Epidemiologista vê precipitação em retorno 100% presencial nas escolas públicas do DF

O retorno de 100% dos estudantes às aulas presenciais no Distrito Federal e em outras cidades é visto por epidemiologistas, médicos e outros pesquisadores como uma precipitação e um risco desnecessário que poderá custar a vida de crianças, adolescentes e membros de suas respectivas famílias, bem como para os(as) trabalhadores(as) da educação. Esses últimos já estão trabalhando 100% presencialmente.

 

Depois de instituir o retorno presencial e abolir o distanciamento social e o uso da máscara, na semana passada, o Governo do Distrito Federal (GDF) desobrigou, nesta segunda-feira (8/11), a medição da temperatura em comércios, shows, missas, cultos etc. A cada dia se observa uma atitude do governo no sentido de “normalizar” a pandemia, que ainda não está controlada. No Brasil, apenas começou a baixar os números de mortes, mas ainda morrem cerca de 300 pessoas por dia da covid-19.

 

O País ainda não conseguiu vacinar nem 60% da população, quando o recomendando pela ciência para garantir alguma segurança é a vacinação completa de 80% dos brasileiros. O GDF volta a se espelhar nas atitudes inconsequentes do governo Bolsonaro e coloca a capital do País na mira de novas avalanches de mortes evitáveis por covid-19.

 

Em entrevista ao Sinpro-DF, Heleno Rodrigues Corrêa Filho, epidemiologista e Pesquisador Colaborador Associado do Departamento de Saúde Coletiva, da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília (UnB-FS-DSC) e da Escola Superior de Ciências das Sáude da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciência da Saúde (ESCS-FEPECS), afirma que isso só poderia ter acontecido com base na Nota Técnica – NT 02/2021, sobre o tema, editada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no dia 21/10, fruto de trabalho de comitê específico para o tema controverso – a volta presencial às escolas pré-escolares, elementares e secundárias.

 

Ele explica que a volta às aulas com 100% do retorno dos(as) estudantes é uma ação multidisciplinar. “Obriga a incluir epidemiologistas, virologistas, biólogos, arquitetos, administradores e gestores de serviços de saúde. Não pode ser resolvido politicamente, tal como têm conduzido a maioria dos governadores de estado, prefeitos, e mesmo gestores de secretarias de educação. As decisões tomadas têm sido autoritárias, sem consultas aos profissionais encarregados da Vigilância em Saúde e sem suporte acadêmico apropriado”.

 

No caso do Distrito Federal, segundo o epidemiologista, a gestão tem sido marcada por bases econômicas separadas de qualquer suporte de Saúde Pública. “Argumenta-se há mais de 1 ano com o número de mortes, a taxa de ocupação de leitos de UTI (Unidades de Terapia Intensiva), e o aumento gradual, em ritmo de lesma, da proporção (porcentagem) de pessoas vacinadas. Ignora-se, desde março de 2021, que, com a disponibilidade de vacinas, a imunização da população escolar deveria ter sido planejada para os maiores de 12 anos de idade”.

 

O professor informa que, a partir de outubro de 2021, começaram a ser divulgados estudos em andamento para crianças de 5 a 11 anos de idade com vacinas de diversas origens, incluindo as vendidas por multinacionais, que são baseadas em RNA (Pfizer, Moderna), além das vacinas com vetores virais (Sputnik V, Astra-Zêneca) e também as de vírus mortos ou inativados (CoronaVac).

 

“Um programa decente, não criminoso, para o retorno às atividades escolares presenciais deveria incluir, obrigatoriamente, planos de testagem de turmas de estudantes nas idades apropriadas, em sistema de rodízio, com testagem múltipla de estudantes e isolamento com detecção de casos positivos por dez dias em espaço domiciliar ou isolamento comunitário planejado. Sem testagem em massa, sem detecção de novos infectados por contágio comunitário, a Pandemia se sustentará e poderá voltar a apresentar novos picos, com TAXAS de transmissão elevadas (Índice Rt), que raramente é levado em consideração nas alegações de que todos podem voltar às aulas”, critica.

