Em defesa da vida das mulheres

“Se nossas vidas não importam, produzam sem nós”. Esse foi o lema da Greve Internacional das Mulheres, deflagrada no dia 8 de março de 2017. Mas as mobilizações feministas de 2017 começaram bem antes de março. Antes mesmo de janeiro, as mulheres se posicionaram contra uma série de ataques a seus direitos nos Estados Unidos e em outros países, como na Grécia, Espanha, Argentina e Brasil. Construímos uma greve geral que estabeleceu, de forma concreta, a possibilidade de ressurgimento de um movimento feminista novo, poderoso, anticapitalista e internacionalista.
Mulheres do mundo inteiro percebem que quem paga a conta pelo avanço apressado e devastador do neoliberalismo, como sucede no Brasil e em quase todo o mundo, são elas. No Brasil, além do recrudescimento da violência contra a mulher por vários motivos, mas, principalmente, pelo fato de o governo ilegítimo de Michel Temer ter retirado os investimentos públicos das políticas públicas específica para mulheres, as bancadas conservadoras do Congresso Nacional e o governo Temer têm aprovado reformas que subtraem direitos históricos e afetam de forma negativa a emancipação da mulher brasileira.
O fato é que, se iniciamos o ano de 2017 com uma greve geral internacional das mulheres como um marco qualitativo e quantitativo na reconstrução das mobilizações sociais em escala internacional contra o neoliberalismo e o imperialismo, terminamos o ano de 2017 com grandes retrocessos que afetam de forma nefasta a vida das mulheres, sobretudo as brasileiras. No Brasil, a bancada conservadora do Congresso Nacional aprovou uma série de reformas constitucionais e aprovou leis neoliberais que impõem ao país retrocessos econômicos, políticos, culturais, enfim, em toda a vida do povo brasileiro, sobretudo à mulher.
Além disso, o ilegítimo presidente Michel Temer negocia com as bancadas da bala, do boi (ruralista) e da Bíblia a liberação de investigação dos nossos poucos direitos reprodutivos conquistados a duras penas no passado. É o caso, por exemplo, da PEC 181. O centro dela era a ampliação da licença maternidade para mães de bebês prematuros, no entanto, o relator inseriu no texto que o princípio da dignidade da pessoa humana e a garantia de inviolabilidade do direito à vida deverão ser respeitados desde a concepção, e não apenas após o nascimento, como prevê a Constituição.
Se for a provada a PEC, qualquer possibilidade de aborto legal em nosso país ficará proibida. Atualmente, a mulher brasileira pode utilizar o Sistema Único de Saúde (SUS) para abortar em três casos: quando a gestação ofertar risco de vida para mãe e/ou bebê, quando a mulher estiver grávida de bebê anencéfalo, ou em caso de gravidez por estupro.
Com as palavras de ordem “Lugar de estuprador não pode ser na certidão” e “Deputado você já foi estuprado?”, as brasileiras saem às ruas, nessa semana que inicia com os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres no Brasil, para exigir o fim da PEC Cavalo de Tróia. No Distrito Federal, estamos mobilizadas, e atentas, para a situação de violência das moradoras da capital.
Segundo relatoria da Secretaria de Segurança, o crime de estupro foi o crime que mais cresceu este ano, comparado ao ano passado. Somente no mês de outubro, 64 meninas, entre 10 e 14 anos, foram estupradas, número equivalente a 70% do total de estupros no DF nesse mês.  Essa campanha local tem o objetivo de cobrar do Governo do Distrito Federal (GDF) políticas  que mostrem eficiência no combate a violência contra a mulher. Os indicadores mostram: são mais de duas meninas sendo estupradas por dia no DF. Essa situação não pode se naturalizar.
No mês passado, o Fórum de Mulheres do DF e do Entorno denunciou, por meio de uma nota de repúdio, vários casos de assédio numa escola do Gama. Infelizmente, os casos de assédio contra as estudantes não são raros, mas, como acontece com todos os tipos de violência contra a mulher, há um silenciamento proposital dessas situações. Um “abafa o caso”. Movimento que muitas vezes é legitimado pela própria família das vítimas.
Há constatação de que em 70% dos casos de estupros, o estuprador é alguém de confiança da vítima, como o pai, o padrasto, o tio, o irmão, o ex-namorado, o marido etc. Constatação que facilita nosso entendimento do silenciamento das denúncias. Por isso, o Estado deve ser o principal protagonista no combate a todas as formas de violência contra as mulheres.
É o Estado laico que deve executar uma política preventiva de educação na busca de uma sociedade fraterna, solidária, contra a necropolítica que temos vivido cotidianamente. O Estado deve ainda no campo penal, estimular as denúncias e investigá-las para que os agressores não fiquem impunes.
E à sociedade cabe entender que o seu papel nessa luta é o de cobrar, incessantemente, do Estado que cumpra seu dever por meio de suas instituições (escolas, hospitais, delegacias, casas abrigos, judiciário, etc.) Deixemos de lado o “cada um por si” e incorporemos nos nossos princípios de vida uma visão coletiva e fraterna com o lema: “ MEXEU COM UMA , MEXEU COM TODAS”.
*Artigo de Vilmara Pereira do Carmo: Coordenadora da Secretaria de Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras do Sinpro-DF e professora de História da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF)