Entrevistas: CNTE desenvolve projeto solidário de formação de lideranças

Confira as entrevistas realizadas durante os Encontros Solidários de Formação Sindical com sindicatos paraguaios, entre 1 e 5 de fevereiro, em Ponta Porã-MS, com as entidades OTEP-Autêntica e a UNE Sindicato Nacional, ambas do Paraguai e também afiliadas à IEAL – Internacional da Educação para América Latina.
Gilmar Soares – O Secretário de Formação da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), professor Gilmar Soares, nos falou um pouco sobre a visão da entidade sobre o tema da cooperação Sul-Sul para iniciativas de formação sindical solidárias que promovam o fortalecimento do movimento sindical na América Latina:
Como a CNTE entende a importância desse projeto de Formação Sindical solidária?
Sabemos que o Brasil é um país que tem na sua história de formação uma condição de negação de direitos, principalmente na questão da educação. O papel da CNTE é fazer a luta para garantir em essência o direito à educação para a maioria da população através da escola pública gratuita e de qualidade socialmente referenciada.
O papel da Secretaria de Formação da CNTE é desenvolver a política de formação de dirigentes sindicais já que o movimento sindical carece de lideranças capazes de levar o projeto adiante, lutando para manter os direitos atuais mas também avançando para a conquista de novos direitos. Desde 2007, o programa de formação da entidade tem sido fundamental para alcançar esse objetivo. O programa de formação é sistemático e foi pensado para trazer resultados a médio e longo prazo, no sentido de capacitar novos dirigentes sindicais, mas também manter o nível qualitativo dos quadros atuais com relação à compreensão do que foi a luta em torno da conquista de direitos nesse país. Os materiais também abordam conteúdos sociológicos, políticos, filosóficos e educacionais, que dão sustentação à luta sindical.
Nossa Confederação sempre recebeu apoio externo de outras organizações. O Lärarforbundet, Sindicato de Educadores da Suécia, por exemplo, nos auxiliou na produção dos 14 fascículos que compõe a base do nosso programa de formação. Então, a partir de 2010, entendemos que diante do novo contexto social e político vivido no Brasil, era momento de também apoiar organizações irmãs e, desde então, temos realizado ações solidárias junto às entidades afiliadas à IEAL (Internacional da Educação para América Latina) e também do continente africano, buscando apoiá-los em suas demandas e necessidades de formação de um sindicato autônomo, democrático e de luta.
Desenvolvendo esse projeto solidário, tivemos uma experiência com Cabo Verde, estamos fazendo essa experiência com o Paraguai, iremos fazer o mesmo com a Bolívia, e também com Angola e Guiné Bissau. É um desafio que temos para cumprir o compromisso da CNTE de organizar os trabalhadores na luta por direitos.
 Gabriel Espinola é o Secretário Geral da OTEP-Autêntica (Organização de Trabalhadores da Educação do Paraguai), entidade fundada em 11 de novembro de 2011, que conta com 4.000 afiliados e está presente em 14 dos 17 estados paraguaios. O professor Espinola milita no movimento sindical há quase trinta anos e nesta entrevista nos conta um pouco da realidade do Paraguai, e sobre os grandes desafios que se apresentam:
Qual o cenário político do Paraguai hoje?
O cenário político que temos hoje é repressivo, de perseguição e de mera formalidade democrática. Isso significa dizer que temos os três poderes, porém articulados para sustentar políticas neoliberais, num processo de consolidação da direita no país. O judiciário, por exemplo, está submetido à instabilidade da conjuntura política, principalmente marcada pelos partidos tradicionais e centenários do Paraguai. Os partidos majoritários no país são o Colorado, que após 60 anos governando teve uma breve interrupção de três anos e meio em 2008, mas que agora está novamente no poder, e o Partido Liberal Radical Autêntico, que tem “radical’ e “autêntico” no nome mas que, quando vê seus interesses ameaçados de alguma forma, como foi em 2012, não tem problema em superar décadas de diferenças políticas e se aliar com o Colorado, como foi no caso do golpe que destituiu o presidente Lugo.
E o que mudou no país após o Golpe de Estado que depôs o presidente Lugo em 2012?
A principal mudança foi a diminuição das políticas sociais, a exemplo dos orçamentos para saúde e educação que foram drasticamente reduzidos. As cifras são muito eloquentes, em Saúde o investimento médio na América é de U$D217, enquanto que no Paraguai é de apenas U$D37. Em Educação, no ano passado, tivemos um investimento de 3,9% do PIB, o mesmo que em 2011, mas com todas as variações cambiais do dólar, sabemos que esse percentual deveria ter sido pelo menos o dobro. O anúncio da implantação dessas políticas neoliberais foi muito claro desde o início da campanha do presidente Cartes, que já disse claramente que se os Sindicatos forem obstáculos para o “desenvolvimento” serão combatidos, e é o que está fazendo quando se nega a registrar sindicatos e suas comissões diretivas, além de fortalecer o lado patronal endossando demissões de sindicalistas.
Como essa realidade impacta as lutas do Sindicato e os direitos dos trabalhadores da Educação?
Os direitos de todos os trabalhadores e não apenas os da Educação são atacados no Paraguai. Temos que lembrar que o que detonou o golpe de Estado de 2012 foi o Massacre de Curuguaty com 16 mortos entre camponeses e policiais, onde apenas camponeses são apontados como culpados, a despeito de evidências como o tipo de armamento que disparou os tiros fatais: onde estão as armas de guerra que foram usadas nas execuções? E onde estão os que as usaram? Estamos a poucos dias de ver camponeses serem condenados, injustamente, por esses crimes, então, a partir desse processo chegamos à clara constatação de que a criminalização das lutas sociais está muito presente no nosso país. No magistério sofremos, por exemplo, com a situação de uma companheira da OTEP-SN, exonerada após 22 anos de trabalho e luta. Independente das diferenças entre os sindicatos, estamos unidos nos atos em solidariedade a essa companheira, convocamos um congresso unitário para buscar conjuntamente como reverter essa situação, que não é a única. A greve de 2013, ano de posse do presidente Horacio Cartes, foi judicializada e considerada ilegal.
Quatro companheiros da Federação que faziam parte do Comitê de Greve foram levados a juízo e destituídos de suas atribuições. Ou seja, está comprovada a perseguição aos Sindicatos e a violação aos direitos humanos, tanto do ponto de vista dos organismos internacionais quanto da própria legislação trabalhista. Acreditamos que a intenção do presidente Cartes e da direita é criar toda uma estrutura normativa que facilite e permita a transferência do patrimônio nacional para empresas privadas, de capital nacional ou multinacional, sob o pretexto de estabelecer parcerias público-privadas. Diante desse cenário temos buscado desenvolver nossas lutas e reações, tomando algumas medidas unitárias, entre as quatro organizações: FEP (Federação de Educadores do Paraguai), OTEP-Autêntica (Organização de Trabalhadores da Educação do Paraguai), UNE S.N. (União Nacional de Educadores – Sindicato Nacional) e MAS-MP-SN (Movimento de Ação Sindical do Magistério Paraguaio – Sindicato Nacional), destas OTEP e UNE são afiliadas à Internacional da Educação para América Latina. Conseguimos regularizar alguns componentes da carreira docente, garantir benefícios por tempo de serviço e ajuste salarial para catedráticos. Não haveria investimentos em educação de 2016, mas obtivemos 20 milhões de dólares para aplicação em benefícios sociais. Tudo isso foi fruto de mobilização e luta unitária, por isso apostamos fortemente que esse deve ser o norte de nossas lutas para enfrentar a política neoliberal. Hoje no Paraguai está instalada uma campanha contra o movimento sindical e os contratos coletivos. Todos os veículos impressos e as redes de TV pertencem a três famílias, inclusive à do presidente Cartes, assim, de forma tendenciosa, a grande mídia tem buscado enfraquecer os movimentos sociais e desestabilizar suas ações.
Qual sua avaliação sobre esse primeiro encontro solidário de formação sindical entre Brasil e Paraguai?
Nossa avaliação é muito positiva, pois vemos o internacionalismo sendo colocado em prática, e essa tem sido uma bandeira dos trabalhadores em todo o mundo. As fronteiras são imaginárias e atrás dessas fronteiras as realidades são as mesmas para os trabalhadores, para as classes populares, mulheres e homens do campo e para os estudantes. Colocar essas realidades comuns no contexto dessa relação fraterna e solidária no início de uma cooperação Sul-Sul, é lançar um olhar diferente porque contribuiremos com nossas próprias condições, umas um pouco mais favoráveis, mas passamos a ser um grupo da mesma categoria dando as mãos para avançar. Na OTEP-Autêntica estamos num processo de desenvolvimento com base no eixo “formação político-sindical”, e acreditamos que esse aprendizado não deve servir apenas no campo da luta sindical, mas pode acompanhar o desenvolvimento da própria educação no âmbito das instituições de ensino.
Quais os desafios da OTEP-Autêntica diante das lutas sociais do povo paraguaio?
Uma perspectiva meramente corporativista que não seja uma visão global, evidentemente irá contribuir para que a educação continue sendo uma ferramenta para os que dominam e não uma ferramenta para emancipação dos povos. Quando o sistema é quem nos forma, é justamente para perpetuar esse modelo de sociedade, assim, quando nossas organizações sindicais abrem espaço para formação político-sindical, estamos permitindo a criação de uma consciência mais crítica. Nossa participação política não pode ser apenas ir às urnas, mas deve sim influenciar a tomada de decisão de quem elegemos. Também não deveríamos eleger aqueles que irão nos oprimir. Essa combinação de participação política que pode se concretizar no ato eleitoral precisa estar bem fundamentada e nós, trabalhadores da educação, exercemos um papel fundamental porque temos relação com os estudantes, com a comunidade e com nossos pares da classe trabalhadora. Então, nosso compromisso como Sindicato é o de sermos coerentes não apenas no discurso, mas na prática.
