Estatuto da Terra completa 59 anos e a concentração latifundiária no Brasil
Um dos principais desafios dos governos democráticos no Brasil é cumprir os artigos da Constituição Federal que determinam a função social da terra. Em 2023, 59 anos depois que a ditadura militar instituiu o Estatuto da Terra, o País ainda enfrenta o mesmo problema de concentração de terras de antes do golpe militar de 1964.
Neste 30 de novembro, o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) completa 59 anos e, embora a lei tenha sido promulgada pela ditadura militar para atender aos objetivos dos latifundiários da época e revogar o Estatuto do Trabalhador Rural (ETR), sancionado, em 1963, pelo governo democrático de João Goulart (PTB), ela está em vigor e é considerada a Certidão de Nascimento do Direito Agrário no Brasil.
Essa lei instituiu vários princípios da função social da terra contemplados na Constituição Federal. Até hoje o Estatuto da Terra é a principal Lei Federal que disciplina o uso, a ocupação e a relações fundiárias no País. O Observatório do Agronegócio no Brasil, cujo site se chama “De olho nos ruralistas”, explica que o estatuto foi uma das principais leis do golpe de 1964 e foi um golpe agrário e contra o campo.
Golpe de 1964 foi também um golpe agrário
“A derrubada do governo João Goulart contou com a colaboração de organizações ruralistas, como a Sociedade Rural Brasileira (SRB), e impactou diretamente a vida de indígenas e camponeses, justo num momento em que trabalhadores rurais vivenciavam um processo crescente de luta pela terra e por direitos sociais, escreve o site De olho nos ruralistas.
E continua: “Pouco tempo depois do golpe, em novembro de 1964, foi criado o Estatuto da Terra, que tirava direitos sociais estabelecidos no ETR, porém, criava a função social da propriedade. A seguir, os militares criaram órgãos públicos, incluindo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O que se viu ao longo dos anos, contudo, foi a repressão aos movimentos do campo e o exílio de grandes apoiadores de suas causas, caso do médico Josué de Castro, autor do clássico ‘Geografia da Fome'”, informa o texto.
Em uma entrevista ao site Brasil de Fato, em 2019, Nicinha Porto, presidenta da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), explica o duplo caráter dessa lei e mostra que isso “gerava uma contradição na prática, que acabou beneficiando o lado do desenvolvimento agrícola pelo viés da colonização de novas áreas com base em grandes propriedades. O efeito foi o inverso da reforma agrária”.
No texto do jornal, ela diz que o estatuto foi ignorado em relação às regras para a reforma agrária. “Nós tivemos o desenvolvimento da modernização conservadora da agricultura do ponto de vista produtivo, que produziu os grandes latifúndios”, afirma.
Concentração de terras no Brasil em 2023
Uma matéria do site da Comissão Pastoral da Terra deste ano mostra que a concentração de terra na mão de poucos custa caro ao Brasil. Dados de 2023 do Atlas Fundiário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) dão conta de que cerca de 3% do total das propriedades rurais do País, hoje, são latifúndios, ou seja, tem mais de mil hectares e ocupam 56,7% das terras agriculturáveis. Trata-se de área ocupada equivalente aos Estados de São Paulo e do Paraná juntos que está nas mãos dos 300 maiores proprietários rurais.
Enquanto isso, 4,8 milhões de famílias estão à espera de chão para plantar. Um dos exemplos do grau de concentração de terras no Brasil é a área de 4,5 milhões de hectares, localizada na Terra do Meio, coração do Pará, que o grupo CR Almeida, do empresário Cecilio do Rego Almeida, reivindica para si. Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) esse é o maior latifúndio do mundo.
Sinpro-DF e a Carta do MST
No ano passado, o Sinpro-DF divulgou uma matéria sobre o Estatuto da Terra na qual traz a Carta ao Povo Brasileiro, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na qual denuncia o aumento das desigualdades, dos crimes ambientais e da fome e afirma que a “falta de perspectiva atinge mais de 70 milhões de trabalhadores”. <
Na matéria https://x.gd/KVEgA, o Sinpro também explica que o Estatuto da Terra é a lei que determina ao Estado a obrigação de garantir o direito ao acesso à terra para quem nela vive e trabalha e que foi uma forma de a ditadura militar segurar os movimentos campesinos que se multiplicavam durante o Governo João Goulart e tinham as Ligas Camponesas como sua expressão maior.
Na obra “História das Ligas Camponesas no Brasil”, o professor, jornalista e escritor Clodomir Morais, um dos intelectuais orgânicos da reforma agrária no Brasil, conta um pouco dessa história. O MST afirma que o problema da fome do Brasil só será resolvido quando o País fizer a reforma agrária. Acesse o livro nos links a seguir:
< https://mst.org.br/2020/03/25/clodomir-morais-intelectual-organico-da-reforma-agraria/>
< https://issuu.com/paginadomst/docs/a_histo_ria_das_ligas_camponesas>
< https://mst.org.br/wp-content/uploads/2020/03/A-HISTO%CC%81RIA-DAS-LIGAS-CAMPONESAS.pdf>
O Estatuto da Terra é o primeiro ordenamento legal de conceitos importantes para o Campo Brasileiro:
Reforma agrária – é o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade. (Art. 1º)
Módulo rural – é a menor unidade de terra que serve de sustento para uma família ou, como define a lei: lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico – e cujas dimensões, variáveis consoante diversos fatores (localização, tipo do solo, topografia, etc.), são determinadas por órgãos oficiais.
Minifúndio – Uma propriedade de terra cujas dimensões não perfazem o mínimo para configurar um módulo rural;
Latifúndio – propriedades que excedam a 600 módulos rurais ou, independentemente deste valor, que sejam destinadas a fins não produtivos (como a especulação).
As metas estabelecidas pelo Estatuto da Terra eram basicamente duas: a execução de uma reforma agrária e o desenvolvimento da agricultura.
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