EJAIT | A crise permanente da alfabetização de adultos no Distrito Federal

DF não tem escolas para todos. As ofertas são muito limitadas e não são para todos”, afirma a professora Madalena.

 

A Educação de Jovens, Adultos e Idosos Trabalhadores (EJAIT) no Distrito Federal vive uma das suas piores crises desde 1996, quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96 – BRASIL, 1996b) transformou o Mobral em EJA. Nesta segunda matéria da campanha 2024 em defesa da EJAIT, o Sinpro entrevistou a professora alfabetizadora Maria Madalena Tôrres, alfabetizadora na capital do País desde 1986, professora da Secretaria de Estado da Educação (SEE-DF) desde 1998 e atuante-fundadora do Centro de Educação Paulo Freire (Cepafre) desde 1989.

Com formação em filosofia e mestrado em tecnologias da educação, Madalena participou, no dia 11 de abril, do lançamento da pedra fundamental de um Instituto Federal (IF) no Sol Nascente, Região Administrativa XXXII do DF, pelo presidente Lula, e pediu a ele para resgatar o programa de alfabetização “Brasil Alfabetizado”. O pedido foi uma ordem. Em recente mensagem nas redes digitais, o deputado distrital Chico Vigilante (PT) declarou que o pedido dela foi atendido e foi uma das principais pautas de uma reunião entre ele teve com o presidente Lula e o ministro da Educação, Camilo Santana.

“Um pedido especial de retorno do Programa Educação de Jovens e Adultos, a EJA Brasil, realizado pela professora Maria Madalena Tôrres, mestre em Educação e especialista em Fundamentos Educativos para a Formação dos Profissionais da Educação Básica, foi motivo de felicidade compartilhada no encontro que tive com o presidente Lula e o ministro da Educação, Camilo Santana. Assim que apresentei a demanda, o ministro respondeu que o projeto está em tramitação e, em breve, será lançado para o público”, declarou Vigilante nas redes sociais.

A crise permanente da alfabetização de adultos e da EJAIT no DF

Madalena assegura que ela pediu isso ao Presidente das República porque, na avaliação dela, a situação é tão grave que somente um programa governamental dará conta de minimizar a crise na EJAIT do DF. Ela afirma que essa crise se intensificou com força na pandemia da covid-19 (2020-2022), e, para desepero de todos(as), a crise pandêmica foi apenas um gatilho para o Governo do Distrito Federal (GDF) aprofundar o sucateamento dessa modalidade de ensino. Em vez de adotar políticas de resgate da alfabetização e da permanência de adultos na EJAIT, o GDF adotou a tática do desmonte, piorando a crise da educação pública e reafirmando que essa crise é um projeto de governos privatistas, como denunciava o educador Darcy Ribeiro.

Madalena traz um panorama deste ano da alfabetização de adultos no DF. Para ela, o definhamento cotidiano que atinge essa modalidade de ensino só será amenizado com uma ação contundente do Estado. A diretoria colegiada do Sinpro concorda com essa análise e entende que é o poder público que irá impedir a continuidade do desmonte em curso, que tem fechado turmas, turnos e escolas dedicadas à alfabetização de adultos e à continuidade desse processo educativo no Ensino Fundamental e Médio por meio da EJAIT à classe trabalhadora da capital do País.

Distâncias, escuridão, falta de transporte público e de escolas e metodologia infantilizadora

Madalena afirma que, no DF, há uma profusão de barreiras que impedem os(as) trabalhadores(as) de acessarem a educação pública no segmento EJAIT e alfabetização. Também aponta problemas de saúde e falta de atendimento médico público, como o de visão (oftalmológico), como impedimento. Além disso, ela destaca o perigo noturno, a distância, e, sobretudo, a metodologia usada, que não ajuda porque, muitas vezes, faz um trabalho de infantilização de adultos à noite. “É preciso pensar muito no que fazer e redimensionar a EJAIT, que enfrenta muitos problemas”, assegura.

Segundo ela, “o principal problema é que não tem o número de escolas adequado para atender a toda a população. Pela PNAD Contínua, o DF tem ainda 1,7% da população não alfabetizada, porém acho que tem controvérsia nisso aí, notadamente após a pandemia da covid-19. É uma suposição apenas, não é uma afirmação fundamentada em pesquisa. Mas a gente vê em sala de aula quando pedimos para as pessoas chamarem seus vizinhos para virem estudar. Eles e elas comentam que tinham um vizinho que era analfabeto e a covid levou. Ouvimos demais isso nas turmas de alfabetização. Por isso que eu digo que não é tarefa fácil de fazer alguma coisa”, diz Madalena.

Ela afirma que a falta de unidades escolares para esse segmento é grave. Em Ceilândia, por exemplo, há 16 escolas públicas com oferta de EJAIT. Esse número nunca atenderá à cidade mais populosa do Distrito Federal, que tem mais de 280 mil habitantes, segundo Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Vou lhe mostrar aqui o exemplo do Condomínio Privê e da Expansão do Setor O, que não têm nenhuma escola da EJAIT. São dois os setores mais populosos de Ceilândia e não têm nada. Se as pessoas do Condomínio Privê e da Expansão do Setor O de Ceilândia quiserem estudar, elas têm de caminhar muito”, denuncia.

Segundo Madalena, “se, por exemplo, as pessoas do Privê e da Expansão do Setor O forem alfabetizadas nesses bairros e quiserem continuar estudando, elas têm de pegar ônibus e ir para o Médio 03 de Ceilândia, durante o dia; ou irem para o CEF 20, à noite, também no final da Ceilândia Norte. O Privê, por exemplo, fica depois da BR-070, uma rodovia muito movimentada e perigosa, que precisa de passarela para atravessar. As grandes distâncias e a falta de transporte público somadas à falta de escolas são grandes empecilhos para a população de ter acesso à EJAIT”, destaca a professora.

Dados incorretos e a falta do “Olhar Brasil”

A professora também desconfia dos dados oficiais e diz que uma coisa é o dado divulgado, outra, é a realidade. “Outro problema é que eu acho que a maioria dos dados camufla muitas coisas porque a maioria dos pesquisadores não vai onde as pessoas estão. Antes da pandemia da covid-19, a gente tinha turmas bem grandes. Depois da pandemia, a gente fez a busca ativa para formar as turmas em Ceilândia e o que a gente via as pessoas muito amedrontadas, não queriam atender à gente. E olha que fizemos algo diferente da rede pública porque sempre fizemos busca ativa da seguinte forma: ir de rua em rua, porta a porta, falando para as pessoas que vai ter alfabetização, que não paga nada e que elas venham”.

Ela conta que muitas vezes as turmas ficam muito cheias e os(as) alfabetizadores(as) passam a enfrentar outros tipos de problemas, que, se tivessem investimento do GDF, não existiriam. “Como no caso da educação popular, outros problemas, são, por exemplo, o fato de muitos alfabetizandos terem problemas de visão e não ter nenhum programa do governo que atenda a eles. Nos primeiros governos Lula e Dilma havia o programa “Olhar Brasil”, que atendia a todos(as) os(as) matriculados(as) no “Brasil Alfabetizado”. As pessoas faziam o exame e todo mundo recebia os óculos. Com esse vácuo que foi o governo Bolsonaro, que não atendeu ninguém, não teve nenhum programa, as pessoas ficaram numa situação muito ruim”.

Além disso, ela conta que a pandemia levou muito do público da alfabetização de adultos e EJAIT, como o pessoal mais idoso. “Nas pesquisas, ninguém leva em conta isso. Se fizer uma pesquisa mais profunda, vai ver que talvez esse número aí de 1,7% de taxa de analfabetismo que o Distrito Federal apresenta agora, não tem muito que ver porque a Ceilândia não teve mais escolas do que antes. Tem o mesmo número de escolas de antes. E o que foi que mudou? O que mudou é que muitos do nosso público ficou no meio do caminho na pandemia. Tem de pesquisar isso a fundo para descobrir. Tivemos muitos alfabetizados que faleceram e outros potenciais a serem alfabetizados também. Mas as pesquisas não falam nada disso”, alerta.

O problema da distância

Madalena ressalta o problema da distância e afirma que esse é um dos principais empecilhos para a materialização da alfabetização de adultos. “Já falamos do Privê e da Expansão do Setor O. Mas quem estuda, por exemplo, no final da Guariroba, que é outro setor populoso da Ceilândia, tem de ir para o Médio 03; ou para o CEF 04. E olha a distância que é isso! Geralmente, o Médio 03 oferece a EJAIT durante o dia. Mas quem for para o CEF 04 tem de atravessar uma parte grande da Ceilândia Sul para chegar lá e ainda andar muito. Resultado: no DF não tem escolas para todos. As ofertas são muito limitadas e não são para todos”, afirma.

Além das grandes distâncias e falta de transporte, ela denuncia a escuridão e insegurança das ruas como barreiras contra a alfabetização. “Essa história de ter de caminhar à noite porque não tem oferta de transporte e a pessoa ter de sair de um setor que ele mora para assistir aula em outro setor distante, e tem de enfrentar o perigo noturno, isso é resultado na falta de investimento em permanência. A escuridão das ruas, porque, onde tem postes, geralmente, tem muitas luzes queimadas, quebradas etc., sem manutenção. É perigoso demais andar nessas pistas e ruas escuras. É um ambiente muito esquisito para todos. Nas Ceilândia Oeste e Sul há uma parte tão escura que tivemos uma turma lá no CEF 19 que era muito difícil de as pessoas passarem. Elas e nós, professores(as) também, tínhamos dificuldades de continuar porque era muito escuro atravessar aquele ambiente. Recebíamos muita reclamação. Sem contar que a gente estava lá fazendo um trabalho, praticamente, numa escola emprestada. A direção, muito generosamente, emprestou a escola para a gente fazer o trabalho de alfabetização”, finaliza.

MATÉRIA EM LIBRAS