Esperança é a palavra que marca o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas 2023

Na antevéspera do Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, três pessoas da etnia Yanomami foram assassinadas. O crime, segundo a denúncia do líder Júnior Hekurari, que está na região acompanhando as ações de saúde para debelar a crise humanitária instalada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) na Terra Indígena (TI), foi cometido por garimpeiros. Segundo apuração do G1, a informação sobre os assassinatos foi repassada a Hekurari por indígenas das regiões de Haxiu e Waphuta.

Os crimes de morte são diários e não poupa ninguém. O massacre de agora é novo, mas há muitos precedentes na história do Brasil. Há suspeitas de que este, ocorrido nos últimos 5 anos, foi estimulado pelo governo anterior para pôr em prática um projeto antigo de extermínio de Yanomami a fim de deixar o local à mercê da garimpagem de riquezas minerais brasileiras nas terras demarcadas para essa etnia. Em abril de 2022, por exemplo, uma menina de 12 anos morreu após ser estuprada por garimpeiros e um bebê de 3 anos desapareceu no rio sugado pelas dragas do garimpo ilegal do ouro brasileiro. Esse tipo de morte ocorreu diariamente durante o governo Bolsonaro. Nos 9 milhões de hectares da TI, situada nos Estados do Amazonas e de Roraima, fronteira com a Venezuela, vivem oito povos indígenas, incluindo aí cerca de 28 mil Yanomami.

Todo tipo de crime tem ceifado vidas indígenas nessa região. Lideranças denunciam a contaminação dos rios devido ao garimpo e aos abusos sofridos pelas mulheres e crianças. A desnutrição atinge mais de 50% das crianças, e há um alto número de casos de malária, relacionados à expansão do garimpo. Ao constatar a gravidade da situação, o governo Lula decretou emergência de saúde e convocou voluntários para atuarem no local. O avanço de atividades ilegais estimuladas no governo Bolsonaro levou mais 20 mil garimpeiros para dentro do território.

Uma das primeiras ações do governo Lula para “demarcar” o tempo e garantir a política da esperança em prol dos povos originários foi a criação do Ministério dos Povos Originários. A ministra dos Povo Indígenas, Sônia Guajajara, tem visitado o local. Com o ministério, o governo Lula terá verba assegurada para combater as invasões e as mortes por desnutrição, malária, pneumonia e verminoses, além das mortes pela violência constante de garimpeiros ilegais.

A ministra Sonia Guajajara esteve na região nesse domingo (5/2) e, após um sobrevoo na TI, ela informou pelas redes digitais que foi ao local para “acompanhar de perto o trabalho que está sendo feito para garantir que a situação que o povo yanomami está passando seja revertida e que o trabalho e o processo seja feito o mais rápido possível! Ao chegar dentro do território, fui bem recebida pelos parentes e vi dentro do olhar de cada um “Esperança”. Esperança que agora eles terão total apoio e respeito”, destacou.

 

 

 
 
 
 
 
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A famosa “herança maldita” e a luta pela demarcação

Além da investigação aberta em várias frentes do Estado nacional para identificar os responsáveis pela situação, o recém-criado ministério, juntamente com outros órgãos, investiga 30 casos de estupro de meninas Yanomami. É assim que o Brasil se apresenta no Dia de Luta dos Povos Indígenas 2023, celebrado em 7 de fevereiro: diante de um panorama de crise humanitária que atinge os vários povos do grupo Yanomami. A situação deixada pelo governo Bolsonaro é a mesma para quase todos os 305 povos indígenas do Brasil.

“Temos 305 povos indígenas que resistem bravamente ao processo de apagamento das memórias e ao genocídio continuado. Hoje, a sociedade brasileira e mundial voltou seus olhos para um problema que temos denunciado há muito tempo. A questão yanomami tem sido denunciada há muito tempo. Vários movimentos indígenas denunciaram mundialmente, na ONU, os crimes de genocídio e de etnocídio que Jair Bolsonaro terá de responder. É brutal o que ele fez”, denuncia Daniel Iberê do povo Guarani Mbyá.

Conselheiro da Câmara Temática de Culturas Indígenas de Rio Branco, capital de Rondônia, e doutorando em Antropologia na Universidade de Brasília (UnB), ele afirma que no Dia de Luta dos Povos Indígenas deste ano, as populações originárias destacam a luta pela demarcação já. “Precisamos tratar dessa punição de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, temos de tratar do problema de invasão dos territórios indígenas”, assegura Iberê.

Ele informa que o Brasil deveria ter demarcado todas as TIs 5 anos depois de promulgada a Constituição Federal de 1988. “No último Censo realizado no País, em 2010, havia 1.239 territórios indígenas, mas apenas 404 reconhecidos. Há mais de 600 TIs ainda não foram reconhecidos. Mais de 60% da população indígena não está em TI nem demarcado nem não demarcado. O genocídio e etnocídio de Bolsonaro apresenta apenas um aspecto do problema, um tratamento brutal com relação aos povos originários. As não demarcações revelam o descaso do Estado nacional. Tudo isso, a nosso ver, revela um tratamento brutal com relação aos povos originários e que foi legitimado, validado, tratado, inclusive nas escolas, como “parentes” do passado, ancestrais”.

