“Escola também é lugar de combater a pólio”, diz coordenadora de Saúde do Sinpro

A poliomielite pode atacar o sistema nervoso e, em poucas horas, paralisar completamente alguém. Se atingir nervos que controlam os músculos respiratórios, por exemplo, a pessoa pode parar de respirar. Há mais de três décadas o Brasil não registra um caso da doença. Mas o risco da volta do poliovírus ronda o país, e a urgência de somar atores no combate à doença é flagrante. As escolas podem ser definitivas para a definição deste cenário ameaçador.

“O processo de ensino-aprendizado é amplo, e realizado para, acima de qualquer coisa, contribuir para a formação crítica das pessoas. Falar sobre vacinação, defender esse processo e orientar sobre sua importância está entre os muitos temas que devem ser abordados na escola. Isso porque vacina é questão de saúde pública, e salva vidas”, afirma a coordenadora de Saúde do Trabalhador do Sinpro-DF, Élbia Pires.

Diante da investigação do caso de uma criança de três anos que apresentou sintomas da poliomielite, no Pará, a Élbia reforça: “Escola também é lugar de combater a pólio. É claro que esse não é um papel exclusivo de educadores e educadoras, mas somos agentes importantes nesse processo de conscientização. Principalmente nos tempos atuais, em que a ciência é contestada e as fake news têm potencial de gerar a morte das pessoas.”

Os eventos recentes respaldam a fala da diretora do Sinpro-DF. No pico da pandemia da Covid-19, a vacina contra o vírus foi rechaçada por parcela da sociedade, motivada por discursos do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro. “Se você virar um jacaré, problema de você. Se você virar super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a falar fino, eles não vão ter nada a ver com isso. O que é pior: mexer no sistema imunológico das pessoas”, mentiu Bolsonaro quanto à vacina contra a Covid-19.

Paralelamente, uma série de desinformações, as chamadas fake news, começaram a circular nas redes sociais com intensidade. Mentiras como “a vacina contra a Covid-19 vai modificar o DNA dos seres humanos”, “a vacina contra a Covid-19 tem chip líquido e inteligência artificial para controle populacional” e “imunizantes contra Covid-19 estão relacionados à transmissão de HIV” estavam no rol de mensagens que chegavam para as pessoas e as desestimulava a se imunizar contra o pior vírus do século.

As fake news sobre vacinação não são restritas à imunização contra a Covid-19. Elas compõem o ecossistema do movimento antivacina, surgido em meados do século XIX e expandido também para o Brasil. Junto com a precarização da saúde pública e o desinvestimento na ciência, elas geram números alarmantes.

Segundo o Instituto Butantan, a cobertura vacinal no Brasil despencou na última década, e atinge principalmente o público infantil. “Embora o índice de vacinação ideal seja acima de 90%, as taxas gerais de imunização têm ficado abaixo desse valor desde 2012, chegando a 50,4% em 2016. No último ano, a porcentagem foi de 60,7%, segundo informações do DATASUS do Ministério da Saúde”, apresenta o Butantan.

De acordo com o Instituto, “a procura pela vacina contra poliomielite, o imunizante de gotinhas, caiu de 96,5% em 2012 para 67,6% no último ano”. Na matéria publicada em março deste ano, o Butantan afirma que “diante de um contexto de fake news, em que a desinformação é disseminada continuamente, a atenção à educação e a estratégias para incentivar o interesse pela ciência são cada vez mais importantes”. “Para que as pessoas possam ter a capacidade de discernir informações verdadeiras e falsas, é preciso ter educação de base, especialmente aplicada às áreas de conhecimento científico”, reforça a pesquisadora Soraia Jorge no material do Butantan.

Escola, parceira da saúde
Para a coordenadora de Saúde do Trabalhador do Sinpro-DF, Élbia Pires, um dos momentos mais chocantes dos últimos tempos foi a perseguição de professores e professoras que estimulavam estudantes a se imunizarem contra a Covid-19. “Os que faziam esforço em defesa da vida, sofriam represálias, ameaças. Isso é grave e, na mesma medida, inconcebível”, diz a sindicalista ao recordar os casos vividos em 2021.

Élbia lembra que é esse esforço, o que põe como pauta prioritária a defesa da vida, que deve sempre reger quem está à frente das salas de aula e das gestões escolares. “Temos a ameaça da volta de uma doença que não temos no Brasil há 33 anos. Uma doença que pode deixar nossas crianças sem andar; que pode matar. Temos que tratar do tema da vacinação de forma didática, dialogando com as várias idades. Temos que desenvolver projetos que falem não só da importância da vacinação contra a pólio, mas contra todas as doenças que podem ser evitadas. Temos que conversar com as nossas comunidades e sermos ferramentas no aumento da cobertura vacinal. Valorizar a ciência é proteger a vida”, avalia Élbia Pires.

Oportunismo
O governo de Jair Bolsonaro que não teve pudor ao se posicionar contrário à vacinação contra a Covid-19 se utiliza da ameaça da volta da pólio para tentar espaço de mídia durante a corrida eleitoral.

Para promover campanha de vacinação contra a doença, a exigência era de que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, aparecesse em cadeia nacional para dialogar com a população sobre a necessidade de ampliação da cobertura vacional contra a pólio. O pedido foi negado pelo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes. Ele avalia ser “viável que a população tenha acesso a tais informações por outros meios”, não sendo necessária a aparição de Queiroga, “sob pena de violação ao princípio da impessoalidade, tendo em vista a indevida personificação, no período eleitoral, de ações relacionadas à administração pública”.

A postura de Moraes foi recriminada por Bolsonaro, que mentiu ao comentar a ação do presidente do TSE. Em transmissão nas redes sociais, Bolsonaro disse que Moraes impediu a campanha de vacinação contra a poliomielite.

Prevenção
A vacinação é a única forma de prevenção da poliomielite. A recomendação é que todas as crianças menores de cinco anos de idade sejam imunizadas conforme esquema de vacinação de rotina e na campanha nacional anual. O esquema vacinal contra a poliomielite é de três doses da vacina injetável – VIP (aos 2, 4 e 6 meses) e mais duas doses de reforço com a vacina oral bivalente – VOP (gotinha).

A carteira de vacinação atualizada é obrigatória para a matrícula ou rematrícula de estudantes em escolas e creches públicas ou privadas. O descumprimento disso pode gerar questionamento do Conselho Tutelar.

 

 

 

MATÉRIA EM LIBRAS