Escola Meninos e Meninas do Parque: 30 anos da “escola que fala” e resiste

Foi dia de celebração, mas também de cobranças e encaminhamentos. Os 30 anos da Escola Meninos e Meninas do Parque, comemorados em Sessão Solene no Plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) na manhã dessa quarta-feira (13/8), levou ao Plenário da Casa Legislativa e deu voz a diversos estudantes da escola, que atende pessoas em situação de rua.

A Comissão de Educação e Cultura da CLDF vai preparar, em conjunto com a procuradoria do MPDFT, uma carta conjunta a ser encaminhada para diversas secretarias do GDF, como Casa Civil, Saúde, e Educação, com o intuito de viabilizar a interlocução política entre os diversos órgãos do Executivo em prol da população de rua, incluindo a busca ativa por estudantes EJA e transporte da população em situação de rua do centros Pop até a Escola Meninos e Meninas do Parque.

O encaminhamento surgiu após pedido da promotora Luisa de Marillac, presente à mesa da sessão solene. Ela sugeriu a carta conjunta interinstitucional para exigir alguns procedimentos importantes para a população de rua. A ideia é exigir um fluxo de encaminhamento entre a população de rua e a educação, trazendo como referência a Escola Meninos e Meninas do Parque.

A escola completou, no último dia 18 de abril, 30 anos de existência e resistência. O nome da escola vem do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, e batiza a escola pensada para acolher crianças e jovens em situação de rua que, naquele ano de 1995, viviam embaixo da marquise da Rodoviária do Plano Piloto. A primeira gestora, Palmira Eugênia, lutou muito para que a escola fosse instalada no Parque da Cidade – onde está até hoje e vive sofrendo com ameaças de remoção, por estar num espaço nobre de Brasília.

 

Sessão solene da CLDF em homenagem aos 30 anos da Escola Meninos e Meninas do Parque | Foto: Deva Garcia

 

A sessão solene na CLDF, convocada pelo presidente da Comissão de Educação e Cultura, deputado Gabriel Magno, deu voz a diversas pessoas que estudam na instituição que é referência nacional de expertise no atendimento educacional a pessoas em situação de rua. E, com o microfone ligado, ouviu-se de tudo. De declamação de poesia a pedidos de ajuda com questões burocráticas e um “livro para eu aprender como ser técnico de futebol”.

O deputado Gabriel Magno disse aos presentes que, ao final do ano, levaria moção de louvor a cada um dos e das estudantes da escola: “Assim, vocês vão ter dois diplomas: o da escola e o da Câmara”.

Participaram da mesa, além de Gabriel Magno, a diretora do Sinpro Solange Buosi (que substituiu a diretora Regina Célia, impossibilitada de comparecer por questões de saúde); a doutora Luisa de Marillac, da 4ª Promotoria de Defesa dos interesses da Infância e Juventude do MPDFT; a diretora de Direitos Humanos da SEEDF, Patrícia Melo; a coordenadora do Movimento Nacional da População em Situação de rua, Joana Basílio (que é ex-aluna da escola); e, representando a Escola dos Meninos e Meninas do Parque, o vice-diretor da Escola, Jorge Luiz (Jorjão), a diretora Amelinha Araripe e o estudante Fernando.

A sessão começou com a estudante Raquel de Almeida declamando uma poesia para a escola. Ela tem 68 anos e contou orgulhosa que conclui este ano o ensino fundamental: “Eu parei de estudar na quinta série. Voltei aos 17, fiz o supletivo mas não continuei, e hoje estou terminando o fundamental aos 68 anos. Eu mando médico voltar pra escola pra aprender caligrafia!”

A diretora do Sinpro Regina Célia apontou à reportagem do Sinpro sobre “o direito à existência e do dever social de resistência que a escola abraçou de maneira freireana, responsável e humanizada. “Meu orgulho do trabalho dessa escola ultrapassou meu dever enquanto sindicato.”

A diretora do Sinpro Solange Buosi, presente à cerimônia, apontou que “estar com vocês aqui representando meu sindicato me orgulha profundamente, pois o Sinpro também tem o princípio humanista”.