 

O cumprimento desses protocolos têm sido uma das principais reivindicações da comissão de negociação do Sinpro-DF nas reuniões como o Governo do Distrito Federal (GDF) e por intermédio também do Comitê de Monitoramento. No entanto, até agora são vozes no deserto.

 

Heleno explica que argumentam que o risco de adoecer e morrer das crianças é menor. “Não consideram que mesmo sendo menor, “poucas” crianças vão adoecer e morrer, além de levarem a doença para contagiar seus familiares adultos e idosos. Serão “poucas” por que não serão as crianças das casas de quem toma as decisões. Pouco não é “zero”. Poucas são as filhas e filhos de trabalhadores que saem de casa para trabalhar desesperados para que seus filhos tenham escola, alimentação e acolhimento educacional”.

 

Com uma análise científica desse retorno, o professor da UnB e da ESCS critica o fato de as escolas continuarem sem testagem sistemática por amostragem. “Os testes continuam sendo jogados fora nos portos e repartições alfandegárias sem serem distribuídos e usados. As crianças voltarão às escolas sem planejamento, sem janelas, sem banheiros, e sem infraestrutura que deveria ter sido reformada para melhorar a ventilação, a iluminação e o conforto”, denuncia.

 

“As normas apresentadas pela Fiocruz servem de orientação. As decisões criminosas de voltar tudo sem plano de testagem amostral e isolamento seletivo são mau exemplo de governantes que planejam para os bancos, para o comércio e contra a vida das pessoas, especialmente as crianças”, finaliza.

 

Na quinta-feira passada (4/11), a Fiocruz editou um novo Boletim do Observatório Covid-19 da em que volta a insistir na precipitação de retornos presenciais, aglomerações e liberação do uso de máscaras. No boletim, a instituição informa que não está na hora de retomada de eventos sociais com aglomeração levando em conta apenas o percentual de adultos completamente vacinados.

 

Para os pesquisadores do Observatório, é fundamental que se atinja o patamar de 80% de cobertura vacinal completa da população total. Com essa meta, além dos adultos, a campanha de imunização deve atingir também crianças e adolescentes para se começar a pensar na volta presencial. Segundo o último boletim, a cobertura vacinal vem aumentando muito devagar e, recentemente, alcançou apenas 55% da população total, ainda distante do patamar ideal.

 

A Fiocruz também alerta para o fato de que há uma quantidade expressiva de pessoas que precisam retornar para a segunda aplicação do imunizante. Que é o caso dos adolescentes do Distrito Federal. Na semana passada, o Governo do Distrito Federal (GDF) anunciou que 80% dos(as) adolescentes da capital do País estavam vacinados, contudo, esse percentual reflete a realidade dos(as) que tomaram apenas a primeira dose.

 

O Boletim da Fiocruz informa que “a recomendação é de que, enquanto caminhamos para um patamar ideal de cobertura vacinal, medidas de distanciamento físico, uso de máscaras e higienização das mãos sejam mantidas e que a realização de atividades que representem maior concentração e aglomeração de pessoas só sejam realizadas com comprovante de vacinação”, ressaltam os pesquisadores. Países do Leste Europeu e os EUA, por exemplo, vêm apresentando surtos de Covid-19 em condições de baixa cobertura de vacinação, o que deve ser evitado no Brasil.

 

E destaca: “Vale lembrar que a população de adolescentes, pelo tipo de comportamento social que tem, é um dos grupos com maior intensidade de circulação nas ruas e convive com outros grupos etários e sociais mais vulneráveis. Por isso, é equivocado pensar que, com a população somente adulta coberta adequadamente, a retomada irrestrita dos hábitos que aglomeram pessoas é possível”, afirmam os cientistas.

 

No Reino Unido, por exemplo, as autoridades sanitárias acompanham atentamente uma nova mutação da variante delta do coronavírus que está crescendo em número de casos no país. A delta é a variante dominante entre os britânicos, mas os dados oficiais mais recentes sugerem que 6% dos casos que foram sequenciados geneticamente são de um novo tipo, o chamado AY.4.2 ou delta plus. Essa variante tem preocupado tanto os países da Europa como os EUA.