Em Goiás, OS podem virar cabide de emprego, alerta professor da UFG

Em vez de economia e excelência na gestão, conforme propalado pelo governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB), a transferência da direção de escolas estaduais para gestores de organizações sociais (OS) pode desencadear o surgimento de cabides de emprego para amigos e familiares não só dos gestores dessas organizações como também de políticos ligados ao governo.
A suspeita é do professor de História da Universidade Federal de Goiás (UFG) Rafael Saddi. “Professores têm denunciado que políticos do PSDB têm prometido empregos nas OS. Não posso afirmar, garantir nada, mas está circulando essa informação. O que eu posso garantir é que o edital de contratação dessas OS, da maneira que foi feita, dá margem para que isso aconteça”, disse, em entrevista à RBA. “Afinal, elas podem contratar quem elas quiserem. Então fica fácil que vire cabide de emprego.”
“É o que aconteceu na saúde do estado. Vários empregados contratados são parentes dos gestores da OS. Na minha opinião, é uma ampliação dos cargos comissionados dos governos. Hoje, com a diminuição dos cargos comissionados, e as OS podendo contratar à vontade, vão contratar.”
Saddi é um dos 18 professores e estudantes presos na tarde de segunda-feira (15), por ocuparem a sede da Secretaria Estadual de Educação de Goiás contra irregularidades no edital para transferência do controle de escolas públicas para as OS. Depois de 48 horas detidos, tendo passado as noites ao relento – não foi permitida a entrada de colchonetes e não havia espaço nas celas – e sem receber todas as refeições enquanto aguardavam por uma audiência de custódia com o juiz, foram soltos na tarde da quarta-feira. Mas não estão livres de processo criminal por dano qualificado ao patrimônio público e corrupção de menores. Doutor em História dedicado à didática da disciplina, coordena projetos na UFG vinculados à escola pública, entre eles de iniciação à docência, que atua em quatro escolas públicas na cidade de Goiânia.
“Ápice do autoritarismo”, conforme a advogada Fernanda Ferreira, da organização Advogados do Povo (Abrapo), as prisões deram visibilidade ao movimento iniciado em novembro passado, com a ocupação de escolas em várias partes do estado, e à truculência da polícia do governo tucano de Goiás.
Na terça-feira, após identificar irregularidades no edital de chamamento das OS para administrar 23 escolas, o Ministério Público Federal, o Ministério Público (MP-GO) e o Ministério Público de Contas do Estado recomendaram o adiamento da convocação até que as irregularidades sejam solucionadas.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelo professor Rafael Saddi
O que vai mudar na educação com as OS?
Não vai mais ter concurso público. As OS fazem uma seleção pública. No caso do professor de História, há o risco de extinção da carreira. Sem estabilidade, sem concurso público, a qualquer momento o gestor da OS pode demitir quem não atingir a meta. O magistério é um trabalho intelectual que necessita de estabilidade, para garantir que não haja perseguição à diversidade de ideias. Na universidade, o que garante essa potência da diversidade intelectual é a estabilidade. E tem mais: a OS não fica obrigada a pagar o piso.
Como são designados os diretores das escolas em Goiás?
Em grande parte, são eleitos. Não acontece em todas as escolas, mas a maior parte é eleita pela comunidade escolar, pais, alunos e professores. O problema é que a política educacional foi reformulada há mais de dois anos, num projeto de Marconi Perillo que aumenta, e muito, a gratificação do diretor, que acabou ficando na mão do governador, que os retira mesmo que tenham sido eleitos, e coloca interventores no lugar. São muito pressionados. Com esse medo de ser retirado, e perder gratificação, ficam à mercê do governo.
Isso dificultou o movimento contra as OS?
Os diretores pressionaram os pais e professores de várias formas, fomos assediados e vamos denunciar ao Ministério Público as ameaças e os cortes de salário dos professores das escolas ocupadas. Nas escolas de tempo integral, o professor ganha uma gratificação de R$ 2 mil. Para pressionar, a secretaria anunciou que se a escola continuar ocupada, no mês seguinte corta a gratificação, colocando os professores contra os alunos. O estado costuma cortar a carga horária dos professores que participam de manifestações e greves. Há um histórico de retaliações.
Como foi a ocupação da Secretaria da Educação?
Alunos de três escolas que foram desocupadas decidiram ocupar a secretaria. A ocupação foi tensa. Logo que ocuparam, o subsecretario de educação, Marcelo Oliveira, encenou que estava em cárcere privado: se trancou na sala dele, fingiu. A imprensa começou a noticiar, dizendo que havia reféns. Mas os alunos, lá de dentro, filmaram que batiam na porta, tentando falar com as pessoas. ‘Marcelo, pode sair.’ Mostraram que a porta estava trancada por dentro, que não estavam mantendo ninguém refém. Pegou muito mal para os subsecretário, quando as imagens circularam pela internet, já que a imprensa inteira está fechada, nas mãos de empresários e do governo. A gente não consegue nenhuma imprensa local, da grande, para colocar a posição dos estudantes. A posição que prevalece é sempre a da Secretaria de Educação.
Houve diálogo entre governo e comunidade?
Medida tomada, fato consumado. Essa é a postura. Sempre foi essa a postura, de não ter diálogo. É a melhor e pronto, sem discutir com ninguém, com alunos, professores e a comunidade escolar. Com um agravante: todo mundo que começou a questionar foi acusado de ser grupo político partidário, que queria fazer oposição e que quer manchar a posição do governador, e não por crítica real ao projeto. Ou seja, somos classificados como líderes vinculados a organizações guerrilheiras, e não como estudantes e professores. Nunca houve diálogo. Depois das ocupações, a secretária Raquel Teixeira começou fazer propaganda das OS, num monólogo, sem ouvir. Ninguém sabe nada sobre o projeto, a sociedade está desinformada, não se sabe como vai funcionar. Há propaganda mentirosa. O governo diz que os professores continuarão a receber o atual piso salarial, o que não é verdade. O edital de contratação das OS diz que os professores contratados ‘poderão’ receber o piso. Se ela achar que pode pagar, paga, se achar que não pode, não paga. O edital não garante que o professor seja licenciado na área. Diz que deverão ser, de preferência, licenciados na área em que ministram a aula. Se quiserem contratar pessoas que não sejam licenciadas, vão poder.
E o Ministério Público já fez algo quanto à violência policial?
Concentramos lá as nossas denúncias de agressão, de assédio, mas até agora não tomou nenhuma atitude. A instituição diz estar tomando providências, que não apareceram, até agora. Ao menos, se apresentam como alguém responsável e que vai tomar providência. Até agora, efetivamente, não teve nenhuma ação do MP.
Esse projeto vem de gestões anteriores ao governo Perillo?
Não. Começou nesta gestão, num projeto decidido rapidamente. Não teve muito tempo de amadurecimento. No começo do ano passado, discutiam entre PPP e OS. Acabaram decidindo por OS e mandaram ver. Inclusive a secretária Raquel Teixeira sempre foi contra a ideia das OS, se posicionando abertamente contra. Chegou a dizer: ‘Nós sabemos que a OS têm lucro, mas o lucro é embutido e não fica transparente para a sociedade.’ Prevaleceram as OS. Perillo é um trator.
(da Rede Brasil Atual)