Em comentário sobre Marta e Neymar, Bolsonaro marca mais um gol contra a equidade de gênero

O presidente Jair Bolsonaro perdeu a oportunidade de ficar calado nessa segunda-feira (18), ao afirmar que os salários entre as jogadoras e os jogadores profissionais de futebol não devem ser comparados. Para ele, o futebol feminino “não é uma realidade no Brasil” e Marta não pode ser comparada a Neymar. O discurso, feito ao comentar uma questão da prova do Enem 2021, se soma ao repertório de barbaridades do ex-militar e reforça que, mesmo diante de todo desgaste, Bolsonaro não pretende flexibilizar o projeto político sustentando pelo machismo, pelo racismo, pela homofobia, pela ampliação das desigualdades sociais e pelo obscurantismo.

Segundo a diretora de Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras do Sinpro-DF Vilmara Pereira, a fala de Bolsonaro, entretanto, traz algumas verdades. A primeira delas é que realmente Marta Vieira da Silva, ou só Marta, não pode ser comparada com Neymar Junior. Brava em campo – e também fora dele –, a jogadora já foi escolhida como melhor futebolista do mundo por seis vezes pela Fifa. Já Neymar, que virou meme ao ficar mais deitado que em pé em campo, conquistou o terceiro lugar na última votação para melhor do mundo. Ela já fez 103 gols pela seleção Brasileira de futebol, enquanto ele só marcou 50. “Indiscutivelmente – e como ecoam as redes sociais – Marta é melhor que Neymar”, diz a dirigente sindical.

Marta foi escolhida como melhor futebolista do mundo por seis vezes pela Fifa

 

O segundo tiro certeiro na fala de Bolsonaro, para Vilmara, veio quando ele afirmou que questões como a apontada no Enem 2021 não são do seu governo. “Jamais um governo retrógrado e opressor traria a discussão da desigualdade de gênero para um exame que aborda como maioria jovens em processo de formação crítica. Isso, com certeza, fica na conta dos governos Lula e Dilma. Para Bolsonaro e seus apoiadores, a prioridade é a luta pelo Escola Sem Partido, que na contramão da evolução e do fortalecimento dos direitos humanos, veta a discussão de gênero dentro das salas de aula”, rebate a sindicalista.

Na fala breve, Bolsonaro ainda conseguiu marcar mais um gol contra a sensatez ao afirmar que a diferença salarial entre Marta e Neymar se deve à iniciativa privada e não ao machismo, considerando o caso da atleta algo único e exclusivo no Brasil.

A desigualdade salarial entre homens e mulheres, inclusive quando exercem as mesmas atividades, é algo real, numericamente comprovado e de conhecimento amplo da população. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, mostra que mulheres ganharam 22% menos do que os homens em 2019. Ou seja, enquanto a média salarial dos homens foi de R$ 2.495 no último trimestre de 2019, a média salarial das mulheres no mesmo período foi de R$ 1.958. Quando analisados os casos de trabalhadoras e trabalhadores com nível superior, essa diferença fica inda maior: 38%, com salários de R$ 6.292 para homens e R$ 3.876 para mulheres.

“O machismo e o capitalismo se fortalecem mutuamente. Para o capitalismo, é interessante ter mulheres oprimidas, com salários menores. Para o machismo, mulheres com salários menos significa mulheres sem autonomia financeira e, portanto, que dependem de homens para sobreviver ao mundo capitalista. Além disso, com a divisão sexual do trabalho, a mulher exerce uma tarefa que não é reconhecida, valorizada e, consequentemente, também não é remunerada, que é a reprodução dos seres humanos e os cuidados com quem mora na mesma casa. Ou seja: cuidamos do funcionamento da casa, das pessoas doentes, criamos filhos, tudo de forma gratuita, para fornecer a mão de obra barata para o sistema”, afirma a diretora da Secretaria de Mulheres do Sinpro-DF.

As provas geradas pelo próprio presidente do Brasil mostram que organizações que levam a pecha de machistas e retrógradas, como a CBF, conseguem ser melhores que Bolsonaro. Em setembro do ano passado, o presidente da Confederação, Rogério Caboclo, anunciou que as atletas da seleção receberão o mesmo que a equipe masculina em diárias e premiações. “Um avanço sim em um país marcado pelo machismo, mas algo ainda longe de solucionar a desigualdade de gênero dentro ou fora de campo”, diz Vilmara Pereira. Enquanto isso, Bolsonaro segue confiante com seus discursos e posicionamentos avessos a tudo aquilo que é sensato.

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