Para conhecer um pouco da realidade deste país vizinho e alguns dos desafios que este sindicato enfrenta, conversamos com o companheiro Reinaldo Figueredo, Secretário de Formação da UNE –SN e com a companheira Nancy Sabina Esquivel Jara, Secretária de Finanças da entidade:
O que mudou no Paraguai após o Golpe de Estado que depôs o presidente Lugo em 2012?
Reinaldo Figueredo: Esse golpe foi planejado levado a cabo de forma sangrenta. Não podemos esquecer que o Massacre de Curuguaty foi planejado com o propósito muito bem definido de depor o presidente Lugo, contou com o bombardeio midiático e até hoje é um crime em que as investigações e o julgamento são falsos e arbitrários. Todas as manobras jurídicas possíveis estão sendo feitas para condenar os camponeses. Hoje vivemos num país em que a classe trabalhadora está cada vez mais vulnerável, e tendo seus direitos atacados. Os sindicatos têm papel relevante e essencial, de resistência às opressões e estão sendo combatidos com veemência porque tem capacidade de mobilização e articulação, particularmente os sindicatos do ramo da educação porque nos comunicamos com toda a sociedade. Isso nos leva continuar defendendo o slogan que “só o povo salva o povo, só os trabalhadores organizados salvam os trabalhadores e só os docentes salvam os docentes e a própria educação”.
Como o cenário político atual do Paraguai afeta a atividade sindical?
Reinaldo Figueredo: A conjuntura sócio-econômica-política do país está passando por um momento de desequilíbrio que se reflete na realidade dos Sindicatos que ficam debilitados mas de forma nenhuma são eliminados. Como sempre acontece aos movimentos sociais, a atual cena política que enfrentamos no Paraguai tem exigido de nós uma mudança nas estratégias de luta. É possível perceber que o medo volta a se instalar na medida em que os sindicalistas têm seus direitos ameaçados, a exemplo de companheiros que têm sido compulsoriamente afastados de suas atribuições profissionais. Com esse tipo de represália por sua atuação social, alguns Sindicatos tem se submetido aos desmandos do Governo. Novos sindicatos não têm conseguido obter seus registros junto ao Ministério da Justiça do Trabalho, e já existem algumas ações no sentido de eliminar o imposto sindical e inviabilizar a subsistência dos Sindicatos. Mas por outro lado, essas dificuldades podem ser revertidas em oportunidades de crescimento para aqueles sindicatos que estão bem estruturados e tem desenvolvido estratégias de enfrentamento a essas formas de repressão, já que como a população está desprotegida também precisa e vai buscar mais apoio junto aos sindicatos.
Quais estratégias a UNE-SN tem utilizado para fazer o enfrentamento às políticas neoliberais no país?
Reinaldo Figueredo: Diante da realidade política em nosso país temos buscado estratégias em várias frentes para fortalecer nossos afiliados e nossas instituições. Temos adotado projetos educativos junto ao Ministério da Cultura, no Congresso e com entidades afins do ramo da Educação e isso tem sido importante para facilitar nosso trânsito nesses meios. Consideramos importante criar grupos de trabalho com as instituições com as quais temos que trabalhar, a exemplo do Ministério da Educação, Ministério do Trabalho, outros sindicatos e também com a comunidade escolar (pais e estudantes). A formação sindical também tem sido uma das estratégias que utilizamos, aplicando duas formas de trabalho, que são as Jornadas Sindicais mensais voltadas a formar os afiliados de nossa base e os cursos direcionados para nossos dirigentes. Também nos fortalecemos quando melhoramos a oferta de serviços que oferecemos aos afiliados através da Secretaria de Assuntos Sociais e através das alianças com entidades internacionais como a IE – Internacioinal da Educação, CSA – Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas e a OIT – Organização Internacional do Trabalho. Temos estabelecido diálogo com os parlamentares, já que todas as negociações salariais passam posteriormente pela aprovação do Congresso. Finalmente, sempre que necessário, o Sindicato convocará mobilizações e greves, pois sabemos que são instrumentos efetivos para pressionar durante as negociações e avançar na pauta de reivindicações da categoria.
Nancy Esquivel – Qual a importância desse encontro para o trabalho na UNE-SN?
Nancy Esquivel: Acredito que há três pontos de importância fundamental: compartilhar e trocar experiências entre os sindicatos do Brasil e do Paraguai para fortalecer a unidade sindical dos trabalhadores da educação, obter uma visão geral da situação política e social na América Latina e, finalmente, nos permite planejar e desenvolver programas de formação político-sindical para os afiliados da UNE-SN.
Quais os desafios da UNE-SN diante das lutas sociais do povo paraguaio?
Nancy Esquivel: Pontualmente podemos relacionar estes desafios:
• A luta para o cumprimento dos direitos dos trabalhadores da educação;
• Buscar a unidade dos professores para enfrentar as políticas neoliberais do governo nacional, para definir estratégias unitárias de controle que permitam alcançarmos os benefícios que estão pendentes e as propostas que apresentamos ao Ministério da Educação e ao Governo Nacional.
• Implementar o piso salarial nacional do magistério.
• Fortalecer a educação pública gratuita e de qualidade.
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