Genocídio continuado

Essa afirmação é amparada por outras denúncias de quem cobre e atua no tema dos povos originários. Em artigo publicado no Jornal Brasil Popular, intitulado “Genocídio continuado. Pirotecnia reciclada”, a jornalista especializada em povos originários, Memélia Moreira, afirma que “as imagens de corpos semimortos de pessoas do povo Yanomami, que causaram horror e indignação ao redor do mundo, me trouxeram de volta o horror que vivi ao lado desse povo durante outro pico de massacre, acontecido há exatos 33 anos. Não precisei ver as imagens porque eu as vivi. Carreguei em meus braços os corpos de adultos e crianças que chegavam em voos contínuos de helicópteros na aldeia Paá-Piu vindos de diferentes aldeias. Eles pesavam menos de 30 kg”.

Ela mostra que os atuais massacres não são novidade e ocorreram com intensidade em outros momentos da história do País, principalmente, na ditadura militar e nos anos seguintes, logo após o restabelecimento da democracia. O massacre de agora é o genocídio continuado e faz parte de um projeto antigo de alguns grupos envolvendo empresários, servidores públicos, militares e estrangeiros. Em oposição a esse genocídio continuado de povos indígenas está a luta pela vida. O Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas é um desses momentos de resistência, que não estão restritos ao 7 de fevereiro. A luta nacional dos povos originários é diária desde sempre.

O Sinpro destaca que, apesar das legislações protetivas, os prepostos de grandes empresários nacionais e internacionais ligados ao agronegócio, à pecuária, extração ilegal de madeira e, sobretudo, aos garimpeiros ilegais encontram na impunidade o estímulo para continuar o massacre. Muitos garimpeiros são empregados não só do grande empresariado do agronegócio e mineradores, mas também de militares e servidores públicos proprietários de várias empresas que atuam nos ramos da mineração de ouro, entre outros. A grilagem de TI é outra situação estimulada pela falta de punição de assassinos e mandantes. Só em janeiro deste ano, além das dezenas de mortes de indígenas no território Yanomami, o garimpo ilegal pôs em risco 13 mil povos indígenas, dentre eles os munduruku, kaiapó.

No sul da Bahia, por exemplo, o povo pataxó tem sido minuciosamente eliminado dentro de sua própria TI, como é o caso dos dois jovens assassinados dentro da TI Barra Velha do Monte Pascoal, no dia 17/1. Em entrevista ao Jornal da USP (Universidade de São Paulo), a professora do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Artionka Capiberibe, afirma que o que está na raiz dos problemas enfrentados pelos Yanomami é a terra. “Eles têm uma terra indígena demarcada e homologada, mas ela não é uma terra protegida”, diz. Nos anos 1990, relembra, houve a demarcação de terra após invasão de garimpeiros, que foi contida por uma pressão internacional.

Outro mecanismo eficiente para combater esse genocídio e etnocídio continuados é a educação pública e a preservação da cultura dos povos originários. No entendimento da diretoria colegiada, a educação é algo presente em todas as sociedades e, no caso dos povos originários do Brasil, com o processo de colonização, a educação passou por mudanças importantes. Os saberes tradicionais e a oralidade passaram a dividir espaço com a educação formal.

Educação em prol da vida e pela preservação de todos os povos           

Márcia Gilda Moreira, coordenadora da Secretaria de Raça e Sexualidade do sindicato, afirma que “a educação escolar indígena se tornou um tema importante nos últimos anos, sendo alvo de diversas pesquisas acadêmicas. Entretanto, muito pouco se sabe sobre os processos tradicionais de educação dos povos originários, ao que chamamos de educação indígena. Dessa forma permanecem grandes desafios a serem superados nesse campo”.

Segundo ela, é importante permitir o acesso a uma educação escolar que seja capaz de respeitar os valores e saberes tradicionais, a pluralidade linguística e as diversidades culturais de cada povo. “Lembremo-nos que no Brasil há mais de 150 línguas originarias”.

Ela observa ainda que “a implementação de políticas educacionais emancipadoras para esses povos se torna uma necessidade premente e uma obrigação do estado Brasileiro como um dos pilares fundamentais para reparação do genocídio perpetrado contra esses povos, sem prejuízo de outras ações no campo da saúde, segurança alimentar e do direito a terra e territorialidade”, afirma.

O Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas

Segundo dados do Conselho Regional do Serviço Social do Paraná (CRESS-PR), o dia 7 de fevereiro marca o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas. A data relembra o ano de 1756, quando ocorreu o falecimento do nativo guarani Sepé Tiaraju, uma das grandes lideranças indígenas dos Sete Povos das Missões, liderou uma revolta conta portugueses e espanhóis.

Em 2023, passados 267 anos da morte do indígena, os povos nativos seguem lutando pelo direito a terra, contra a destruição da natureza, pela demarcação e contra o extermínio e apagamento da memória de todos. O site do CRESS-PR, informa também que, no ano de 1756, os indígenas lutaram contra o Tratado de Madri, que dividia o território do Brasil entre portugueses e espanhóis.

Os povos lutavam pela manutenção de seus territórios localizados atualmente no centro-leste do Paraguai, noroeste da Argentina, Sul do Brasil e norte do Uruguai. Os povos originários defenderam suas terras, liderados por Sepé Tiaraju, que se tornou símbolo de resistência.

O Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas foi instituído pela Lei n° 11.696, de 2008. Passados quase 300 anos da morte de Sepé, a luta pelo direito à terra, o reconhecimento e respeito de suas culturas, se intensifica. No último dia 5 de fevereiro de 2020, o governo federal assinou um projeto de Lei que autoriza a mineração e geração de energia elétrica em terras indígenas.

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