 

Existentes e resistentes da “escola que sabe falar”

A Escola Meninos e Meninas do Parque, segundo o estudante Ênio, é uma escola “que sabe falar”. E, na sessão solene desta quarta-feira, ela falou por meio de seus e suas estudantes. Em declarações simples e carregadas de sinceridade, esteve presente o carinho e o reconhecimento pelo trabalho realizado pelos professores e professoras da escola, e o tanto que o acolhimento na escola fez a diferença em suas vidas:

“Eu estou há 3 meses na escola, e meu dia a dia tem melhorado muito por isso. Quero destacar os professores e a escola, por nos ensinarem a olharmos mais pra nós mesmos, nos mostrando nosso potencial que podemos desenvolver e também a importância de colocar o coletivo sobre o individual”, disse Ênio.

“A diretora me disse uma vez que podem tomar tudo o que for da gente: um boné, um celular, até o namorado ou namorada. Mas o que ninguém vai tirar de você é o seu estudo”, contou Rafaela.

“Eu nasci em 1958. Na minha época, meus pais diziam que escola não prestava, o que prestava era trabalhar na roça, sem máquina, só na mão. Naquela época, não tinha escola, quem ensinava pra gente era o colégio das irmã. Agradeço às professoras, porque o que eu devia ter estudado há 40 anos eu estou estudando hoje”, falou Antônio Silveira da Rosa. O deputado Gabriel Magno pontuou: “sempre é tempo de estudar, e o papel do estado é garantir esse direito!”

“Meu nome é Jean, estudo há 3 anos na escola. Vejo que muito do que acontece lá é por causa do empenho de quem trabalha na escola. E, mesmo com o pouco recurso, a gente se empenha ao máximo pra fazer que o ensino seja bom e as festas sejam bem-feitas e fiquem na memória de quem participa. Só tenho a agradecer ao colégio por abrir as portas pra mim e hoje, graças à escola, eu estou vendo minha vida de outra forma”, relatou um senhor de cabelos brancos.

Na fala da ex-aluna da escola, Joana Basílio, que hoje é coordenadora do movimento das pessoas em situação de rua, a explicação do carinho dos e das estudantes:  “A escola faz a diferença para a população de rua, porque é inclusiva de verdade, e acolha as demandas dessa população.”

A promotora Luisa Marillac demonstrou que a escola é a prova de que as políticas públicas, bem aplicadas, funcionam: “a garantia dos direitos humanos pode acontecer com continuidade e permanência. Essa escola nos mostra isso. A política pública tem a capacidade de revelar o brilho das pedras preciosas que todos somos. Nesse momento, vemos sentido nas nossas vidas e em nossas profissões. Profissionais como a Amelinha e Jorjão são os lapidadores dessas pedras, e a Escola Meninos e Meninas do Parque oferece ao Brasil inteiro o expertise para atender à população de rua.

A representante da SEEDF, Patrícia Melo, informou que a secretaria está em fase final de elaboração de uma diretriz de escolarização de pessoas em situação de rua, que acaba de ser atualizada junto com o corpo gestor da Escola Meninos e Meninas do Parque, e vai ser lançada ainda no segundo semestre.

O vice-diretor Jorge Luiz, o Jorjão, lembrou emocionado quando a escola chegou ao imóvel que ocupa hoje, no Parque da Cidade: “Era um acampamento de escoteiros abandonado, e transformamos ela no espaço que é o que vocês conhecem hoje. Agradeço ao Gabriel [Magno] por abrir esse espaço pra gente.” Em seguida, dirigiu-se aos estudantes no plenário e declarou: “Vocês são guerreiros, pois vão a pé para a escola. Quando eu chego na escola e vejo o olhar e o carinho de vocês, eu me sinto realizado.”

Em seu depoimento, a diretora Amelinha Araripe lembrou que a primeira diretora da escola, Palmira Eugênia, lhe ensinou sobre a importância do acolhimento, e também recordou de um estudante da escola, “seu Orisvaldo, que caminhava longas distâncias pra chegar à escola, com a perna ferida, e dizia: ‘minha perna dói, mas a minha cabeça tá inteira!’” Ela demonstrou a peculiaridade dos alunos da escola: “Estudante da Escola Meninos e Meninas do Parque não tem mais tempo a perder. E nós estamos lá para acompanhar os sonhos deles.”

O “nós” de Amelinha envolve todo o corpo docente da escola que, na opinião da diretora, não está lá por acaso: “Lembro de uma das professoras levando bolo e coca cola pra escola pra ensinar fração. Ou a professora que está hoje no plenário, que já tirou bicho do pé dos alunos”.

Ao Sinpro, Amelinha dedicou um carinho especial: “Quero dizer ao Sinpro que estamos juntos! Nossos alunos estiveram conosco em todas as paralisações. Demonstramos a eles que estamos também reivindicando nossos direitos, e isso é também lição de cidadania”.