a espingarda de 12 mm. Por fim, no Gama, um homem com 21 anos feriu com um canivete um casal de adolescente de15 anos, sendo detido suspeito de tentativa de homicídio e de feminicídio.

* Artigo publicado no site Brasil Popular

 

Por Ana Liési Thurler: socióloga e autora de Em Nome da mãe. O não-reconhecimento paterno no Brasil e Pós-patriarcado. Um tempo em construção.